terça-feira, 29 de setembro de 2015

Diretor não quer só a cópia digital, diz Martin Scorsese

Guilherme Genestreti - Folha de São Paulo


O diretor Martin Scorsese, 72, será uma espécie de homenageado indireto da 39ª Mostra de Cinema de São Paulo, que começa em 22 de outubro.

Mas não conte com retrospectiva de longas como "Taxi Driver", "Touro Indomável" ou "Os Bons Companheiros". O festival paulistano presta homenagem ao lado restaurador desse cineasta lendário, que em 1990 criou a Film Foundation, entidade que preserva filmes antigos.

A Mostra exibe 24 das mais de 700 obras restauradas pela instituição, entre elas "Como Era Verde o Meu Vale" (1941), de John Ford, e "Rashomon" (1950), de Akira Kurosawa.

Em entrevista à Folha, por e-mail, Scorsese faz um balanço dos 25 anos da organização que capitaneia ao lado de nomes como Steven Spielberg, Woody Allen e Francis Ford Coppola. Para ele, a revolução que substituiu as cópias em película no cinema traz uma dúvida: será que filmes capturados digitalmente poderão ser projetados no futuro, como as versões em 35 mm?

O cineasta também comentou o convite que recebeu para desenhar o pôster da Mostra. Para o cartaz, usou um storyboard de seu próximo filme, "Silence", previsto para 2016, sobre jesuítas portugueses perseguidos no Japão do século 17. Questionado sobre detalhes desse longa e aspectos de sua carreira, o diretor se manteve em silêncio.

Todd Heisler/The New York Times
Martin Scorsese, the legendary film director, in New York, on Jan. 26, 2010. (Todd Heisler/The New York Times) -- STANDALONE FOR USE AS DESIRED WITH YEAREND STORIES -- ORG XMIT: XNYT393 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O diretor Martin Scorsese, criador da Film Foundation
*

Folha - O que descreve o storyboard de "Silence" que você selecionou upara criar o cartaz Mostra de São Paulo?
Martin Scorsese - O storyboard descreve uma cena crucial no filme e eu pensei que os desenhos funcionariam bem para o pôster. Tive a honra de ser convidado para isso.

Na sua opinião, a Film Foundation foi capaz de realizar o seu propósito?
Há agora uma consciência disseminada sobre a importância do cinema e da preservação. E com a transição da película para o digital, há uma noção de que o filme é precioso.

Por quê?
Os cineastas não querem perder o filme como um meio e só ter a opção digital. Manter os filmes é absolutamente essencial na preservação deles. Sabemos que os filmes de mais de cem anos atrás ainda podem ser projetados. Seremos capazes de exibir um filme capturado digitalmente em 10 anos? Infelizmente não sabemos a resposta para essa pergunta. Ainda há muito trabalho a fazer para garantir que o trabalho criativo dos cineastas seja preservado para o futuro.

A Mostra planeja sessões especiais para exibir alguns desses filmes. Em sua opinião, qual é a importância de que novos públicos vejam esses clássicos na tela grande?
Gosto de pensar que não há algo coisa como filmes "antigos", mas filmes que alguns podem ainda não ter visto. Um filme é novo para uma plateia se eles nunca o viu antes. E a melhor maneira de vivenciar esse filme é pela forma como ele foi originalmente concebido para ser visto -na tela grande, com a melhor qualidade de imagem e compartilhado com o público. A missão da Film Foundation é restaurar e preservar filmes –e já ajudou a salvar mais de 700 até agora. De igual importância é ter certeza de que esses filmes estão disponíveis para ser vistos pelo público. Todos os anos, centenas de exibições de filmes restaurados com financiamento da fundação são exibidos em locais em todo o mundo, em museus e festivais como esta apresentação emocionante em São Paulo.

Como é a escolha dos filmes que serão preservados?
A fundação ajuda a restaurar, em média, de 20 a 30 filmes por ano, trabalhando em parceria com arquivos de filmes de todo o mundo. Os projetos são propostos anualmente com base na necessidade mais urgente. Priorizar projetos é difícil, pois há muito mais do que podemos financiar. Ao decidir quais os filmes a restaurar, consideramos significado cultural e histórico, a condição física dos elementos e se eles são raros. Nós sempre tentamos trabalhar a partir dos negativos originais da câmera.

Você está envolvido na preservação de que filmes agora?
Atualmente, estamos trabalhando em vários projetos exclusivos, incluindo restaurar o corte original do diretor de "The Road Back" (1937), de James Whale, que tinha sido considerado um filme perdido por muitos; o documentário de quatro horas e meia "The Memory of Justice" (1976), de Marcel Ophüls "; e o drama mudo raramente visto "Rosita" (1923), de Ernst Lubitsch, estrelado por Mary Pickford. Estou pessoalmente envolvido em todas essas restaurações. Considero um privilégio ser capaz de ajudar a garantir que estes tesouros sejam restaurados e guardados para as gerações futuras.

O Brasil tem um filme restaurado pela fundação, "Limite" (1931), de Mário Peixoto. Por que decidiu preservar esse filme em particular?
"Limite" nunca foi lançado comercialmente e foi raramente visto no Brasil ou em qualquer outro lugar. Ao longo dos anos, alcançou uma espécie de status de lenda, especialmente por ter sido o único concluído pelo diretor Mário Peixoto, que tinha 21 anos quando o filme foi feito, em 1931. Tecnicamente inovador, de um expressionismo cheio de imaginação, profundamente poética ainda emocionalmente delicado, o filme é uma obra surpreendentemente madura e provocante, um feito verdadeiramente notável. Walter Salles tem sido um grande entusiasta deste filme e trabalhou durante anos em sua restauração, colaborando com Arquivo Mario Peixoto e seu curador, Saulo Pereira de Mello, bem como Carlos Magalhães e Patrícia de Filippi na Cinemateca Brasileira.

Há planos de restaurar outros brasileiros?
O Projeto Cinema Mundial [responsável pela restauração de títulos de todo o mundo], juntamente com Cineteca di Bologna e L'Immagine Ritrovata foi capaz de ajudar a garantir que esta obra-prima do cinema brasileiro ["Limite"] tivesse a preservação que merece. Esperamos ajudar mais filmes brasileiros.

Destaques da Mostra