Publius Vergilius/Folha Imagem | |
A artista plástica Marília Kranz em seu apartamento no Rio, em foto de 2003 Folha de São Paulo
Quando ouvia falar na "garota de Ipanema", Marília Kranz achava graça. Nos anos 50, ela fora pioneira do umbigo explícito no Arpoador, antecipara Leila Diniz em muitos anos ao ir à praia grávida e de biquíni e, antes de todas as amigas, já dizia que tinha "comido" um homem, não "dado" para ele. Uma de suas frases apareceu nos obituários que se escreveram a seu respeito, quando ela nos deixou no dia 20 último, aos 80 anos: "Nunca dei para um homem. Eles é que deram para mim".
Ousadias parecidas já vinham de suas próprias avós, mãe e tias, na década de 30, em Ipanema. Todas trabalhavam (algumas como advogadas), ganhavam mais do que os maridos, fumavam em público, andavam de short pelas ruas, sabiam línguas e liam Freud. Marília era artista plástica e sua turma era a dos cartunistas, cronistas, designers e fotógrafos da cidade.
Casou-se aos 20 anos, em 1957, com um empresário americano, deixou a pintura e teve três filhas lindas. Foi dondoca por uns tempos e, se não se cuidasse, teria sido feliz para sempre. Mas, um dia, Marília deu um jeito:
separou-se, voltou aos pincéis e instalou seu ateliê num cortiço em Botafogo —cortiço, mesmo. Nos piores tempos da ditadura, emprestou-o a seus amigos da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e deixou que usassem seu fusca num sequestro de embaixador. Isso lhe rendeu prisão na Base Aérea do Galeão e risco de vida, mas ela foi em frente.
Numa data cívica de 1992, quando Fernando Collor, em seus estertores na Presidência, conclamou o povo a ir às ruas de verde-amarelo para apoiá-lo, Marília, com Eliane Caruso, conseguiu com que o povo do Rio saísse de preto. Fim de Collor.
Incrível que, com sua força de artista e mulher, Marília sucumbisse diante de um inimigo quase imperceptível —o mosquito transmissor da febre chikungunya.
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