sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

"Eficácia", por Guilherme Fiuza

“Você demorou muito a comprar. Eficácia depende de rapidez” / “Poxa… Se eu soubesse teria comprado mais rápido. Ando muito dispersivo” 




— Quanto é?

— Uma é 5, duas é 10.

— Tá. Me vê uma.

— Pra você eu faço duas por 15.

— Tá bom. Obrigado. Me vê duas, então. Funciona mesmo, né?

— Claro. 100%.

— Ótimo. Não posso ter dúvidas.

— Fica tranquilo. Os testes deram mais de 90% de eficácia.

— 90%? Não era 100?

— 90 foi nos testes. No mercado real é outra coisa.

— Como assim?

— Já ouviu a frase “treino é treino, jogo é jogo”?

— Já.

— Então é a mesma coisa. Teste é teste, mercado é mercado.

— Não entendi.

— Raciocina: se um produto tem mais de 90% de eficácia na fase de testes, que não vale nada, imagina como ele vai performar quando for pra valer?

— É… Faz sentido.

— Capaz até de ultrapassar 100%.

— É possível, isso?

— Se o produto for muito bom, sim.

— Caso ultrapasse os 100%, posso dar o que sobrar pra um amigo?

— No caso você vai precisar cadastrar esse amigo aqui, e pagar uma taxa extra de titularidade compartilhada.

— OK. Se a eficácia não passar de 100% vocês devolvem o dinheiro da taxa?

— Não.

— Por quê?

— Porque esse dinheiro já terá sido investido em mais eficácia. Ou seja, você terá ajudado indiretamente outras pessoas.

— Aquele lance de empatia?

— Exatamente.

— Que legal! Eu sempre quis ter empatia!

— Pois é. É mais simples do que parece. Vai pagar em dinheiro ou cartão?

— Aceita cheque?

— Nem aqui nem na China. Quer dizer, na China aceitamos, mas o cliente tem que deixar uma garantia.

— Qual garantia?

— Ele mesmo.

— Ah, tá. Aí funciona, né?

— Inadimplência zero. Mas esse sistema ainda é muito moderno pra ser usado aqui.

— Por quê?

— Aqui as pessoas são muito indisciplinadas. Não param quietas, querem andar por aí sozinhas, decidir as coisas por elas mesmas, sem monitoramento. Enfim, gente subdesenvolvida, sem empatia.

— Então vou pagar a taxa de empatia em dinheiro e o resto no cartão.

— Perfeito. Isso aqui é seu também.

— O que é isso?

— Um brinde do fabricante. Pode pregar na camisa.

— “100% ciência”. Que legal! Obrigado. Vou botar agora.

— Esse broche teve 98,3% de eficácia em mesa de bar na fase de testes.

— Uau! Vou sair com ele hoje.

— Vai arrebentar, com certeza.

— Somando com 100% de eficácia do produto…

— 75,8%.

— Como assim? Você acabou de me dizer que…

— Você demorou muito a comprar. Eficácia depende de rapidez.

— Poxa… Se eu soubesse teria comprado mais rápido. Ando muito dispersivo.

— Fica tranquilo. Ainda é uma boa taxa de eficácia, vai por mim.

— Tá. Mas com essa taxa eu ainda posso usar o broche “100% ciência”?

— Claro! Em mesa de bar ninguém verifica nada.

— Mas e se eu não for direto pro bar?

— Dá no mesmo. Hoje em dia é tudo bar.

— Como assim?

— Não reparou? O mundo virou uma grande mesa de bar. E tá todo mundo bêbado. Vai com fé.

— Com fé ou com ciência?

— Dá no mesmo, bobo.

— Legal! Então… 75,8% de eficácia, né?

— Não. 50,5.

— O quê??

— Te falei que se demorasse ia caindo…

— Droga. Me distraí de novo. Mas… 50%? Não é arriscado?

— Você não comprou duas?

— Comprei.

— Então é só somar: 50,5 + 50,5 = 101%. Você fez um excelente negócio.

— Maravilha! Você teria um broche “101% ciência”?

Revista Oeste