No pedido apresentado ao Superior
Tribunal de Justiça para abertura
da Operação Placebo nesta terça,
26, a Procuradoria-Geral da
República argumentou que há prova
robusta de fraudes nos processos
que levaram a contratação da
organização social Iabas para gerir
os hospitais de campanha no Rio,
‘tudo com anuência e comando da
cúpula do Executivo’
Segundo a Procuradoria-Geral da República, provas coletadas na investigação sobre desvios de recursos destinados ao combate da pandemia do novo coronavírus no Rio apontam que foi criada uma estrutura hierárquica no Poder Executivo do Estado, escalonada a partir do governador Wilson Witzel, que propiciou contratações sobre as quais pesam fortes indícios de fraudes. A indicação consta da decisão do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, que desencadeou a Operação Placebo nesta terça, 26. No âmbito da ofensiva, agentes realizaram buscas em endereços ligados ao governo do Rio e apreenderam celulares e computadores do chefe do Executivo fluminense.
Witzel considerou que a operação comprova a interferência do presidente Jair Bolsonaro no órgão. Em pronunciamento no Palácio Laranjeiras, sua residência oficial, ele chamou o presidente de fascista e disse que o senador Flávio Bolsonaro deveria estar preso.
Documento
Na representação enviada ao STJ, a Procuradoria argumentou que há prova robusta de fraudes nos processos que levaram a contratação da organização social Iabas para gerir os hospitais de campanha no Rio, ‘tudo com anuência e comando da cúpula do Executivo’. Para tanto, foram apresentados orçamentos fraudados para serviços de montagem e desmontagem de tendas, instalação de caixas d’água, geradores de energia e piso para a formação dos hospitais de campanha com o conhecimento do ex-secretario de Saúde Edmar Santos, diz o MPF.
Ainda segundo os procuradores, provas policiais dão conta que os demais orçamentos foram apresentados ao Estado para escamotear a fraude na licitação, ‘apresentando uma legalidade inexistente’.
Na avaliação da Procuradoria, ‘Witzel mantinha o comando das ações, auxiliado por sua esposa Helena, tendo seu secretário Edmar Santos delegado funções a Gabriell Neves criando-se estrutura hierárquica que deu suporte aos contratos supostamente fraudulentos, em cuja base figuram, no mínimo, os representantes da Corporate Eventas Brasil, da organização social IABAS e da empresa Clube de Produção’.
O Ministério Público Federal imputou a Witzel ‘indícios de participação ativa quanto ao conhecimento e comando das contratações realizadas com as empresas hora investigadas, esmo sem ter assinado diretamente os documentos, uma vez que sempre divulgou todas medidas em sua conta no Twitter’.
A representação foi elaborada com base na investigação conduzida pela PGR e ainda nas provas compartilhadas pelo Ministério Público do Estado e o Ministério Público Federal do Rio. A Procuradoria e a promotoria realizaram operações nas últimas semanas relacionadas ao desvio de recursos da Saúde do Estado. Uma delas, do MP Estadual, já havia prendido dois ex-subsecretários executivos da Saúde do governo Witzel por fraudes na compra de respiradores, que teriam sido superfaturados. Esse escândalo levou o governador a exonerar o ex-secretário de Saúde, Edmar Santos – que, porém, foi nomeado logo depois para comandar outra pasta, voltada para o acompanhamento de ações de combate à covid.
Entre as provas citada na decisão de Benedito está diálogo obtido na Operação Favorito – desdobramento da Lava Jato que prendeu no último dia 14, o empresário Mário Peixoto e o ex-deputado Paulo Mello – referente a ato de revogação da desqualificação da Organização Social Unir Saúde. “O zero 1 do palácio assinou aquela revogação da desclassificação da Unir”, afirmou o empresário Luiz Roberto Martins, aliado de Peixoto, em diálogo interceptado pela Lava Jato.
Segundo a PGR, a conversa é indicativo de possível ajuste ilícito entre Peixoto e Witzel, ‘vez que o governador deu provimento a recurso hierárquico apresentado pela OS e revogou portaria que desqualificava a entidade, sob o fundamento de conveniência e oportunidade, demonstrando forte probabilidade da existência de ajustes para desvio de dinheiro público’.
A Lava Jato do Rio já havia apontado no âmbito da Favorito indícios de participação ou influência de Mário Peixoto sobre a Organização Social IABAS, contratada pelo Estado do Rio de Janeiro implantação de hospitais de campanha para tratamento de pacientes contaminados pelo novo coronavírus.
Os investigadores da Favorito interceptaram mensagens do empresário Alessandro Duarte, apontado como principal operador de Peixoto, e de Juan Neves, apontado como contador do grupo criminoso, referentes ao dia seguinte à contratação do hospital. Os emails contém planilhas com números detalhados dos custos dos hospitais de campanha implantados pelo IABAS, arquivos detalhando o cronograma físico de implantação dos hospitais de campanha e documentos com custos detalhados de aquisição de equipamentos médicos e de serviços de infraestrutura.
COM A PALAVRA, O GOVERNADOR WILSON WITZEL
“Quero manifestar minha absoluta indignação com o ato de violência que, hoje, o estado democrático de direito sofreu. Uma busca e apreensão, e eu tenho todo o respeito ao ministro Benedito (Gonçalves), mas a narrativa que foi construída e levada ao ministro é absolutamente fantasiosa. Não vão conseguir colocar em mim o rótulo da corrupção. Todas as irregularidades foram investigadas e estão sendo investigadas por determinação minha. A busca e apreensão, além de ser desnecessária – porque o ministro foi induzido ao erro, fantasiosa a construção que se fez – não resultou em absolutamente em nada. Não foram encontrados valores, não foram encontradas joias. Se encontrou, foi apenas a tristeza de um homem, de uma mulher, pela violência com que este ato de perseguição política está se iniciando no nosso país.
O que aconteceu comigo vai acontecer com outros governadores considerados inimigos. Narrativas fantasiosas, investigações precipitadas. O mínimo de cuidado na investigação do processo penal levaria aos esclarecimentos necessários. Ao contrário do que se vê na família do presidente Bolsonaro, a Polícia Federal engaveta inquéritos, vaza informações. Senador Flávio Bolsonaro, com todas as provas que nós temos contra ele e estão aí sendo apresentadas: dinheiro em espécie depositado na conta corrente, lavagem de dinheiro, bens injustificáveis. Senador Flávio Bolsonaro deveria estar preso. Esse, sim. A Polícia Federal deveria fazer o seu trabalho com a mesma celeridade que passou a fazer aqui no Estado do Rio de Janeiro, porque o presidente acredita que eu estou perseguindo a família dele. E ele só tem essa alternativa de me perseguir politicamente.
Acusações levianas estão sendo feitas em relação a mim, mas tudo isso será absolutamente demonstrado de forma clara e precisa nos processos que tramitam no STJ, nessas investigações que tramitam no STJ. Estou com a minha consciência tranquila. Quero dizer ao povo do Rio de Janeiro: estou com a minha consciência tranquila. Eu prometi ao povo que não os decepcionarei e não vou decepcioná-lo, mesmo lutando contra forças muito superiores a mim. Continuarei trabalhando de cabeça erguida, manterei minha rotina de trabalho para continuar salvando vidas e corrigindo erros que todos nós estamos passíveis de sofrer diante deste momento tão difícil que o Brasil atravessa, governado por um líder que, além de ignorar o perigo pelo qual estamos passando, inicia perseguições políticas àqueles que ele considera inimigos. Não abaixarei a minha cabeça, não desistirei do Estado do Rio de Janeiro e continuarei trabalhando para uma democracia melhor. Continuarei lutando contra esse fascismo que está se instalando no nosso país, contra essa nova ditadura de perseguição. Até o último dos meus dias, não permitirei que, infelizmente, esse presidente, que eu ajudei a eleger, se torne mais um ditador na América Latina. Vamos lutar contra isso. Vou apresentar tudo o que for necessário para esclarecer, para acabar com esse circo que está sendo feito em relação ao Estado do Rio de Janeiro. A democracia vai vencer. Nós vamos lutar e eu tenho certeza de que a justiça vai ser feita em momento oportuno. Agradeço a todos vocês. Muito obrigado e boa tarde.”
Caio Sartori, Pepita Ortega e Fausto Macedo, O Estado de São Paulo