quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

“A ideia de fechar tudo para salvar vidas precisa ser refinada”, diz economista italiano

 

Depois da imposição dos lockdowns, agora há cientistas pedindo a censura a quem faz questionamentos sobre as vacinas - Foto: Pixabay


Ao apagar das luzes de 2020, ano em que o vírus chinês levou nações do mundo inteiro a fechar fronteiras e impor rígidas medidas de isolamento para conter a propagação do vírus, três pesquisadores National Bureau of Economic Research divulgaram um estudo recente que levanta dados preocupantes a respeito da recessão econômica causada pela pandemia. Segundo as projeções feitas pelo grupo, pelos próximos quinze anos, os americanos podem esperar cerca de 890 000 mortes em decorrência do desemprego causado pela crise.


Doutor em Economia pela Universidade de Princeton e professor da mesma disciplina na Universidade de Duke, na Carolina do Norte, o italiano Francesco Bianchi é coautor do artigo, escrito em parceria com sua irmã, Giada Bianchi, pesquisadora da Universidade de Medicina de Harvard, pelo economista Dongho Song, da Universidade Johns Hopkins.


Nesta entrevista, Bianchi esclarece a metodologia da pesquisa, que previu um aumento na taxa de mortalidade nos próximos anos, com impactos ainda mais severos entre a população negra e entre as mulheres.


É possível afirmar que o lockdown salvou vidas?


É uma pergunta importante e complicada. Primeiro, é preciso esclarecer que nosso estudo analisa as consequências da recessão econômica. Parte dela é devida aos lockdowns e parte viria de qualquer jeito, por conta de ações voluntárias diante da pandemia. Eu, por exemplo, me isolei com a minha família antes da decretação oficial do lockdown na Itália. Notei que as coisas estavam ficando piores e decidi parar de viajar e de ir a restaurantes, e aí vieram os decretos de isolamento, também em Nova York.


Retornando à pergunta, diria que, sim, no curto prazo, os lockdowns salvaram vidas.. Entretanto, se, por um lado, eles ajudaram a conter a pandemia, contribuíram para tornar a recessão pior. Hoje, eu diria que esse recurso só deve ser usado se for estritamente necessário; quando as taxas de contágio e mortes são tão altas a ponto de ser tarde demais para confiar apenas no isolamento voluntário. E, além disso, é preciso contrabalancear a medida com políticas que ajudem a preservar o bem-estar das famílias, como renda básica e acesso à saúde. Nós sabemos que há muita gente nos Estados Unidos e no Brasil que só consegue ter acesso a bons hospitais se tiver dinheiro.


Proporcionalmente à taxa de mortalidade americana, o número encontrado - 890 000 mortos em quinze anos - é muito alto?


Veja: se eu disser que nos Estados Unidos haverá um milhão de mortos em vinte anos, isso, em si mesmo, não soa como grande coisa, porque temos 300 milhões de habitantes. Mas se eu disser que haverá um milhão de mortes adicionais, é um número grande o suficiente para levantar preocupações.


Sabemos dos limites do estudo - é um modelo matemático através do qual estamos tentando prever o futuro, que é sempre complicado e surpreendente - mas, no mínimo, os dados levam a pensar sobre o que você pode fazer para impedir que aconteça. Os responsáveis por formular políticas públicas podem fazer alguma coisa. É claro que nada disso é de graça e não estou sugerindo que seja fácil resolver isso só aumentando gastos. O que estamos dizendo é que se algo pode ser feito, deve ser feito.


Como é a metodologia do estudo?


Basicamente, nós pegamos três séries históricas de dados: desemprego, expectativa de vida e a taxa de mortalidade. Então, colocamos os números em um modelo estatístico e os colocamos para “interagir” uns com os outros. Diante disso, a pergunta que se faz ao programa é: o que acontece com a expectativa de vida quando o desemprego sobe? E com a taxa de mortalidade? É um pouco como tentar fazer uma previsão do tempo condicionada a uma variável específica. Se uma delas está aumentando, o que podemos esperar das outras?


Como vocês chegaram à informação de que o impacto será maior em negros e mulheres?


Bastou aplicarmos os modelos estatísticos sobre a população de alguns grupos específicos dos Estados Unidos: primeiro a população negra e depois as mulheres brancas. Historicamente, as taxas de desemprego afetam especialmente a população negra; os choques são mais intensos em termos quantitativos.


Por outro lado, o que é interessante com relação às mulheres é que, proporcionalmente, elas sofrem um impacto muito pequenos com o desemprego, mas as consequências têm efeitos maiores sobre as vidas delas. Não sei se é porque há muitas mães solteiras ou se porque, quando elas trabalham, o façam porque realmente precisam. Nos Estados Unidos, por exemplo, notamos que elas foram profundamente afetadas, muitas deixaram a força de trabalho.


Quando se diz que estas mortes são decorrentes do desemprego, o que está na conta? Problemas de saúde mental estão inclusos?


Há muitos canais através das quais o desemprego pode afetar a expectativa de vida ou a taxa de mortalidade. E uma delas é, sim, o suporte psicológico. É sabido - e isso é particularmente verdade para homens brancos - que as taxas de suicídio aumentam junto com o desemprego.


Eu dividiria os impactos possíveis em três grandes categorias: primeiro, se você não tem um emprego, terá menos acesso à saúde. Segundo, você pode desenvolver um estilo de vida pior. Pode beber e fumar mais. Relacionada a isto, está a saúde mental. E esta recessão é pior do que as outras porque também combina a crise financeira com distanciamento social, que deixa as pessoas mais deprimidas.


Ainda há que se considerar os casos de pessoas que não perderam seus empregos mas, ainda assim, ficaram mal. Este é outro aspecto que diferencia nosso estudo. Os anteriores acompanhavam estritamente as pessoas que perderam o emprego, como se só elas fossem afetadas. Não levam em conta que as pessoas que permanecem empregadas podem estar ganhando menos dinheiro - porque as que perderam saem menos, consomem menos e influenciam seus pares. É o que os economistas chamam de efeito geral de equilíbrio: se todos os meus amigos perdem o emprego, estão bebendo mais e se alimentando mal, eu tendo a fazer o mesmo; e isso tudo tem impacto.


A pandemia Covid-19 evidenciou a importância de um Estado eficiente. Mas há quem diga que as medidas de isolamento teriam funcionado melhor se adaptadas às necessidades locais, ao invés de impostas “de cima”. Qual é sua opinião?


Não é necessário lembrar que não sou epidemiologista, portanto, não posso avaliar em termos de taxas de transmissão, etc. Mas posso argumentar, sim, que o melhor que se pode fazer agora é implementar medidas que causem a menor disrupção econômica possível, de acordo com as condições de cada cidade ou estado.


Além disso, nós também aprendemos muito sobre a Covid, Sabemos que as máscaras diminuem muito o contágio e que isso funciona ainda melhor ao ar livre. Penso que, a essa altura, é justo dizer que é melhor tentar manter o comércio aberto, de forma segura. Particularmente, penso que é melhor que as pessoas parem de viajar entre estados do que sejam impedidas de ir ao trabalho, por exemplo.


Dois modelos de combate à Covid estão em voga, por assim dizer, no debate: as proposições do Great Barrintgon Statement, o documento assinado por cientistas que defendem a proteção focada nos grupos de risco; e o método “go hard, go early” - um lockdown rígido e curto - adotado pela presidente da Nova Zelândia, Jacinda Arden, por exemplo. Qual funciona melhor?


Essa é outra pergunta difícil. Em um cenário ideal, se você pudesse, literalmente, congelar tudo por duas semanas, isso deveria ser o suficiente para praticamente acabar com a pandemia, já que todos os doentes teriam tempo de se recuperar. Se isso for levado a sério (e o modelo funcionou, de certa forma, em alguns países), a taxa de contágio pode chegar a zero. É claro que você teria que fechar o país para o resto do mundo neste período, mas provavelmente o efeito econômico de fechar tudo por apenas duas semanas não seria dramático e o governo conseguiria dar conta desse custo.


O problema é que isso não funciona para todos os países, e quando não é possível criar esta força-tarefa, acontecem os mini-lockdown, nos quais a economia é prejudicada sem que a pandemia seja contida. Daí a importância de se adaptar as medidas. Vejo que o estado de Nova York, por exemplo, encontrou um bom equilíbrio entre prevenir o contágio e manter as atividades econômicas: as escolas e os escritórios estão abertos, entre outras razões, porque entendemos que se as escolas estão fechadas, as mulheres deixam de trabalhar. Meu barbeiro, por exemplo, está trabalhando com 30% de ocupação.


O segundo lockdown adotado por alguns países e estados (alguns só durante as datas comemorativas) é justificável?


Depende do caso. Nosso sistema de saúde não está estruturado para uma pandemia, ainda não temos leitos suficientes. Como disse, se a coisa estiver fora de controle, se for estritamente necessário, pode ser uma alternativa. É impossível saber se teríamos dado conta sem os primeiros, foram importantes no começo. Mas é fato que este tipo de medida não pode ser a única medida e devemos evitá-la ao máximo.


Uma das mensagens que buscamos passar com nosso estudo é que vidas, de fato, não têm preço - como muito se falou no começo da pandemia. Portanto, quando se trata de decidir o que fazer, você precisa levar em conta os dois lados. A conversa sobre a recessão se tornou tão politizada que é fácil esquecer que problemas complicados requerem soluções complicadas. A ideia “vamos fechar tudo para salvar vidas” precisa de algum refinamento.


A flexibilização consciente é uma saída?


Sim. Por enquanto, se queremos ter uma vida relativamente normal, todos temos que adaptar nossos comportamentos. A certa altura, você precisa fazer alguma coisa para não enlouquecer, literalmente. Escolha duas atividades que são muito importantes para você, não dez. Eu, por exemplo, tenho duas meninas de 4 e 2 anos e elas precisam ver os amigos. Não vamos a restaurantes, mas passamos a encontrar os vizinhos com as crianças. Na prática, é como se fôssemos todos uma família só.


Ana Clara Vieira, Gazeta do Povo