segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Cessão onerosa: o que é e o que está em jogo no megaleilão do pré-sal

Governo prevê arrecadar até 

R$ 106,5 bilhões e irá dividir parte 

dos recursos com Petrobras, estados

e municípios. Entenda como será 

dividido os recursos e a importância

do leilão em 8 pontos


O megaleilão do excedente da cessão onerosa, marcado para esta 
quarta-feira (6), foi anunciado pelo governo como o maior leilão de 
óleo e gás já feito no mundo em termos de potencial de exploração
 de petróleo e de arrecadação.

A importância do leilão se deve não só aos bilhões de reais envolvidos
 e à quantidade gigantesca de reservas de petróleo que estão sendo
 oferecidas, mas também ao alívio que esse dinheiro extra poderá 
trazer para os cofres do governo federal, dos estados e dos municípios.

O governo espera arrecadar R$ 106,5 bilhões com a oferta de quatro
 áreas do pré-sal, na Bacia de Santos. Se todos os blocos forem 
arrematados, será o maior valor já arrecadado em uma rodada de
 licitações de petróleo no país e também no mundo em termos de 
pagamento de bônus de assinatura (o valor que as empresas pagam
 pelo direito de exploração).

Até agora, a maior arrecadação com um leilão na área de petróleo no
Natural e Biocombustíveis (ANP), realizada em 10 de outubro, que
 garantiu à União R$ 8,915 bilhões.

No megaleilão desta quarta, serão definidas as empresas que vão 
retirar óleo de reservas do pré-sal chamadas de excedente da cessão
 onerosa. Recebem esse nome porque o petróleo dessas reservas 
excede os 5 bilhões de barris garantidos pelo governo à Petrobras na 
operação da cessão onerosa, realizada em 2010.

Prontas para explorar



Analistas comparam o leilão do excedente cessão onerosa a uma 
operação de aquisição de uma petroleira de médio porte, pelo valor 
elevado e porque o que está sendo ofertado são reservas de petróleo
 já conhecidas e prontas para serem exploradas.

Os blocos são únicos, uma vez que a Petrobras já realizou trabalhos
 de desenvolvimento na área, e já se sabe que há bilhões de barris
 de petróleo a serem extraídos, reduzindo o chamado risco exploratório
 – o risco de não encontrar petróleo na área ou de encontrar muito 
pouco.

A ANP estima que existam entre 6 bilhões e 15 bilhões de barris de 
óleo equivalente excedente na área – praticamente o triplo dos 
5 bilhões de barris originais concedidos na área à Petrobras em 2010.

Veja abaixo 8 pontos para entender a cessão onerosa, como 
serão divididos os recursos do leilão e o impacto esperado 
para a economia.

1) O que é cessão onerosa?


"Cessão onerosa" é o nome que foi dado ao contrato de exploração
 de petróleo em uma área do pré-sal, na região marítima da Bacia 
de Santos, em 2010.

Por lei, todo o petróleo que existe no subsolo
 é da União. Em 2010, o governo cedeu à 
Petrobras o direito de produzir 5 bilhões de
 barris em áreas do pré-sal. No entanto, mais
 tarde descobriu-se que a área tinha até o triplo
 desse volume a ser explorado. Esse petróleo
 "extra" é o que está sendo leiloado agora pela
 ANP, na chamada Rodada de Licitações dos 

Volumes Excedentes da Cessão Onerosa.

A cessão onerosa foi assinada como parte do processo de 
capitalização da Petrobras, quando a empresa levantou cerca de 
R$ 120 bilhões, em 2010. À época, a empresa colocou novas ações
 à venda, para fortalecer seu caixa. O governo federal comprou parte
 dessas ações com a cessão onerosa – em troca das ações e de 
mais uma parcela em dinheiro, o governo deu à Petrobras o 

O contrato, firmado antes da criação da lei de partilha do pré-sal, previa
 a revisão dos termos quando os campos fossem declarados 
comercialmente viáveis (ou seja, que valeria a pena produzir petróleo 
a partir desses campos), levando em consideração mudanças nos 
preços do petróleo, custos de produção e outras variáveis.

Essa viabilidade foi declarada em 2013 e 2014 e, desde então, a 
Petrobras passou a reivindicar uma revisão dos termos do contrato. 
As negociações começaram ainda no governo de Michel Temer e, 
até pouco tempo atrás, havia dúvidas se a estatal seria credora 
(por conta dos investimentos já feitos na área) ou devedora do 
governo.

menos US$ 9 bilhões para resolver a disputa sobre a revisão 
do contrato da cessão onerosa, abrindo caminho para o megaleilão. 

2) Quais são as áreas que serão leiloadas?


No megaleilão serão ofertadas as áreas de Atapu, Búzios, ltapu e 
Sépia, no pré-sal. Os quatro blocos estão na Bacia de Santos, mas 
em frente ao litoral fluminense:

  • Atapu
  • Búzios
  • ltapu
  • Sépia

A área da cessão onerosa – que inclui a parte da Petrobras e a que
 será leiloada – é uma zona de aproximadamente 2,8 mil km² ao largo
 da costa sudeste do Brasil, situada entre 175 km e 375 km ao sul da
 cidade do Rio de Janeiro (veja no mapa mais abaixo). A área total 
dos quatro campos ofertados no leilão é de 1.385 km².

A maior área é a de Búzios, com 852,21 km², e com a maior 
concentração de petróleo. "A grande expectativa é em relação ao
 leilão de Búzios, que representa cerca de 70% de tudo", disse ao 
G1 o diretor-geral da ANP, Décio Oddone. Ele afirma, porém, que 
não dá para ter certeza de que todas as áreas serão arrematadas.

A Petrobras já mantém plataformas na área da cessão onerosa e 
manifestou interesse em manter o direito de preferência nos campos
 de Búzios e Itapu no leilão. O campo de Búzios já é o segundo maior
 em produção de petróleo no Brasil.

Até agora, a Petrobras extraiu 120,9 milhões de barris na região, 
o equivalente a apenas 2,42% dos 5 bilhões de barris a que tem
 direito, segundo dados da ANP.

Em setembro, a produção na área da cessão onerosa foi de 478 mil
 barris de petróleo e gás por dia. A ANP estima um pico de produção
 de 1,2 milhão de barris diários na área após o leilão.

3) Por que o leilão é considerado o maior do mundo?



O que torna este leilão tão atípico e atrativo é o fato de que agora,
 diferentemente das rodadas anteriores da ANP, o risco do negócio é 
muito mais baixo, uma vez que os reservatórios de petróleo já foram 
descobertos.

"A entrada em produção desses campos é mais rápida que em um 
campo convencional. Os valores se explicam porque não tem risco, 
já foi descoberto o petróleo. Nos leilões convencionais o que se paga
 é um direito de exploração, correndo o risco de não achar. Nesse 
caso, é uma venda de reservas", afirma Oddone, o diretor-geral da 
ANP.


Diferença entre leilão de blocos exploratórios e leilão do excedente da cessão onerosa — Foto: Betta Jaworski/G1Diferença entre leilão de blocos exploratórios e leilão do excedente da cessão onerosa — Foto: Betta Jaworski/G1
Diferença entre leilão de blocos exploratórios e leilão do excedente da cessão onerosa — Foto: Betta Jaworski/G1


Para o secretário executivo do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), Antonio Guimarães, a grande quantidade de 
reservas já descobertas explica o preço alto fixado para o leilão.

“O Brasil está vendendo blocos exploratórios já descobertos. Isso tem outro valor e vai ter um 
impacto mais rápido na economia. É isso que 
torna o leilão tão caro e tão especial. Não existe,
 na história recente, um leilão que tivesse 
vendido 10 milhões de barris de petróleo já descobertos”, afirma Guimarães.

Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o megaleilão
 do excedente da cessão onerosa será o maior já realizado no mundo
 em termos de valor de arrecadação de bônus de assinatura – o valor
 pago pelas empresas pelo direito de explorar a área.

Levantamento da consultoria mostra que, nas rodadas de licitação 
mais bem-sucedidas dos últimos 12 meses em países como 
Canadá, Estados Unidos e México, a arrecadação em cada um 
dos leilões não chegou sequer a ultrapassar o valor de US$ 1 bilhão.
 Nos EUA, por exemplo, nas ofertas de áreas terrestres em 2018 na 
Bacia Permiana, a arrecadação foi de US$ 972 milhões.

Segundo Adriano Pires, sócio-diretor do CBIE, outro atrativo do 
megaleilão é a elevada produtividade atual nas áreas do pré-sal. 
Ele destaca que o campo de Búzios já é o seguindo maior em 
produção de petróleo no Brasil. "Os poços do pré-sal talvez sejam
 hoje os mais produtivos do mundo no mar. É um leilão único e uma 
coroação para o pré-sal brasileiro", afirma.

Ele pondera, entretanto, que o alto valor de bônus fixado pelo governo
 se explica também pela atual crise fiscal e pela decisão do governo 
de usar a arrecadação do leilão para reduzir o tamanho do rombo nas
 contas públicas.

"Quando se coloca um bônus de assinatura muito alto, se está 
trazendo a valor presente um recurso que poderia pegar mais lá na 
frente. Esse dinheiro vai ser usado para resolver um buraco fiscal, 
quando o mais bacana seria usar para investimentos", avalia 
Adriano Pires.

4) Como o dinheiro será dividido?


Um projeto aprovado pelo Congresso Nacional assegura a 
arrecadação do leilão será dividido entre União, estados e municípios.

Uma parte dos recursos será paga ainda em 2019 (R$ 70,7 bilhões)
 e o restante em 2020 (R$ 35,8 bilhões).

Conforme a lei que definiu as regras, os recursos serão divididos
 da seguinte maneira:

R$ 34,6 bilhões para a Petrobras (ainda em 2019)

15%: estados e Distrito Federal (R$ 10,8 bilhões)

15%: municípios (R$ 10,8 bilhões)

3%: estado do Rio de Janeiro, onde estão as jazidas (R$ 2,16 bilhões)

R$ 48,14 bilhões para a União (R$ 12,3 bilhões em 2019 e R$ 35,8
 bilhões em 2020)

O texto aprovado pelo Congresso assegura também que, do total 
previsto para ser destinado aos estados e municípios, R$ 5,9 bilhões
 sejam encaminhados ainda em 2019. O restante do valor previsto
 (R$ 15,7 bilhões) ainda será analisado pelo Congresso, em outro
 projeto a ser enviado pelo governo.

O dinheiro que vai para estados e municípios precisa ser usado para
 pagar dívidas com Previdência ou investimentos.


5) Como funcionará o Leilão

As regras do leilão são as mesmas das demais rodadas sob o regime
 de partilha. Nesta modalidade, o bônus de assinatura é fixo. Vence 
a empresa ou o consórcio que apresentar o maior percentual do 
excedente em óleo para a União.

Esse chamado "excedente" é diferente do "excedente da cessão 
onerosa", que é o que está sendo leiloado.

No caso das empresas, "excedente" é o óleo que "sobra" depois que
 a petroleira descontar o que será usado para pagar o custo de 
produção e os royalties – ou seja, o óleo que ela vai "lucrar". Vence,
 portanto, a empresa que oferecer a maior parcela desse "lucro" ao
 governo. As ofertas mínimas do percentual foram fixadas em 23,24% 
para Búzios, 27,88% para Sépia, 26,23% para Atapu e 18,15% para
 Itapu.

A Petrobras já exerceu direitos de preferência para operar em Búzios 
e Itapu. Por isso, terá uma participação mínima de 30% nessas áreas.
 A empresa mantém os direitos de operar em toda a área da cessão 
onerosa, segundo o acordo de 2010.

a britânica BP, a francesa Total, as americanas Chevron e ExxonMobil, 
as chinesas CNODC e CNOOC, a colombiana Ecopetrol, a 
norueguesa Equinor, a portuguesa Petrogal, a malaia Petronas, a QPI, 
do Catar, a anglo-holandesa Shell e a alemã Wintershall Dea.

No entanto, duas dessas empresas, a BP e a Total, anunciaram às

A Repsol Sinopec Brasil, que ficou de fora do grupo de empresas 
 leilão. O CEO de outra empresa que não entrou para a lista, a Galp
 Energia, unidade da portuguesa Petrogal, disse que termos do leilão 
tornaram "bastante difícil" a participação.

O contrato original da cessão onerosa permitia a Petrobras explorar 
um máximo de 5 bilhões de barris. Agora, o consórcio vencedor vai 
poder explorar sem limites.

6) Compensação para a Petrobras


O Congresso Nacional aprovou no dia 23 de outubro projeto que 
do contrato.

A Petrobras também terá direito a receber valores adicionais dos 
vencedores do leilão, uma vez que essas empresas também terão
 de fazer acordos de coparticipação com a estatal, que irá dividir parte 
do volume já em produção com os novos ingressantes nas áreas.

"Quem vencer o leilão vai ter que fazer um 
acordo para ficar sócio da Petrobras no que
 ela já tem. A empresa passará a ser sócia de
 uma parte da produção que já é feita hoje e 
com isso tem que compensar a Petrobras 
pelos investimentos feitos antes do leilão", 
explica Oddone, o diretor-geral da ANP.

O IBP estima que o ressarcimento fique entre R$ 100 bilhões e 
R$ 120 bilhões.

7) Impactos na produção de petróleo


As empresas terão de fazer investimentos pesados para poder retirar
 o petróleo das reservas. O diretor-geral da ANP estima investimentos 
de mais de R$ 1,5 trilhão no setor de óleo e gás "nos próximos dez
 anos".

O IBP estima que, considerando toda a cessão onerosa (incluindo
 portanto o excedente), os investimentos em exploração, perfuração
 e produção possam somar cerca de US$ 135 bilhões até 2030 
(cerca de R$ 540 milhões na cotação atual), com o pico de 
US$ 18 bilhões sendo atingido em 2025.

A estimativa de produção nas quatro áreas é de um pico 1,2 milhão
 de barris diários, segundo a ANP. A produção total de petróleo do

Com o aumento da produção de petróleo no Brasil, o governo prevê
 entrar num prazo de dez anos no clube dos cinco maiores produtores
 de petróleo do mundo. Hoje, está na 10ª posição.



8) Impactos na economia

O ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê que com as receitas
 extraordinárias dos leilões de petróleo o déficit primário da União 
fechará o ano em R$ 80 bilhões, bem abaixo da meta fiscal proposta
 pelo governo e aprovada pelo Congresso Nacional, de R$ 139 bilhões.

Caso a previsão se confirme, será o menor déficit desde 2014, quando
 o rombo das contas públicas da União ficou em R$ 23,5 bilhões.

A exploração de petróleo nas áreas leiloadas também deverá aumentar
 a arrecadação com royalties e impostos nos próximos anos. A ANP
 prevê que o valor repassado pelas petroleiras ao governo também
 poderá mais que dobrar na próxima década, subindo dos atuais cerca
 de R$ 60 bilhões por ano para cerca de R$ 70 bilhões a partir de 2024,
 chegando a R$ 300 bilhões até 2030.

O IBP projeta um crescimento na criação de postos de trabalho, com 
um pico de 388 mil novas vagas em 2025.

Além dos impactos no volume de investimentos e na geração de 
 perspectiva de ingresso bilhões de dólares no país para pagar os 
bônus de assinatura, com possível impacto no câmbio, uma vez que
 quanto mais dólar houver no mercado interno, mais ele tende a se 
desvalorizar em relação à moeda local.

Darlan Alvarenga, Karina Trevizan e Luísa Melo, G1