sexta-feira, 4 de setembro de 2020

“O que mais mata no Brasil é o tratamento tardio”, diz Roberto Zeballos em entrevista a Paula Leal

 Pioneiro no uso de corticoides no combate à covid-19, Roberto Zeballos defende intervenção precoce e acredita que a vacina pode acabar com o pânico. “Caso funcione”


Em meio a previsões catastróficas de que o novo coronavírus mataria entre 1,8 milhão e 40 milhões de pessoas no mundo inteiro até o início de setembro, o clínico geral e doutor em imunologia Roberto Zeballos, 60 anos, tem um olhar bem mais realista sobre os números da covid-19. “Nem todo mundo é suscetível a essa epidemia”, explica o médico. 

Zeballos apoia o grupo de médicos que defende o tratamento precoce e foi pioneiro na adoção de protocolo que usa corticoide via oral como tratamento para a covid-19 no Brasil. Chamado para reverter o quadro crítico de casos em Belém, no Estado do Pará, Zeballos orientou o tratamento de 323 pacientes. Apenas um deles morreu. “Vi que tinha algo muito poderoso em mãos”, diz sobre sua experiência na capital paraense.

Relutante à estratégia de vacinação em massa, o médico acredita que não há como desenvolver uma vacina segura em tão pouco tempo. Embora admita que a notícia possa aplacar o pânico de parte da população, o desafio será lançar no mercado um imunizante que de fato funcione. Zeballos recebeu a reportagem da Revista Oeste em sua clínica, no bairro de Vila Nova Conceição, na capital paulista. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Previsões catastróficas propagadas por cientistas e pesquisadores davam conta de que o Brasil teria 1,4 milhão de mortos até o final de agosto caso não fossem tomadas medidas rígidas de isolamento. Até o momento, o país registra cerca de 123 mil mortes. O Imperial College de Londres previu que até 7 setembro o coronavírus mataria algo entre 1,8 milhão e 40 milhões de vítimas em todo o planeta. Em torno de 860 mil vidas foram perdidas no mundo. O que deu errado com essas previsões?

Nem todo mundo é suscetível a essa epidemia. Chego a essa conclusão pela observação da capital paulista. A gente sabe que 5% dos infectados evoluem para um quadro crítico, 95% vai bem. Cinco por cento de 12 milhões de pessoas, considerando que 100% seriam suscetíveis à doença, estamos falando de 600 mil pessoas ficando doentes ao mesmo tempo, é quase uma cidade. E não tivemos colapso nos hospitais de campanha em São Paulo. Mas foi por causa do isolamento? Também não. Porque grande parte da população não tem condições de espaço para fazer isolamento em sua residência. Então, chega-se à conclusão óbvia de que nem todo mundo é suscetível à doença. 

Como o senhor avalia as políticas de isolamento que foram adotadas no país? 

Não posso criticar, porque alguns colegas acreditavam no isolamento duradouro. É a visão deles. O isolamento que fizeram aqui em São Paulo, por exemplo, não posso criticar, porque era tudo muito novo. Mas já saiu estudo mostrando que é o isolamento intermitente que adianta. É importante observar que, enquanto as pessoas não entram em contato com o vírus, a epidemia não acaba. Aliás, é algo que se conhece de outros históricos epidemiológicos. O propósito do isolamento é evitar que todo mundo fique doente ao mesmo tempo para não colapsar o sistema de saúde, ou seja, para o sistema não ficar sobrecarregado de gente, para não morrer o cara que está infartando, a menina jovem que está com infecção urinária generalizada, as pessoas que estão fazendo tratamento oncológico. Por isso existe a estrutura de isolamento. Então, fui a favor de preparar a estrutura de saúde no primeiro mês e depois liberar os pacientes de baixo risco para trabalhar, com controle. Se aumentasse o número de casos, isolaria de novo.

Além do baque na economia, que outros efeitos podem acarretar medidas de isolamento social?

O isolamento prolongado traz consequências graves, uma delas é a psicológica. Nos Estados Unidos, as chamadas de emergência 911 aumentaram 800% porque as pessoas tinham medo de ir aos hospitais e acabavam morrendo em casa. Na Espanha, aconteceu um colapso nos hospitais psiquiátricos porque o desgaste psicológico é absurdo. Isso quando não entramos no mérito da economia. Porque onde não tem dinheiro não tem saúde. Onde tem miséria não tem saúde. Posso dizer que depois do primeiro mês eu achei que deveria flexibilizar, para mais pessoas de baixo risco se contaminarem e criarem a chamada imunidade de rebanho e, assim, reduzir a taxa de contaminação.

As escolas devem reabrir? 

Têm de voltar. Há um estudo da Harvard a favor da reabertura das escolas, mostrando que crianças até 9 anos têm duas a três vezes menos probabilidade de transmitir a covid-19. Após a reabertura das escolas em muitos lugares, não houve aumento de casos. Como você explica isso? É fato e raciocínio. Talvez porque as crianças não sejam os vetores que a gente achou que fossem, como elas são, por exemplo, para o H1N1. E mais, chega uma hora que a vida tem de voltar.


“Vi que tinha algo [o tratamento com corticoides] muito poderoso em mãos”


O senhor é pioneiro no Brasil na prescrição de corticoides no tratamento de pacientes com covid-19. Por que resolveu apostar no medicamento?

Sou clínico, preciso examinar o paciente e observar os sintomas. O primeiro paciente com covid-19 que tratei com uso de corticoide tinha 44 anos, era magro, não fazia parte do grupo de risco. No décimo dia da doença, ele estava com 80% do pulmão tomado. Precisou ser internado, mas só piorava. Então um colega me apresentou um estudo chinês mostrando que o uso da metilprednisolona [um tipo de corticoidediminuía a mortalidade. Meu paciente estava para entrar no tubo, não vinha se comportando como a gente esperava, falei para o meu colega: “Vamos tratar com corticoide”. Era uma novidade para mim. Em cinco dias, o pulmão clareou, em sete dias não tinha mais o vírus. Como a gente explica a situação? A covid-19 é uma doença imunológica desencadeada por agente viral. Como consequência da ação direta do vírus, surgem nos primeiros sete dias sintomas como dor de garganta, dor de cabeça, diarreia. Se o vírus fosse o grande responsável pela lesão pulmonar, nós deveríamos ter problemas respiratórios nos primeiros sete dias. Não. Os problemas respiratórios aparecem em média entre o sétimo e o décimo segundo dia, mostrando então quando se estabeleceu a resposta imunológica do organismo. O mecanismo da doença e todas as complicações futuras só ocorrem se o sistema imunológico não for fortalecido no começo, porque é ele que leva à inflamação e favorece a formação de trombos, por exemplo. Com o uso do corticoide, é possível modular a resposta do sistema imunológico do paciente e resolver o problema.

Na última quinta-feira, dia 2, uma pesquisa publicada no periódico Journal of the American Medical Association comprovou que o uso de corticosteroides reduz a mortalidade em casos graves de covid-19. O senhor adota um protocolo de tratamento com corticoides em seus pacientes desde abril. Qual sua avaliação sobre as conclusões dessa pesquisa?

A única droga hoje que é unânime no combate à covid-19 é o corticoide. Essa publicação só saiu depois que o pessoal percebeu que os pacientes que estavam na UTI melhoravam com a medicação. Os trabalhos recentes ainda não estão aproveitando o momento certo em que o corticoide deve ser ministrado. A preocupação que alguns colegas sempre tiveram e ainda têm hoje é que o corticoide pode comprometer a imunidade do paciente e, portanto, haveria um aumento na replicação viral. Mas isso só ocorreria se você desse altas doses de corticoides na fase entre o primeiro e o sétimo dia da doença, em média. Então, por receio de evitar a replicação viral, eles só prescrevem nos casos críticos. Eu dou no começo da fase inflamatória pulmonar, e isso é inédito aqui no Brasil. O tratamento via oral com corticoide também é inédito no país. Se quiserem me criticar por fazer uma experiência, respondo que estou tendo resultados, não vou deixar de atender meus pacientes.

Em Belém, no Estado do Pará, o sistema de saúde chegou a colapsar, ou seja, pacientes ficaram sem atendimento por falta de condições hospitalares. As equipes médicas locais entraram em contato com o senhor para pedir orientação quanto ao uso de corticoides no tratamento dos pacientes com covid-19. Como foi a experiência?

Criamos o “Protocolo Colapso”, demos o corticoide via oral e resolvemos a crise no Pará. Dos 323 casos auditáveis, só morreu uma pessoa. E eram casos de internação, só que não havia leitos suficientes. Isso abriu caminho para outra coisa. Além do tratamento com corticoides, alguns colegas distribuíram mais de 50 mil kits com cloroquina. E observei que lá os casos não ficaram tão graves. Depois do que ocorreu no Pará, não era só a minha experiência, era a de mais de 250 médicos. Então, ganhei força para continuar divulgando. Vi que tinha algo muito poderoso em mãos.


“Quem falou que temos tempo hábil para elaborar uma vacina segura? Não temos”


Grupos de médicos em todo o Brasil se reuniram para apoiar o tratamento precoce no combate à covid-19. Qual a vantagem de acolher precocemente o paciente? 

Minha tese é que, quanto mais mais cedo o médico controlar o processo inflamatório, menos complicações o paciente terá. Dá até para tratar ambulatorialmente, de forma domiciliar, como venho fazendo. Outra questão é que o paciente chega fragilizado. Não posso receitar uma Novalgina e mandá-lo para casa quando ele soube que o amigo morreu de covid-19. Então, é preciso acolher. No começo, eu prescrevia ivermectina e vitamina D e ficava de olho no sexto dia. No sexto dia, ia com tudo, pela confiança que tinha, no uso do corticoide. Acho que o recomendável é falar em acolhimento precoce. Porque, se o médico não quer dar cloroquina, por exemplo, não pode deixar de olhar seu paciente de perto para não perder o tempo da doença. Esse é o meu critério. O que mais mata no Brasil é o tratamento tardio, isso é um fato. Apoiei esse grupo de médicos porque eles desenvolveram três estratégias: uma nos primeiros cinco ou seis dias, em que o profissional pode prescrever vitamina D, ivermectina, cloroquina; a segunda, no começo da fase inflamatória, em que se recomenda o uso de corticoides. A última, um protocolo de emergência para o caso de colapso do sistema de saúde, quando não há hospitais. Se a cloroquina não se mostra eficaz, o médico traz o paciente para perto e pode entrar com corticoide na hora certa. Porque 48 horas podem ser a diferença entre uma doença moderada e sua evolução para quadros mais graves. 

Na corrida por uma vacina contra o novo coronavírus, quem chegará primeiro?

Quem falou que temos tempo hábil para elaborar uma vacina segura? Não temos. Quem falou que a vacina é a grande solução para esse vírus? Se ela funcionar. A vacina pode acabar com o pânico, caso funcione. Estamos diante de uma doença que mata quem recebe tratamento tardio. Hoje, na Europa, não há aumento de mortes. Aqui em São Paulo, estamos em queda livre. Quando se entende o mecanismo da doença, que o que põe a vida em risco é a resposta do sistema imunológico e não o vírus em si, é possível estimular o sistema imunológico dos doentes para desenvolver uma resposta. De todo modo, no que diz respeito a vacinas, é mais fácil ter estratégias de tratamento do que sair vacinando todo mundo. Essa epidemia está mostrando que existe começo, meio e fim. Se houver uma outra onda, pelo menos os médicos já aprenderam a tratar.

Revista Oeste