Dono de uma gigante do varejo que faturou R$ 10 bilhões no ano passado, o empresário Ilson Mateus Rodrigues, de 57 anos, traz sempre consigo uma memória palpável de suas origens. É a carteirinha de garimpeiro em Serra Pelada, cuja validade expirou em 1985, mas que o mais novo integrante da lista de bilionários da Forbes carrega no bolso como prova de sua trajetória.
O empresário tinha 21 anos quando chegou a Serra Pelada. Como milhares de homens de todas as partes do Brasil, esperava ficar rico. E, como a maioria dos garimpeiros, não “bamburrou” – expressão usada para definir quem achava uma pepita de ouro e ficava rico da noite para o dia. O sonho do garimpo se revelou quimera: sem condições de seguir tentando “enricar”, Ilson desistiu. Fortuna fácil não era seu destino.
Foi de carona em um caminhão, com o gosto do fracasso na boca, que ele deixou o garimpo sem dinheiro sequer para comer. Do jeito que conseguiu, voltou para Imperatriz, no Maranhão, de onde havia saído. Assim que chegou, inventou um novo negócio: coletar e comprar garrafas de vidro – ou “cascos”, como se dizia na época – para revender.
Foi atrás de vidro que ele acabou conhecendo um rincão pouco explorado do interior maranhense: Balsas, que fica a quase 400 km de Imperatriz e a 800 km de São Luís. Na época, o caminho era de estradas de terra quase intransitáveis. Não era raro o caminhãozinho de Ilson quebrar. Mas a Balsas ele chegou. E percebeu que ali deveria ficar.
Início
Instintivamente, o empresário entendeu o potencial daquele mercado. Era a confluência perfeita. Havia demanda – de agricultores vindos do Sul, pioneiros no desenvolvimento da cultura da soja no Maranhão – e quase nenhuma oferta. Em 1986, Ilson montou uma mercearia. Mas percebeu um potencial maior: a distribuição de produtos em cidades menores e ainda mais carentes de mantimentos.
Não demorou para se tornar um empresário próspero. Em pouco mais de um ano, a mercearia foi ampliada e, logo depois, se transformou em supermercado. Mas o “pulo do gato” foi outro. Ele comprava alimentos e produtos de limpeza nas distribuidoras de Imperatriz e revendia, com ajuda de funcionários, em todo o Sul do Maranhão. O negócio cresceu tanto que Ilson passou a trazer mercadorias de São Paulo.
O empresário Isael Pinto, dono da marca popular Camp, foi um dos primeiros fabricantes de alimentos a vender diretamente para Ilson. Na época, Isael comandava a QRefresco. Após um distribuidor se recusar a vender para o dono do mercadinho Mateus por causa do volume reduzido da compra, Isael decidiu enviar uma carga a Balsas na base da confiança. “Dei 90 dias para ele pagar. Em 30 dias, o Ilson ligou. Já tinha vendido tudo.”
Foi a senha para Isael tomar um avião para conhecer o rapazinho – que, na época, tinha 25 anos – que desbravara o sul maranhense sozinho. “Peguei um avião e depois um carro da Localiza, que havia acabado de inaugurar uma loja em Imperatriz. Finalmente, cheguei a Balsas”, lembra o empresário. “E jantei na casa do seu Ilson Mateus – a esposa dele, na época, preparou um arroz com suã de porco”, lembra.
Iniciou-se, então, uma parceria informal. Nas feiras do setor supermercadista, em São Paulo, Ilson usava os estandes de Isael para fazer contatos com multinacionais como Nestlé e Colgate-Palmolive, que passou a distribuir diretamente. Os dois viraram amigos. E hoje é Isael quem pega carona no jato Phenom 300, da Embraer, do dono do Grupo Mateus, que tem piloto e copiloto à disposição.
O avião é muito mais uma praticidade do que um luxo, segundo Isael: “O negócio dele é trabalho. Para o Ilson, não tem domingo, feriado ou dia santo. Ele anda de carro popular, quase sempre um Gol. Tem o avião para ganhar tempo.”
O Estadão conversou com fontes do mercado financeiro e de consultorias que atuaram no Grupo Mateus. “O Ilson é um cara simples”, definiu uma delas. “Ele prefere comer um pastel e tomar um caldo de cana a um restaurante chique.” Por estar em período de silêncio por causa da chegada à Bolsa, o empresário não deu entrevista à reportagem.
Gigante
Após anos de expansão acelerada, o grupo faturou R$ 9,9 bilhões em 2019. Hoje, tem 137 lojas, entre atacarejos, supermercados, revendas de eletrodomésticos e padarias. Muito antes de pensar na abertura de capital, prevista para outubro e que pode superar R$ 6 bilhões, Ilson foi buscar profissionalização. Contratou, por exemplo, a Falconi, uma das principais consultorias de negócios do País.
Com a ajuda da Falconi, ele buscou profissionalizar a gestão do grupo, mas sem perder a agilidade nas decisões. Simples e de fácil trato, Ilson é visto por parceiros de negócio como uma pessoa reservada, de poucas palavras e muito objetiva. E com olho para talento: uma executiva do time da Falconi foi contratada pelo grupo e hoje é peça-chave da área financeira da companhia.
A profissionalização anda lado a lado com a gestão familiar. Irmãos e filhos do fundador têm funções relevantes no grupo – Ilson Júnior, por exemplo, foi vital na concretização do IPO. A operação, que está tendo boa demanda, é liderada pela XP Investimentos, com participação de um “quem é quem” do mercado financeiro: Bradesco BBI, BTG Pactual, Itaú BBA, BB Investimentos, Santander e Safra.
Dinheiro novo
A maior parte do dinheiro arrecadado com a abertura de capital será usada na abertura de lojas nos Estados onde hoje o Grupo Mateus já é forte: Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins – por enquanto, não há intenção de disputar outras regiões. Uma das prioridades serão os supermercados Camino. A visão do fundador é clara: é por meio dessa marca que ele pretende “cobrir” cidades de pequeno porte localizadas entre os polos regionais que já têm unidades de seu atacarejo.
Ao crescer, o Grupo Mateus não abandonou as boas ideias da origem. Parte de sua clientela ainda é atendida por vendedores que viajam tirando pedidos, que são entregues posteriormente pelos caminhões da rede. Mesmo com o IPO, a estratégia não deve ser abandonada. Embora muita coisa tenha mudado desde o início humilde em Balsas, algo permanece exatamente igual: Ilson Mateus não é homem de perder venda garantida.
Fernando Scheller, O Estado de S.Paulo