A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou abertura de consulta pública para regulamentar o decreto que permite um socorro bilionário ao setor elétrico. Conforme adiantou o Estadão/Broadcast, a operação terá um teto de R$ 15,432 bilhões.
O financiamento visa cobrir custos gerados pela crise da covid-19 no setor elétrico e evitar um reajuste médio imediato de cerca de 12% no meio da pandemia.
Desde o início da pandemia no País, medidas de isolamento social levaram a uma queda na demanda de energia de 10% a 12% nas primeiras semanas, algo que subiu para 12% a 15% nos últimos dias. Já o aumento do desemprego e a dificuldade para realizar pagamentos, com bancos trabalhando em horário reduzido, levaram a inadimplência para cerca de 12% – antes, ela se situava em torno de 3,5% a 4,0%.
Somados, esses dois efeitos têm afetado o caixa das distribuidoras, que funcionam como arrecadadoras no setor elétrico – cerca de 80% do que elas recebem é repassado para outros elos da cadeia, como transmissoras, geradoras e até mesmo para o próprio governo, por meio de impostos. Assim, dificuldades nas concessionárias de distribuição podem se tornar uma crise em toda a cadeia.
Aumentos tarifários deverão ocorrer no segundo semestre deste ano – ainda que menores, em torno de 5%. Isso porque o governo deixou claro, no decreto, que toda a energia comprada pelas distribuidoras e não utilizada pelos consumidores será coberta pelas tarifas. Isso poderá ser feito tanto em processos de reajustes anuais como em pedidos extraordinários.
O valor considera o cálculo individualizado por distribuidora e, portanto, poderá ser menor, conforme a adesão de cada empresa. A consulta pública será de apenas cinco dias, entre os dias 27 de maio e 1.º de junho.
Relatora do processo, a diretora Elisa Bastos Silva explicou que o teto de R$ 15,432 bilhões foi calculado com base nas estimativas para a redução de mercado, de R$ 4,863 bilhões; para a queda da arrecadação em razão da inadimplência, de R$ 8,828 bilhões; e do adiamento de despesas de grandes consumidores do Grupo A, de R$ 861,5 milhões. A esses valores, a Aneel somou ainda os efeitos das postergações de reajustes tarifários realizados entre abril e junho, de R$ 531,4 milhões, e de diferimentos reconhecidos ou revertidos e ainda não amortizados, de R$ 405,4 milhões.
Elisa ressaltou que a proposta apresentada diz respeito a aspectos financeiros do setor elétrico. Sobre o pedido de reequilíbrio dos contratos das distribuidoras em razão dos efeitos da pandemia, a diretora propôs que as áreas técnicas avaliem da agência os impactos econômicos em outro processo. Pela proposta da diretora, portanto, essa etapa será discutida em uma segunda fase, precedida de audiência pública e análise de impacto regulatório.
“Todo processo decisório que afetar direitos dos agentes econômicos do setor ou dos consumidores será precedido de consulta pública convocada pela Aneel”, afirmou a diretora. “Haja vista a necessidade de avaliações que não puderam ser feitas no curto espaço de tempo desde o advento do Decreto nº 10.350, publicado no último dia 18 de maio de 2020, entendo que é preciso abrir outra frente de trabalho para avaliação dos impactos da pandemia da covid-19 no equilíbrio econômico e financeiro dos contratos de concessão e permissão de distribuição de energia elétrica, a fim de subsidiar a segunda fase de consulta pública a ser, oportunamente, instaurada.”
Essa é uma demanda das concessionárias que poderia ensejar reajustes tarifários extraordinários. A possibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos foi incluída em decreto presidencial, de acordo com o regulamento em vigor. Segundo as normas da Aneel, cabe a cada empresa fazer pedidos individuais ao órgão regulador, além de provar a relação de causa e efeito entre a queda de despesas e a pandemia.
Ex-distribuidoras da Eletrobrás
Na discussão, o diretor Sandoval de Araújo Feitosa propôs que a operação inclua, também, um valor para aliviar as revisões tarifárias das distribuidoras que pertenciam à Eletrobrás e que foram privatizadas em 2018, no Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima e Piauí. O contrato dessas concessionárias previa uma revisão tarifária para reconhecer os investimentos nas tarifas. Desde 2013 essas empresas não passam por revisões, que são realizadas a cada cinco anos.
Segundo Feitosa, esse processo pode levar a aumentos tarifários de dois dígitos nesses Estados, estimados em 17% a 23%. Ele propôs que uma parte dessa despesa, de cerca de R$ 700 milhões, seja incluída na conta-covid, o que poderia reduzir os aumentos tarifários dessas regiões em 10 pontos porcentuais. A distribuidora de Alagoas, que também pertencia à Eletrobras, já teve pedido de reajuste tarifário extraordinário aprovado pela Aneel.
“Olhando para tais fundamentos, por que razão deixaríamos de utilizar a conta-Covid para postergar impactos tarifários nesses Estados, antecipando a remuneração do capital próprio e a quota de reintegração regulatória?”, questionou.
“Assim, temos uma grande oportunidade para evitar vultosos impactos tarifários no ano de 2020, em uma situação sui generis quando o custo de capital da operação será certamente inferior à remuneração de capital reconhecida nos processos de revisão tarifária. Pela primeira vez, estamos observando a taxa básica de juros, em termos reais, próxima de zero.”
O diretor Efrain Pereira da Cruz concordou com a proposta de Feitosa. Ele ressaltou que as distribuidoras do Acre e de Rondônia teriam reajustes superiores a 20%. Para ele, seria insensibilidade de agência não discutir essa questão durante a consulta pública do empréstimo.
Cruz disse ainda que a Aneel vai fiscalizar o empréstimo de forma que cada um pague sua parcela da conta, conforme o benefício auferido, incluindo as próprias empresas. O objetivo é que os custos não recaiam unicamente sobre os consumidores finais. “Quem usufruir do dinheiro do adiantamento pagará a conta. É uma solução de mercado e não tem dinheiro do governo”, afirmou.
Com as discussões, Elisa acatou a proposta de Feitosa em seu voto, o que permite que o tema seja discutido durante a consulta pública.
O diretor-geral da Aneel, André Pepitone, ressaltou que o financiamento vai ajudar a conter despesas que iriam onerar excessivamente o consumidor neste ano. Um dos exemplos é a tarifa de Itaipu, que é cotada em dólar. Com a cotação a R$ 5,50, ele afirmou que o efeito da energia da usina binacional na conta de luz, sozinho, seria de uma alta de 5%. A operação vai diluir esse impacto ao longo dos próximos anos.
Anne Warth, O Estado de S.Paulo