quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

"Globalização pressiona Embraer a decidir seu destino", editorial O Globo

Para ser um caso de sucesso no mundo, a empresa teve de ser privatizada, e, agora, a proposta de associação com a Boeing abre espaço para um novo avanço


A confirmação de que a Airbus comprara, da canadense Bombardier, a linha de jatos comerciais de médio porte C-Series, feita há dois meses, atiçou especulações sobre qual seria o passo que daria a Embraer, líder mundial neste segmento, de aviões de 70 a 146 lugares — liderança, porém, que não durará muito tempo, se a empresa brasileira nada fizer.


A pedra que a Embraer mexeu neste tabuleiro de feroz competição é poderosa: associação com a Boeing, a única concorrente da Airbus, forte consórcio europeu, no mercado de aeronaves de longo alcance e tradicional fabricante de equipamento militar.

Chegava a ser evidente esta decisão da Embraer. Não só pela absoluta falta de alternativa viável, mas também porque as empresas já se conhecem. Por exemplo, há acordo comercial e de apoio pós-venda, entre a Boeing e a Embraer, em torno do mais recente projeto da empresa brasileira, o do cargueiro KC-390, já em testes de voo, em fase de homologação, para competir na substituição da frota mundial do eterno Hércules-130, da Lockheed, americana como a Boeing. O KC, inclusive, complementa a linha de aviões de transporte da Boeing, todos de maior porte.

Natural que as ações da Embraer disparassem, pela obviedade do acerto da opção. Mas o velho e resistente nacional-populismo brasileiro não falha: sindicalistas da região de São José dos Campos, onde a empresa tem sede, repudiaram a operação. Não entendem que a sobrevivência de seus empregos depende da possibilidade de a empresa continuar competitiva no mundo. E, no estágio em que se encontra o processo de globalização nesta indústria, sem este tipo de associação, não é possível sobreviver. É a velha opção nacionalista, de esquerda e de direita: melhor continuar “100% brasileiro”, mesmo pequeno, pagando salários baixos, protegido por barreiras tarifárias etc. O ponto final desta história, já deveria se saber, são a mediocridade tecnológica e a falência.

Ozires Silva, oficial da Aeronáutica, cofundador da Embraer, de que foi presidente, apoia a operação. A mesma restrição sindical houve em 1994, quando a empresa foi privatizada. Mas, se continuasse estatal, não teria agilidade para desenvolver projetos que o mercado de aviões médios pede. Nem para se conectar a cadeias globais de produção, em que o produto final é montado com peças de várias regiões do mundo, algo muito distante dos devaneios autonomistas do passado.

A Embraer tem uma nova linha de aviões, da série E-Jets. Acaba de sair o segundo modelo, o 195-E2. Mas China, Rússia e Japão passaram a se interessar por este segmento da aviação. As negociações não poderão envolver o pacote de compra de caças Gripen, sueco, e outros de cunho militar, e não deverá ser colocado sobre a mesa o controle da empresa, no qual o governo tem a palavra final. Mas a aproximação com a Boeing, como se vê, chega em boa hora para a Embraer.