domingo, 1 de outubro de 2017

Violência e crise ampliam busca de brasileiros por asilo nos EUA. Crescimento foi de 50%; policiais são os que mais requisitam


Fila para entrada no Consulado americano no Centro do Rio - Marcia Foletto / Agência O Globo


Com O Globo



WASHINGTON - Um recomeço no exterior, sonho cada vez mais comum entre brasileiros que desejam fugir da violência e da crise, faz com que a busca por asilo nos Estados Unidos passe por uma explosão. Segundo especialistas do setor, o crescimento foi de 50% este ano. Mas, além de caro e demorado, o processo embute riscos, em um ambiente cercado de sigilo.

— Não tinha mais opção. Comecei a receber fotos dos meus filhos na porta da escola. Quando a ameaça era só contra mim, aguentava, mas contra a família a gente perde a cabeça — afirma J. S., policial paulista que “há alguns meses” vive na região da capital americana.

Ele pediu asilo por causa do PCC e não dá detalhes de sua identidade por questão de segurança:

— A sensação é que estava ameaçado em todo lugar, mesmo quando ia para o interior ou até em outros estados.

Ele já desembolsou cerca de US$ 10 mil (R$ 32 mil) com advogados e burocracia, e ainda não sabe se terá a permissão para viver legalmente nos EUA, um processo que pode levar mais de cinco anos. Enquanto isso, tem autorização para trabalho.

— Claro que sinto falta da minha família, da minha gente, da comida… mas a sensação de segurança é maior que tudo isso — diz o policial.

O Departamento de Segurança Nacional não tem dados atualizados dos pedidos de asilo. Informou apenas que 33 brasileiros obtiveram o direito em 2015, e que o Brasil não está entre as dez nações que mais pedem asilo, lista encabeçada por Venezuela, China e México. Mas escritórios especializados em imigração garantem que há mais brasileiros atrás de asilo.

— Conosco há um crescimento de 47% este ano, principalmente de policiais, que não apenas fogem de criminosos, mas de chefes corruptos. A situação é tão intensa que criamos mais dez vagas pro bono, sem custos com o escritório, apenas para a categoria, como ação social — contou ao GLOBO Leonardo Freitas, sócio fundador da consultoria internacional Hayman-Woodward e ex-agente do Departamento de Imigração dos EUA.


Risco de ficar sem visto

Ele afirma que pedido de asilo não é brincadeira e deve ser muito bem fundamentado: o governo americano tem recursos e vai investigar se a história da pessoa é verdadeira. Além de não estar entre as prioridades globais, o Brasil tem outro ponto que conta contra as concessões de asilo: seu tamanho continental. Autoridades americanas levam em conta se a pessoa tem condições de se restabelecer em outro local do país antes de conceder o asilo.

— Mas isso é relativo. Às vezes, culturalmente, a pessoa é mais próxima dos EUA que de Rondônia. Mas é sempre um pedido complexo — diz o especialista.

O fato de obter permissão de vida normal nos EUA enquanto esperam seus processos incentiva o asilo, mas gera riscos:

— Se uma pessoa tem o pedido de asilo negado devido a um motivo frívolo, pode ficar até sem ter como obter visto de turista nos EUA — afirma a advogada brasileira radicada na Flórida Renata Castro, que confirma que aumentaram em mais de 50% os pedidos de asilo em seu escritório. — Soube de uma brasileira, por exemplo, que pediu asilo alegando ser muito bonita e não aguentar o assédio no Brasil, além de mulheres que queriam o benefício por medo do zika. Esses casos não passam.

O sonho americano, mesmo com as restrições à imigração do governo de Donald Trump, proximidades culturais e até laços familiares colocam os EUA como opção.

— Já tinha conhecidos aqui na região de Boston. Por isso preferi os EUA a outros locais, como o Canadá. Mas não é algo fácil. Não contei que estou tentando asilo nem para amigos próximos, pois temo que isso possa prejudicar todo o processo — disse F., policial que chegou ao país no fim de 2016.