terça-feira, 29 de setembro de 2015

Barcelona na contramão da própria história na Catalunha. Clube se afasta dos separatistas...


Manifestação separatista em Barcelona, na Catalunha: clube fica em cima do muro - QUIQUE GARCIA / AFP


Bernardo Mello - Folha de São Paulo



A mistura sempre volátil entre futebol e política na Espanha entrou em ebulição com a vitória da coalização separatista “Junts por el Sí” nas eleições parlamentares da Catalunha, no domingo. Enquanto ídolos catalães do esporte, como Pep Guardiola e Piqué, se posicionam a favor da independência, políticos conservadores da Espanha pedem a exclusão do clube do Campeonato Espanhol. Javier Tebas, presidente da Liga de Fútbol Profissional (LFP) e com passado de militância no partido de extrema direita “Fuerza Nueva”, chegou a indicar que não seria legalmente possível manter o Barça na primeira divisão espanhola.

Em cima do muro, curiosamente, está o próprio Barcelona. Símbolo do nacionalismo catalão, o clube evita se posicionar abertamente porque tem mais a perder do que a ganhar com um eventual racha.

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— Tentou-se fazer uma campanha do medo. A verdade é que nem a diretoria do clube, nem a Federação Espanhola querem o Barcelona fora do Campeonato Espanhol — avalia Joaquim Piera, jornalista do diário catalão Sport. — Quando houver a independência da Catalunha, haverá uma negociação. Os times do principado de Andorra jogam competições espanholas. O Barça deve ficar de fora, no máximo, da Copa do Rei.

Nesta temporada, a Barcelona receberá R$ 630,5 milhões em cota de televisão para jogar o Campeonato Espanhol, mais até do que faturou na última Liga dos Campeões da Europa (R$ 260,7 milhões). É difícil acreditar que o clube receberia algo parecido em um Campeonato da Catalunha, que tem só dois times — Barça e Espanyol — na primeira divisão espanhola. Somando as três principais divisões do futebol espanhol, a Catalunha conta com apenas 15 times.

A Federação Espanhola também não tem a ganhar sem o Barça. Os clássicos contra o Real Madrid, assistidos por meio bilhão de pessoas em todo o mundo, são a principal vitrine do futebol espanhol no exterior. A seleção também depende da Catalunha: dos 11 titulares da Espanha contra a Eslováquia, em jogo no início deste mês, cinco foram revelados pelo Barcelona.

— Se o Barcelona continuará na Liga Espanhola é uma questão que precisará ser resolvida. (O rompimento) Não seria bom para o Barcelona, tampouco para a Liga Espanhola — resumiu Guardiola, multicampeão como jogador e treinador no Barça, e atualmente no Bayern de Munique.


Catalães exibem faixa separatista no Camp Nou, em 2009: 'Catalunha não é Espanha' - Jasper Juinen / Agência O Globo

SÍMBOLO DO NACIONALISMO CATALÃO

Foi na ditadura do general Francisco Franco, na década de 1930, que o Barcelona despontou como válvula de escape para o nacionalismo catalão. A obrigatoriedade do castelhano na ditadura interferiu até no nome do clube: de Fútbol Club Barcelona virou Club de Fútbol Barcelona. Nem sempre os impactos da política no futebol eram tão sutis. Em 1936, o Barcelona viu seu presidente Josep Sunyol ser fuzilado por forças franquistas.

— Desde a ditadura de Franco, que favorecia o Real Madrid, o Barcelona é muito castigado por arbitragens. O Barça muitas vezes é tratado como um time estrangeiro no futebol espanhol — critica Piera.

Fotografia de arquivo de Francisco Franco, ditador espanhol - Agência O Globo


O fim do franquismo, no início da década de 1970, deixou o Barcelona livre para expressar sua identidade catalã e coincidiu com uma retomada das glórias dentro de campo. Nesta época, surgiu o lema “mais que um clube”. A dimensão política seguiu fervilhando até a gestão de Joan Laporta, na primeira década dos anos 2000. Responsável pela vinda de nomes como Eto’o e Ronaldinho, Laporta elegeu-se para o parlamento da Catalunha em 2010 pela “Solidariedade Catalã pela Independência”, partido que prega a separação da Espanha.

Nos últimos anos, contudo, a tradição perdeu espaço. Na gestão de Sandro Rosell, em 2011, o Barcelona estampou pela primeira vez um patrocínio na camisa. Em 2015, com Josep Maria Bartomeu, o clube ignorou seu estatuto e inovou com listras horizontais no uniforme, abandonando o desenho vertical. Antes das eleições parlamentares, Bartomeu rejeitou o papel político do clube.

— O Barça demonstrou que está fora da campanha eleitoral. Sempre falamos de esporte, não fazemos campanha. Entendo que os políticos tenham que fazer isso, mas o Barça se mostra neutro — afirmou Bartomeu.