O juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, sem poder viver normalmente (circular nas ruas, ir à praia, andar no calçadão) na cidade em que habita e trabalha – por causa das atuais ameaças e da preocupação com a segurança - pegou um vôo internacional de carreira e desembarcou em Roma na quarta-feira do ocaso de 2017. Não foi se queixar ao bispo ou pedir mais favores indevidos, ao contrário de tantos visitantes gregos, baianos, nesta época ou em outros tempos igualmente cabeludos.
O sentido da ida ao Vaticano, explicou o próprio magistrado, foi agradecer ao pontífice maior da Igreja Católica, um visceral, implacável e histórico adversário de corruptos e corruptores de todos os tipos e em todos os lugares, inclusive no meio do próprio clero que ele comanda.
O Papa tem feito declarações memoráveis e muito oportunas, dirigidas inclusive aos brasileiros. “Estamos entrando agora em período de eleições, um ano (2018) muito importante para todos nós. Então, a ideia era pedir, também, para que ele mantenha essa pauta, esse tema (contra a corrupção)”, explicou o magistrado do Rio – figura de referência, ao lado do colega Sérgio Moro, da Lava Jato, em Curitiba, demonstrando assim que também levou apelos ao Vaticano.
O juiz Bretas, – que mandou para o Complexo Penitenciário de Benfica o ex-governador Sérgio Cabral e outros notórios (os campistas Garotinho e sua Rosinha entre eles) responsáveis pelo quadro de miséria, abandono, degradação e falência atual do estado do Rio de Janeiro, pelo saque contínuo e desenfreado dos cofres públicos – não poderia ter ido a endereço mais apropriado. Nem procurado ouvidos mais atentos, ou voz mais firme e generosa para dar eco mundial aos seus sentimentos e às suas preocupações, diante de fatos e suspeitas deste tempo temerário no Brasil.
A ojeriza à corrupção e aos que a praticam – nos setores público, privado ou clerical – do atual condutor dos católicos vem de longe. Há registros inumeráveis disso em livros, em jornais, em homilias, em gravações, muitos dos quais podem ser consultados e conferidos com relativa facilidade na web, atualmente.
Mas jornalista que sou de incontáveis idas e vindas a Buenos Aires, a amada cidade argentina à beira do Rio da Prata, onde estive em maus e bons tempos, posso repetir agora, mais uma vez, Sebastião Nery na apresentação do livro “Rompendo o Cerco” – aquele tão citado do Decálogo, frases e pronunciamentos de Ulysses Guimarães: “Ninguém me contou, eu vi”.
Em 2005, por exemplo, quando ainda assinava Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, o atual Papa Francisco produziu um dos mais firmes e contundentes escritos sobre o tema. Fonte, na época, de grande polêmica, reboliço e reações variadas de poderosos de então (alguns ainda em postos ou situações de mando) que vestiram a carapuça. No texto, Bergoglio considera já na abertura, a corrupção pior que o pecado.
Relembro e reproduzo um trecho de conteúdo notável, até mesmo como mensagem alentadora de fim de ano. Eticamente pedagógica, ao lado da decisão pronta e exemplar da ministra presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, nesta quinta-feira, 28, de suspender o decreto de indulto natalino assinado pelo presidente Temer, com generosidade e potencial para favorecer e beneficiar corruptos, como não se tem registro na história deste país.
Recusa parcial e liminar (o julgamento do mérito deve ocorrer em fevereiro que vem), mas nos pontos e aspectos mais importantes e cruciais, em atendimento à ação direta de inconstitucionalidade, proposta com firmeza, conhecimento técnico e grande capacidade de argumentação, pela procuradora - geral da República, Raquel Dodge.
Palavras do Papa Francisco: “A corrupção é o mal da nossa época, que se alimenta de aparência e aceitação social, cresce como medida da ação moral e pode consumir a partir de dentro, em uma atitude de "mundanidade espiritual", quando não "esclerose do coração", até mesmo na própria Igreja. E se para o pecado existe perdão, para a corrupção, não. Por isso, a corrupção precisa ser curada”. Certeiras, vigorosas, transcendentes e proféticas palavras.!
O escrito arquidiocesano na origem, de quase 13 anos atrás, foi produzido em castelhano, e publicado mais recentemente no livro “A cura da corrupção” - pela primeira vez em italiano através da Editora Missionário – merece leitura integral e atenta. O especial e atualíssimo conteúdo é recomendável à todos, católicos ou não. O pontífice enumera e define ainda as principais características da corrupção. Mas não conto. Só recomendo, vivamente o livro.
O magistrado do Rio também não poderia ter escolhido oportunidade melhor para sua viagem a Roma. Nem, igualmente, espaço de ressonância mais poderoso que o Vaticano, onde se deu a troca de palavras com Francisco. De impacto amplificado em dimensão global e força de comunicação instantânea, além de efeitos que seguramente ainda virão, mas impossíveis de avaliar agora.
A conversa foi rápida, mas calorosa como é do jeito e do espírito de Francisco, líder religioso de grande sensibilidade e percepção política e social, ardoroso torcedor do San Lorenzo D`Almagro. Mesmo quando recebe o visitante mais tímido e de poucas palavras, a exemplo de Bretas.
Na saída do encontro o juiz já surpreendia. Deu entrevista reveladora (impactante em vários momentos), à repórter da Globo, em Roma, Ilze Scamparini. A começar pela informação sobre as apreensões pessoais e a disposição de ir em frente do magistrado, que, confessadamente, não pode levar uma vida normal no Rio de Janeiro por causa das ameaças que sofre desde que assumiu o julgamento dos casos da Operação Lava Jato no estado.
A uma pergunta da repórter sobre se também a Lava Jato está ameaçada por grupos políticos, o juiz do Rio disse que ela sempre esteve e sempre estará ameaçada. “Não podemos ser ingênuos, acreditando que no meio de uma investigação que envolve algumas pessoas que têm autoridade, alguns agentes políticos. Agentes públicos, é ingênuo acreditar que não vai haver algum tipo de resistência”, afirmou Marcelo Bretas.
O juiz tem razão. Mas há resistência, igualmente forte e decisiva, dos que formam a barreira dos que abominam a corrupção e parecem firmemente decididos – a exemplo do próprio Bretas e Moro - a seguir apurando, processando e fazendo com que corruptos e corruptores paguem exemplarmente por seus crimes.
Com ações como a da procuradora Raquel Dodge, de decisões como a da ministra Cármen Lúcia, e aliados da envergadura moral e a coragem do Papa Francisco tudo fica menos nebuloso e mais esperançoso para a sociedade e para o Brasil.
Feliz Ano Novo a todos.
Marcelo Bretas, juiz federal (Foto: Geraldo Bubniak / Agência O Globo)