sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

"Hora de acordar: Trump não terá mais quatro anos", escreve Enrico Bianco

 

Trump não aceita o resultado da eleição de novembro passado, que ele perdeu para o democrata Joe Biden
Legenda da foto,



Donald Trump não terá mais quatro anos. O que deveria ser fato sabido e consolidado, apenas será reconhecido por parte da direita brasileira e americana hoje, 20 de janeiro, quando Biden e Kamala assumirem as rédeas dos Estados Unidos da América. A incredulidade no resultado das eleições americanas deu luz às mais excêntricas narrativas conspiratórias, batizadas carinhosamente de “xadrez 4D”, ou, como eu prefiro, subterfúgio fantástico. A dificuldade em aceitar a derrocada de Trump advém menos do resultado das últimas eleições presidenciais, e muito mais da noção de que a América ia muito bem, obrigado. Afinal, as conquistas de Donald Trump no governo dos Estados Unidos foram muitas e impressionantes.

Como a memória popular é curta e, na política, quatro anos podem parecer quatrocentos, insta relembrar um pouco sobre o cenário global e americano do ano de 2016.

Depois de anos de guerra civil na Síria e instabilidade no Oriente Médio, os EUA pareciam incapazes de pôr um fim aos avanços do ISIS e às retaliações químicas de Assad; a economia americana tinha a pior recuperação pós-crise de sua história; Rússia e Ucrânia envolviam-se de maneira cada vez mais intensa num conflito militar que já ameaçava arrastar parte da Europa. Enquanto isso, a China já dava as cartas da economia mundial, desmoralizando a força produtiva do mundo ocidental, em especial dos próprios EUA. Ao assumir o governo em janeiro de 2017, Trump rapidamente conseguiu aprovar uma das mais ousadas reformas tributárias da história do país. A América cresceu de novo. A classe média mais forte do mundo, uma vez mais, teve aumento de renda real. Os institutos de pesquisa registravam o maior aumento de renda da história para negros e hispânicos, além de uma taxa de desemprego de apenas 3,5%, equiparada apenas aos anos de ouro da economia americana.

Após algumas semanas de governo, Trump esfacelou o Estado Islâmico e trouxe a paz – pelo menos aquela possível – de volta ao Oriente Médio.

O NAFTA, desastroso acordo de livre comércio com México e Canadá, foi renegociado em velocidade relâmpago e, apesar das insistentes críticas da grande mídia, foi remodelado no Congresso por 385 votos favoráveis contra apenas 41 contra, mesmo numa casa dominada pelos democratas que, desmoralizados pela exposição pública do vergonhoso acordo, foram obrigados a votar com Trump. No entanto, pode-se dizer que a maior vitória do ex-presidente tenha sido a nomeação de 500 juízes conservadores para as cortes federais, sendo três ministros da Suprema Corte dos Estados Unidos.

Sob Trump, a América reconheceu Jerusalém como a capital de Israel, desfazendo uma injustiça histórica.

Obteve a sonhada e extraordinária independência energética, enquanto mantinha sob controle os preços dos combustíveis.

Donald Trump foi presença marcante na Marcha Pela Vida e tirou os EUA do Acordo de Paris, a “pérola globalista”. Longe de serem conquistas impopulares, esses feitos aumentaram os votos de Trump e as minorias lhe concederam a maior votação republicana nos últimos 60 anos: 12 milhões de votos.

Sob Trump, os EUA mantiveram distância incomum de conflitos militares e se voltaram ao inconformismo puritano que lhes deu origem. Os republicanos, tão acostumados às derrotas e às desculpas, rechaçaram os valores hedonistas e decadentes do mundo globalizado. Por um momento a América foi grande novamente. No entanto, ao mesmo tempo que os republicanos seguiam o presidente e tentavam reconstruir a América de acordo com o seu projeto arquitetônico inicial, os democratas, apoiados pelos oligarcas da esquerda globalista, armavam-se e preparavam-se de maneira nunca dantes vista. As chamadas “Big Techs” declararam guerra contra o americano médio, que perdeu seu único refúgio da grande mídia, já completamente dominada pelos democratas. A Fox News, outrora ponto de encontro de republicanos e conservadores, de maneira sorrateira e oportunista, juntou-se aos liberais no histerismo, também chamado de “Trump Derangement Syndrome”.

Os democratas continuaram avançando e fazendo sua campanha infatigável de guerra total. Remodelaram seu braço armado, que deixou de ter pele alva, usar túnica branca e chapéus pontudos; mas continuaram cobrindo o rosto e incendiando bairros de acordo com a etnia predominante. Alegaram fraude eleitoral por interferência russa e abriram processo de impeachment destinado ao fracasso, mas que ocupou todas as mídias durante o ano de 2019, o mais bem sucedido do governo Trump. Com a ajuda da peste chinesa, atacaram o sistema eleitoral americano – o coração da república – e tornaram impossível o jogo democrático. Fabricaram os votos necessários para a vitória de um candidato velho, mal quisto e cansado. Os jornais afirmaram que os votos fabricados não fariam diferença e acusaram os republicanos de tentativa de alienar eleitores pobres e negros. Esconderam todos os escândalos e conexões suspeitas da família Biden, em especial as aventuras narcótico-sexuais de Hunter Biden. Os poucos jornais que ousaram noticiar aqueles escândalos foram calados e suspensos das redes sociais. Os democratas tomaram as ruas, a mídia, as redes sociais e, finalmente, as urnas, com uma avalanche de votos fabricados e postados em massa, alterando significativamente a balança do poder nos estados decisivos. O que foi certamente um dos melhores presidentes americanos da história – certamente o melhor do século XXI – foi escorraçado do poder pelas táticas de guerrilha democratas.

Em todo o mundo, o golpe levou a direita ao nocaute. Desnorteada e sofrendo de evidente dissonância cognitiva, a direita abatida refugiou-se em histórias fantasiosas num dramático processo de negação. Esperaram todos os dias por uma reviravolta humana. Uma jogada de gênio do presidente derrotado. De maneira súbita, o sebastianismo português perdeu a graça; e tornou-se evidente a capacidade humana de se ludibriar com histórias fantásticas. Não esperavam um milagre, pois isso seria afrontar o conceito de milagre. Esperavam a salvação de Trump, um grande homem com grandes defeitos. Bons lutadores republicanos foram às cortes, à imprensa, tentaram todo o possível para reverter a derrota, ou ao menos devassar publicamente as táticas do rival. Em todo o mundo livre a direita nocauteada teve esperanças, tentou se reerguer, mas como um lutador de boxe cansado, caiu novamente com a confirmação dos resultados no dia 14 de dezembro. Os jornais que alertavam para “interferência” eleitoral e manipulações russas em 2016, já diziam que fraudes eram improváveis e até impossíveis. Mesmo após a batida do gongo, a maioria dos conservadores continua estatelada, em sono profundo, sonhando com a vitória enquanto os paramédicos tentam reanimá-la.

A derrota surpreendente e cruel na política não altera o sucesso absoluto que foi a administração Trump; assim como as glórias de sua administração não escondem o fracasso na guerra cultural contra a esquerda. Apenas conseguindo distinguir as duas facetas da administração Trump é que a direita conseguirá saber como perdeu e, enfim, admitir a chocante derrota. E sabendo que perdeu, poderá largar as fantasias sebastianistas – ou kasparovianas – e deixar o ringue. É hora de se preparar para a próxima batalha. Donald Trump não terá mais quatro anos.