quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Sociedade brasileira ainda é patrimonialista e machista, diz Cármen Lúcia

Beatriz Bulla - O Estado de São Paulo


A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, disse nesta manhã de quinta-feira, 26, que a sociedade brasileira “ainda é patrimonialista e machista”. Em discurso no qual citou a desigualdade de gêneros persistente no País, Cármen afirmou que continua havendo “a violência – até a morte moral, quando não a morte física” contra mulheres na sociedade.
Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
“O pior problema do Brasil é a desigualdade, sobre todas as formas. Sobre a questão econômica, sobre os preconceitos. Mas nessa Constituição (de 1988) introduziu-se algo que não se tinha nas constituições anteriores: homens e mulheres são iguais nos direitos e deveres. Precisa da Constituição afirmar de forma específica, taxativa e expressa que também quanto ao fator gênero a igualdade deveria de prevalecer”, afirmou Cármen.
Ela participou nesta manhã do seminário Mulheres na Justiça, organizado pela embaixada da França. Na mesa de abertura estavam presentes também a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a advogada-geral da União, Grace Mendonça.  Cármen afirmou que a reunião das três nos mais altos postos do sistema de Justiça no País é uma “conjuntura histórica” que dificilmente se repetirá de imediato.
“Trata-se de uma coincidência a que somos levados. Basta ver o número de mulheres que estão nos cargos que compõem a magistratura, o Ministério Público, a advocacia no Brasil”, afirmou a presidente do STF. “Todos os modelos de cargos públicos são cargos que foram para homens pelos homens, mantendo-se um status quo”, afirmou Cármen.
A advogada-geral da União disse durante o evento que o “simples fato” de a mulher pretender ocupar um espaço constituído para os homens é visto como uma ousadia. “O simples querer feminino já é visto como uma forma de ousadia não aceitável na nossa sociedade”, afirmou Grace. Ela relatou uma situação na qual uma vez, após sustentação oral no Supremo Tribunal Federal como secretária-geral de contencioso na AGU, foi parabenizada por pessoas na plateia. A um grupo, o então advogado-geral da União teria dito “gostaram da sustentação oral da minha assistente?”. A ministra não citou nome do então ministro da AGU que fez a observação.
Cármen também contou casos pelos quais passou como ministra do Supremo. Segundo ela, ao chegar à residência de uma amiga professora, foi barrada na porta sob argumento de que a dona da casa aguardava “uma autoridade”. Só após insistir, a ministra foi recebida como a visita aguardada. “O nome autoridade não tem sexo definitivamente. Conto isso para dizer que temos bem a demonstração do que é a luta que temos por um futuro no qual homens e mulheres sejam iguais verdadeiramente”, afirmou Cármen.
 “Muitas vezes se denuncia que determinada criança tem um problema porque a mãe resolveu trabalhar. As mulheres carregam algo que é o elemento de constrangimento permanente, uma culpa que os homens não têm. Claro, a mulher tem dupla jornada quando não tem tripla jornada”, disse Cármen.
Segundo a presidente do STF, quando uma juíza é promovida a comarca diferente da qual vive com o marido precisa “perguntar e compor” para ver se o companheiro aceita a mudança. “A regra ainda é que a mulher se muda para o interior de Rôndonia e se pergunta: ‘mas e o seu marido?’. Mas se é o marido que vai ser nomeado para promoção da magistratura não há pergunta a ser feita”, afirmou Cármen. Ela também mencionou que deputadas e senadores não ocupam os cargos de chefia dos partidos.
Cármen afirmou ainda que é grave o quadro de violência contra a mulher no País. “Não tenho dúvida que continua havendo mulheres mortas e não apenas pelo companheiro, mortas por uma sociedade que teima em não ver que a mulher não é uma causadora do feminicídio, que é o assassinato decorrente do fato de ser mulher”, afirmou a ministra.
LAVA JATO 

Em uma rápida menção às investigações da Lava Jato, Cármen afirmou que no Brasil os cidadãos são “homens e mulheres com muita coragem”. “Se não tivéssemos coragem não estaríamos enfrentando uma Lava Jato”, afirmou a ministra, dizendo ainda que a Justiça deve terminar “esses processos” para dar satisfação ao cidadão.