Marcus Leoni/Folhapress | |
Sala de cinema do shopping Bourbon, em São Paulo Folha de São Paulo
Uma produtora de teatro amiga minha viu-se outro dia diante de uma situação não muito incomum em sua profissão. A menos de duas horas da estreia— e justamente na noite em que o espetáculo seria visto pelos patrocinadores e seus convidados —, foi informada de que o ator, ao se preparar para sair de casa, escorregara no banheiro, batera com o rosto no chão e estava todo inchado e cheio de pontos. E que o substituto ainda não estava suficientemente ensaiado. Detalhe: a peça era um monólogo, e o ator era tudo.
A estreia teve de ser cancelada, o que tornou ainda mais difícil a vida de uma produtora nesses tempos, que não são de hoje, em que tudo parece contribuir para manter os teatros vazios. Como esse tipo de imprevisto já lhe aconteceu mais de uma vez — e, por ser imprevisto, pode ocorrer até nos espetáculos mais à prova de erro –, ela adotou um antídoto contra o estresse.
Quando sente que seus nervos começam a se sacudir e a tremelicar, simplesmente vai ao... cinema.
Entra no mais próximo e não quer saber qual é o filme, o tema, o ator ou o diretor. Recosta-se na poltrona, tira os sapatos e, com um sorriso nos lábios, atura os comerciais, os trailers, o som em volume para surdos e o exército de mandíbulas mastigando pipoca ao seu redor — aliás, ela também está mastigando a sua pipoca. E então começa o filme. Ali ela sabe que nada, nadica, dará errado.
Nenhum ator vai faltar, mesmo que lhe tenha acabado de morrer a mãe. Ninguém vai cair no fosso. A luz não vai acabar. O cenário não vai desabar. A cortina não vai emperrar. O som não vai desprogramar. A corda do violão não vai quebrar.
O que tinha de dar errado já deu, e ela não tem nada com isso. É a sua vez de fechar os olhos e acreditar que, durante uma hora e meia, o mundo é perfeito, harmonioso e feliz.
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