sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Coaf liga pagamento de R$ 5,5 mi para empresa de Picciani à firma fantasma de ex-Odebrecht


Ana Clara Costa - Epoca

Órgão de inteligência da Fazenda viu triangulação financeira atípica, que envolveu também a GP Participações, empresa de Walter Faria, da cervejaria Petrópoli

O ministro Leonardo Picciani saiu de uma firma fantasma (Foto: Adriano Machado / Reuters)
Morta em 2002, a vaca premiada Bilara, da raça nelore, deixou um rebanho de descendentes que multiplicou o patrimônio da Agrobilara. A empresa pertence à família do ministro do Esporte, Leonardo Picciani, do PMDB do Rio de Janeiro. Nos últimos anos, os negócios da firma fizeram a soma do patrimônio dos sócios – além do ministro, seu pai, o deputado estadual Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Rio, e seu irmão Rafael Picciani, secretário municipal na prefeitura do Rio – duplicar para R$ 27 milhões entre as eleições de 2010 e 2014, de acordo com suas declarações à Justiça Eleitoral. A exuberância dos números chamou a atenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, órgão do Ministério da Fazenda. Ao olhar os números, o Coaf detectou movimentações consideradas atípicas – e suspeitas. Teria uma vaca tanto poder assim?
O relatório do órgão de inteligência, obtido por ÉPOCA, mostra uma triangulação financeira em torno de um depósito de R$ 5,5 milhões para os sócios de Picciani em 2012. Em setembro daquele ano, a Agrobilara expandiu seus negócios da criação de gado para a construção civil, com a compra da mineradora Tamoio, em parceria com o empresário Carlos Cesar da Costa Pereira, que já atuava no ramo de mineração. Um mês depois surgiu um terceiro sócio. O empresário Walter Faria, dono da cervejaria Petrópolis, comprou 20% de participação na Tamoio. No mesmo mês de outubro em que Faria concluiu a aquisição, o documento do Coaf revelou que tanto a Agrobilara quanto Pereira receberam R$ 5,5 milhões cada um da GP Participações, empresa de Walter Faria.
Mas, antes de chegar aos Piccianis e a Pereira, o dinheiro saiu de uma empresa chamada Turcon Engenharia e passou pela GP Participações. Em 16 de outubro, a Turcon fez uma transferência de R$ 36,5 milhões para a GP. No dia seguinte, a parte que cabia aos Piccianis e a Pereira foi despachada para suas respectivas contas no Banco do Brasil. O resto ficou com a GP Participações. Ocorre que a Turcon, na prática, não existe. Nada tem de empresa de engenharia, pois não possui registro no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) e não tem nenhuma obra catalogada. Fora criada apenas dois meses antes de fazer o repasse milionário, em agosto daquele mesmo ano, com capital social exatamente equivalente aos R$ 36,5 milhões transferidos à GP de Walter Faria. Seu endereço registrado na Junta Comercial, no bairro da Barra Funda, em São Paulo, remete a uma numeração inexistente. Seu principal acionista é uma empresa offshore aberta na Holanda chamada Turcon Consulting and Engineering. 
A Turcon reúne, assim, as características de uma empresa-fantasma. O criador da triangulação financeira, que assina como acionista da Turcon no Brasil, é José Américo Vieira Spinola. Por mais de 15 anos, ele trabalhou na área jurídica da Odebrecht no Brasil e em Angola e depois se tornou prestador de serviços jurídicos da empreiteira. Spinola tinha relação estreita com a família Odebrecht, especialmente o patriarca Emílio Odebrecht. Na década de 1990, disputas internas quase culminaram em sua demissão. A família Odebrecht, porém, decidiu por mandar Spinola para Angola – uma espécie de degredo dos executivos que conheciam os meandros da empresa e não podiam ser simplesmente descartados. De volta da África, Spinola abriu a própria consultoria, especializada em intermediar negócios com governos locais. Seu escritório é parada certa para empresas interessadas em vender para a Odebrecht em operações no continente.
OPERAÇÃO Trecho de relatório  de investigação (acima)  e o ministro Leonardo Picciani (abaixo). O dinheiro para a empresa da família saiu de uma firma-fantasma (Foto: Reprodução)
A Odebrecht é um ponto comum da história da Tamoio, da Agrobilara e de Walter Faria. A aquisição total da mineradora pelo grupo liderado pelos Piccianis ocorreu em sincronia com a conclusão das licitações para a construção do Parque Olímpico do Rio e da Transolímpica, em 2012, vencidas por consórcios liderados pela empreiteira baiana. A Tamoio se transformou em uma das principais fornecedoras de brita dos dois consórcios. Walter Faria é citado por delatores da Operação Lava Jato, inclusive o lobista Fernando Baiano, como um dos responsáveis por repassar dinheiro da Odebrecht a políticos. Segundo Baiano, quando não queria aparecer, a Odebrecht se servia de empresas do grupo GP para fazer doações eleitorais – conforme sugerem planilhas apreendidas pela Polícia Federal com executivos da empreiteira na Lava Jato. As dezenas de delações de executivos da Odebrecht, no entanto, estão prestes a revelar os detalhes privados dos negócios da empreiteira com políticos.
Além da Odebrecht, outra empreiteira mencionada na Lava Jato tem boas relações com a Agrobilara. Em acordo de leniência fechado com o Ministério Público Federal, a funcionária da Carioca Engenharia Tânia Fontenelle disse aos procuradores que a construtora comprou gado superfaturado da Agrobilara, com a intenção de abastecer caixa dois de partidos políticos. Até agora, no caso dos Piccianis, as relações com a Odebrecht têm se limitado, na esfera pública, aos leilões de nelore pelo país. Tanto a Agrobilara quanto o conglomerado baiano integram o grupo restrito de castas criadoras desse tipo de gado. As dezenas de delações de executivos da Odebrecht, no entanto, estão prestes a revelar os detalhes privados dos negócios da empreiteira com políticos.
A Agrobilara afirmou, por meio de sua assessoria, que desconhece a existência da Turcon e que jamais teve contato com seu controlador. Disse ainda que “o grupo GP é um dos maiores grupos empresariais do Brasil e não faria nenhum sentido questionar a origem dos recursos de uma transação que levou meses para ser concluída”. Walter Faria afirmou que as operações financeiras “fazem parte de venda e compra de participações societárias realizadas de acordo com a legislação vigente e devidamente registradas nos órgãos competentes”. Tanto a Odebrecht quanto Spinola não responderam ao pedido de informação até o fechamento da reportagem.