sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

"Por que amamos teorias conspiratórias", por Theodore Dalrymple

Elas nos permitem odiar. E o ódio crônico é para a alma humana o que o aquecimento central é para uma casa num clima frio




Todo mundo ama uma boa teoria da conspiração, quando não uma conspiração em si, assim como todo mundo ama um desastre, contanto que aconteça longe. E, se existe uma atividade que floresceu durante a pandemia de covid-19, foi a elaboração de teorias da conspiração.

Eu mesmo ouvi algumas dessas teorias. Elas variam desde tentativas chinesas de dominar o mundo até o desejo de Bill Gates de implantar vírus em todos nós para obter informações por meio dos sinais emitidos por esses parasitas intracelulares. Sobre Bill Gates, ele pode obter as informações que quiser sobre mim: que faça bom proveito! Tenho muitas informações a meu respeito, mas até agora não lucrei muito com isso.

Também ouvi algumas teorias um pouco mais sofisticadas — o que não quer dizer que estejam mais próximas da verdade, uma vez que sofisticação não é um critério para a verossimilhança. Uma delas dá conta de que a disseminação do vírus foi uma manobra deliberada dos bilionários e de suas corporações para concentrar o poder econômico nas próprias mãos, forçando as empresas pequenas, com menos reservas para sobreviver a recessões profundas, à falência. Afinal, diz-se que até metade de todos os restaurantes na França, de onde estou escrevendo este texto, vai fechar de vez. Enquanto isso, cadeias de restaurantes — se e quando comer fora se tornar possível de novo — terão concentrado boa parte do mercado.

No entanto, efeitos de eventos não são as causas dos eventos, tampouco o fato de alguém ter se beneficiado de um evento é evidência de que ele próprio o causou ou desejou. O desejo de que um evento ocorra não é suficiente para fazê-lo acontecer. Eu quero que a bolsa suba porque vai me deixar um pouco mais rico, mas a modéstia me obriga a confessar que meus desejos e minhas ações a esse respeito até agora tiveram pouco efeito na movimentação do valor das ações.

Quais são os atrativos das teorias da conspiração? (Não quero dizer, de modo algum, que conspirações não existam, apenas que as pessoas tendem a acreditar nelas sem evidências suficientes, ou nenhuma evidência, e inventá-las como Hans Christian Andersen inventava contos de fadas.)

O primeiro e principal benefício da teoria conspiratória é nos dar alguém para odiar. (As pessoas nunca invocam teorias da conspiração para explicar eventos ou resultados desejáveis, assim como sentem necessidade de explicar seu mau comportamento, não o bom.) O desejo por um objeto de ódio é muito forte, ter alguém para odiar é quase um direito humano, e a maioria de nós se sente incompleta, quase destituída, sem essa figura. O ódio é, de longe, a emoção política mais forte, e a mais duradoura. É como um cão raivoso forçando a coleira sem parar, até que alguém apareça para soltá-lo. Incidentalmente, o ódio é um ótimo orientador de caráter: diga-me quem ou o que você odeia, e eu lhe direi o que você é.

Claro, muitas teorias conspiratórias são imprecisas: isto é, os supostos conspiradores são figuras sombrias, em vez de especificamente identificadas. E são resumidos pelo sinistro “eles”: eles fizeram isso, eles fazem isso — sempre contra os nossos interesses, claro. Essa indefinição nos permite odiar categorias inteiras de pessoas, em vez de apenas indivíduos. A vantagem é que você pode seguir odiando por muito tempo sem ter de fazer nada para remover esse objeto. O ódio crônico é para a alma humana o que o aquecimento central é para uma casa num clima frio.

Amamos nossas próprias teorias da conspiração e relutamos em abrir mão delas. Felizmente, para nós, tudo pode ser incorporado a elas, e é impossível refutá-las. Por exemplo, se alguém me dissesse que a epidemia de covid-19 não existe, que é o produto fictício do governo para obter mais poder, eu responderia que a média de mortes aumentou drasticamente no auge da pandemia, e mostraria as estatísticas. O teórico da conspiração então diria: “Essas estatísticas são falsas, elas fazem parte da conspiração!”. Em outras palavras, não há nada que eu possa dizer a essa pessoa, nenhuma evidência que eu possa apresentar, que a convenceria a abandonar sua teoria da conspiração ou mesmo que faria uma pequena rachadura em sua crença.

As conspirações explicam as insatisfações da vida. Se pelo menos não tivessem conspirado contra nós, teríamos aproveitado muito mais a vida! Até mesmo pessoas muito bem-sucedidas podem acreditar nessas conspirações porque a vida humana, até mesmo de quem obteve sucesso, nunca é totalmente satisfatória.

Existe outra consolação para as teorias da conspiração: elas nos dão a impressão de que tudo está sob controle — não sob nosso controle, claro, mas sob controle de alguém, pelo menos. Ou seja, a humanidade determina o próprio destino, nada acontece por acaso, a vontade humana é que decide tudo. Isso também nos dá uma ilusão de entendimento, porque não existe nada mais fácil de entender do que uma conspiração. As motivações dos conspiradores são sempre simples e diretas: eles querem poder, dinheiro, ou ambos, e a maioria de nós consegue entender isso com facilidade, uma vez que esses desejos não nos são estranhos.

O surgimento do vírus que está produzindo um efeito tão devastador na economia do mundo — ou, se preferir, nossa reação ao vírus é que produz tal efeito — gerou milhares de teorias, a maioria sem valor, e muitas pessoas achariam melhor que o vírus fosse resultado da ação humana, e de uma ação deliberada, do que se ele tivesse surgido espontaneamente sem que ninguém o tivesse desejado. O Institut Pasteur, a instituição francesa de pesquisa microbiológica, montou um laboratório virológico em Wuhan pouco antes do surgimento do vírus, e não foram poucas as pessoas na França que ouvi dizendo que isso estava longe de ser uma coincidência. Óbvio, elas não tinham nenhuma evidência especial para afirmar isso, mas estavam totalmente convencidas, porque pelo menos essa teoria lhes dava uma causa para sentir orgulho nacional. Devemos preferir ser considerados maus a indefesos ou insignificantes.

Revista Oeste