sexta-feira, 18 de setembro de 2015

"Sim, Dilma pode!", por Reinaldo Azevedo

Folha de São Paulo


Descobri que o governo Dilma não desafia apenas a minha inteligência –ou falta dela, segundo alguns desafetos de estimação. Sim, é razoável, pensando o que penso, que veja com maus olhos boa parte das ações da presidente. Queremos coisas distintas. Imaginamos formas diferentes de atender aos anseios dos brasileiros. Divergimos sobre o papel do Estado na economia. Eu me quero, ainda que certamente imperfeito, um liberal. Dilma é sei lá o quê. Talvez ainda se diga socialista. Estamos em campos ideológicos opostos. Não que eu me proíba de eventualmente concordar com ela quando julgo ser o caso. Isso até já aconteceu.

Acontece que a presidente desafia também a inteligência de seus aliados e, o que é pior, até daqueles que demonstram alguma boa vontade com ela, ainda que movidos apenas pelo espírito solidário. Todos concordamos, acho, que não fazia sentido enviar ao Congresso um Orçamento
com um deficit de R$ 30,5 bilhões –até porque, insisto, trata-se de uma ilegalidade. Agride a espinha dorsal da Lei de Responsabilidade Fiscal. Se, nos itens componentes de um Orçamento, não pode
existir despesa sem que se aponte a receita, o principio se transfere para o conjunto. É elementar.

E que sentido, faz, então, propor um confisco de 30% dos recursos do chamado "Sistema S", ainda que se possa alegar que, na origem, trata-se de dinheiro público, sem nem manter uma conversa prévia com Armando Monteiro, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior? O homem é ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria, uma das áreas diretamente afetadas pela medida.

A presidente também se encontrou com Eduardo Cunha (PMDB-RJ) antes do anúncio do pacote, que prevê que R$ 4,8 bilhões relativos a emendas individuais dos parlamentares sejam direcionados para obras do PAC para compensar cortes feitos no programa. A proposta deixou furiosos deputados e senadores. Muito bem! Dilma não tratou do assunto com o presidente da Câmara, que ficou sabendo de tal pretensão, da qual ela já recuou, quando Joaquim Levy e Nelson Barbosa concederam a entrevista coletiva.

Com a CPMF, a trapalhada não foi menor. Primeiro houve o anúncio de que se iria recriar tal imposto; depois, vieram as negativas. Em seguida, a confissão. E já não mais era dinheiro para a saúde, mas para a Previdência. Uma proposta que depende do Congresso chega na hora em que o prestígio da petista nas duas Casas legislativas vive o seu pior momento.

Nas suas andanças e entrevistas, Dilma decidiu atrair abertamente o debate sobre a possibilidade de impeachment para a sua cozinha. É evidente que, quaisquer que fossem os argumentos oficiais contra a tese –mesmo a boçalidade de que se trata de um golpe–, eles não poderiam jamais ser esgrimidos pela própria presidente. Afinal, ela tem 9.753 coordenadores políticos.

É claro que o país vive uma situação econômica muito difícil. Não é menos evidente que a crise política está às portas, vitaminada pela crise econômica, que, por sua vez, é agravada pela crise política, num ciclo infernal.

Mas, creiam: a intranquilidade que toma conta dos agentes políticos e econômicos não decorre daí. Já vivemos situações até mais graves. O que assusta é a sensação de que, a qualquer momento, Dilma pode fazer algo inédito e ruim.

E ela pode.