Para a realização dos seus fins, o Poder Público deve cobrar tributos. Não há dúvidas quanto a isso. Afinal, sem arrecadação, não é possível custear as estruturas estatais e prestar serviços públicos à população.
Apesar da singeleza dessa equação, os tributos não podem ser ampliados em demasia, sob pena de estrangular a circulação econômica, com reflexos diretos no ciclo de produção, a começar pela oferta de empregos, sem esquecermos o achatamento do poder de compra do trabalhador, que “ganha, mas não leva”. No Brasil, qualquer trabalhador que receba mais de R$ 3.751,06 mensais tem descontados cerca de 40% de sua remuneração apenas com imposto de renda e contribuição previdenciária, isso sem contar os tributos que paga indiretamente nos atos mais comezinhos do seu dia a dia, como comprar um sorvete ou um café.
A tributação, portanto, deve observar a justa medida. Em nosso modelo fiscal, vez ou outra é realizada uma “reforma tributária”. Nossas reformas são semelhantes àquelas que uma criança realiza no seu nariz de barro: mexe para lá, mexe para cá, e ele continua torto. E por que nossa reforma não reforma como deveria? A razão é simples, pouco nos preocupamos com as causas do déficit, que exigem uma gestão mais eficiente. Em verdade, parece que só conseguimos enxergar o outro extremo, diminuindo a oferta de serviços, comprimindo direitos e ampliando a carga tributária.
O almejado equilíbrio das contas públicas não é alcançado somente com medidas drásticas e austeras, impostas unilateralmente a um setor social ou econômico. É preciso alcançar a causa do problema, ainda que, para tanto, seja necessário esperar mais que a duração de um mandato ou uma legislatura. A não ser assim, crises sociais e financeiras como a atual continuarão a fazer parte da nossa rotina.
No plano previdenciário, por exemplo, qual seria a justa tarifação do empregador e do empregado? Há ou não déficit financeiro e atuarial previdenciário? Qual é a real causa desse eventual déficit? Será que os inúmeros casos de anistia e de perdão de dívidas não contribuem para o anunciado rombo? Ou tudo isso decorre exclusivamente do próprio sistema, do aumento da expectativa de vida do trabalhador, da aposentadoria precoce de certos profissionais etc.
Se a nossa carga tributária é tão elevada, por que alguns Estados chegaram ao extremo de afirmar que estavam “falidos”?
O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, foi o primeiro a solicitar a inclusão no recém-criado Regime Especial de Recuperação Fiscal. Uma das causas dessa situação foi a queda na arrecadação. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, ele está entre os três entes da federação que possuem a maior carga tributária de ICMS.
Esse paradoxo só pode ser explicado se analisarmos outros dados, quase nunca tornados públicos, a respeito do crescimento do endividamento público estadual nos últimos anos.
Não há dúvida de que uma das principais causas do déficit reside na renúncia de receita, que se apresenta na realidade sob variadas roupagens de ordem contábil e alcança a cifra de R$ 9 bilhões ao ano. Mas, como a sua supressão ou diminuição é vista como verdadeira heresia, a solução, sempre e sempre, é a compressão dos serviços oferecidos, sobrecarregando a todos em prol do grupo beneficiado com a renúncia de receita. Algo parecido com a individualização dos lucros e a socialização dos prejuízos.
Não é por outra razão que o plano de recuperação fiscal pensado para o Rio de Janeiro vedou a concessão de novos incentivos fiscais, além da diminuição dos já existentes.
Também vedou a contração de novos empréstimos ou a realização de outras operações de crédito que superem o limite estabelecido.
Resta-nos torcer para que tais medidas surtam o efeito esperado, o reequilíbrio das contas públicas. Torcida à parte, é mais que evidente que a solução para os males estruturais deve passar obrigatoriamente por uma discussão técnica e transparente a respeito de suas reais causas.
Vinícius Leal Cavalleiro é promotor de Justiça do Ministério Público do Rio e coordenador do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Sonegação Fiscal e aos ilícitos contra a Ordem Tributária