Joana Cunha - Folha de São Paulo
Ser rico no Brasil não é o mesmo que ser rico na França. É mais. Enquanto a renda média do 1% mais rico no Brasil ronda US$ 541 mil ao ano, na França, esse 1% ganha de US$ 450 mil a US$ 500 mil.
A conclusão, de estudo do World Wealth and Income Database, codirigido pelo economista Thomas Piketty, denota a assimetria brasileira.
Pela pesquisa, baseada em dados de 2015, o grupo do 1% mais rico equivale a 1,4 milhão de brasileiros.
Quando se depura a estatística para o 0,1% mais rico, um grupo de 140 mil indivíduos recebe ao menos US$ 799,2 mil todos os anos. Isso é só a faixa de corte. A média para tal grupo gira em torno de US$ 2,8 milhões ao ano.
Como base de comparação, Marc Morgan, autor do estudo, aponta que a renda média de toda a população fica em US$ 19,5 mil ao ano.
E quem são esses brasileiros mais ricos? Abaixo dos famosos bilionários da revista "Forbes", a maior parte dos incógnitos são empresários, juízes, executivos e médicos.
São pessoas que vivem de outras rendas que não a do salário, afirma a economista Monica de Bolle, que ressalta a importância do estudo de Morgan porque complementa os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE) com informações da Receita.
"A Pnad mostra a renda dos assalariados, que podem ser pessoas de classe baixa e média ou até média alta, mas que têm o trabalho como principal fonte de renda. Ela exclui parte relevante das pessoas que vivem de outra renda, como ganhos de propriedades e dividendos, mas não de salários", afirma ela.
Parte desse grupo pode ser encontrada na cúpula das companhias que têm ações em Bolsa. De acordo com dados da CVM relativos a 2016, foi de R$ 27 milhões a maior remuneração anual de um diretor, da BR Malls. Outro dos pagamentos mais altos foi de um membro da diretoria da farmacêutica Hypermarcas —R$ 22 milhões no ano.
Os números oscilam ano a ano porque nem tudo está atrelado ao pagamento na carteira de trabalho.
"Muitos executivos ganham mais de R$ 100 mil no contracheque mensal. Isso se soma à remuneração variável de curto prazo, que é o bônus. E ainda pode ter remuneração variável de longo prazo, atrelada ao ganho de ações da empresa", diz Rodrigo Forte, da Exec, consultoria para contratação de executivos.
Magistrados também podem estar entre os muito ricos. Embora o teto constitucional seja R$ 33,76 mil, a remuneração dos juízes é turbinada com auxílio-moradia, serviços extraordinários e outras vantagens conhecidas como "penduricalhos", praticados em todos os Estados.
Em julho, 84 magistrados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso receberam mais de R$ 100 mil cada um. Um dos juízes chegou a receber R$ 503,9 mil no mês.
POUCAS CHANCES
A chance de estar no 1% mais rico cresce para quem tem treinamento em engenharia e atividades correlatas. Ela é quase 54 vezes maior que a de um trabalhador sem educação primária completa, segundo estudos de Marcelo Medeiros, do Ipea.
O trabalhador com diploma de professor tem chance quase tão baixa quanto quem tem só ensino secundário.
O gênero é outra característica da disparidade. Os estratos mais elevados dos salários concentram mais homens, segundo Juliana Galvão, pesquisadora da City University de Nova York.
"No 1% mais rico, 64% são homens brancos e 20% são mulheres brancas", diz Galvão, cujos estudos se baseiam no Censo de 2010. Outros 12 % são homens pretos, pardos ou indígenas e 4% são mulheres negras.
Raça é um dos aspectos mais notórios no topo da pirâmide. A população negra em média tem menos escolaridade e está concentrada em regiões economicamente menos dinâmicas, segundo Emerson Rocha, professor da Universidade de Brasília. Mas isso não explica tudo.
Segundo seus estudos, determinados setores do mercado de trabalho são mais desiguais racialmente. A discriminação afeta especialmente ocupações como executivos de empresas do setor privado. Profissões liberais e carreiras no setor público são mais permeáveis.
"Critérios de recrutamento afetam o quanto a competição em determinado setor está aberta a processos de discriminação racial direta", afirma Rocha.
TRIBUTOS
O economista Sérgio Gobetti, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), explica que, embora não seja a causa primária da desigualdade, a tributação pode agravá-la. "No Brasil a nossa tributação da renda é muito pouco progressiva. Além disso, tem um outro lado, a tributação do consumo, que é muito pesada e neste caso é regressiva", diz Gobetti.
A maneira como está formatado o sistema tributário brasileiro também perpetua a desigualdade, segundo Rodrigo Orair, economista do Ipea. Ela favorece a elisão, possibilitando que grandes rendas sejam tributadas com alíquotas menores.
"Se eu sou um assalariado, posso pagar alíquotas marginais de até 27,5% sobre meu salário, mas se sou uma pessoa jurídica prestadora de serviços enquadrados no regime do simples ou no lucro presumido e regimes especiais para pequenas e microempresas, eu posso pagar alíquotas de 9% a 15%. Não é crime, é um caminho para pagar alíquota menor sobre a renda", diz Orair.
O economista cita uma lista de alternativas que poupam os mais ricos da tributação, como o benefício da isenção de impostos sobre lucros e dividendos, que são a principal fonte de renda dos estratos mais ricos, como altos executivos de empresas e escritórios de advocacia.
"Se eu recebo uma renda de aluguel e declaro como pessoa física, posso pagar até 27,5%. Se crio uma imobiliária para administrar e coloco no regime especial, vou pagar de 9% a 15%. Se eu recebo esse aluguel por um fundo imobiliário, ele pode até ser isento. A mesma fonte de renda pode ser tributada de 0 a 27,5% dependendo da maneira como eu organizo", afirma Orair.
Para o economista, essas alternativas de planejamento tributário tendem a beneficiar os mais ricos, que podem contar com melhores tributaristas e contadores.
O imposto sobre herança é outra prática que protege as fortunas de quem está no topo. Enquanto no Brasil o tributo é de no máximo 8%, em países desenvolvidos ele ronda os 40%.