
Com O Globo e agências internacionais
BARCELONA - O presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, discursou hoje em sessão do Parlamento regional, onde declarou a independência da Espanha e formalizou os resultados do referendo separatista, que teve vitória esmagadora do "Sim", apesar da adesão inferior a 50% do eleitorado. Ele disse que, com esse resultado, a Catalunha tem direito de se constituir como um Estado independente. No entanto, Puigdemont pediu a suspensão durante algumas semanas do efeito da declaração de independência para que se abra uma via de diálogo.
— Como resultado do referendo, a Catalunha ganhou o direito de ser um Estado independente e ser ouvido. A lei do referendo diz que uma vez ganho o "Sim", o Parlamento se reunirá para declarar a independência — defendeu Puigdemont. — As urnas dizem sim à Independência e este é o caminho que estou disposto a seguir. Assumo o mandato do povo para que a Catalunha se convirta em um Estado independente em forma de República.
Em seu discurso, o líder catalão defendeu que há consenso na Catalunha sobre a necessidade de decidir seu futuro através de um referendo. Segundo ele, a pesquisa mais recente de um jornal madrilenho informa que 82% da população catalã têm esse desejo.
Puigdemont disse que as exigências da Catalunha sempre foram expressadas de forma pacífica, e o povo da Catalunha "pede há muitos anos a liberdade para poder decidir".
No entanto, ele destaca que "não encontramos interlocutores no passado, nem encontramos agora", denunciando a dificuldade de diálogo com o governo central da Espanha. Ele disse que os catalães estão angustiados, mas enfatizou que não têm "nada contra Espanha e os espanhóis, ao contrário, queremos nos entender melhor".
— Durante este período, milhões de cidadãos chegaram à conclusão racional de que a única forma de manter o autogoverno é que a Catalunha se constitua um Estado. As últimas eleições ao Parlamento (regional) são provas disso — disse Puigdemont. — Por isso, colocaram todas as iniciativas em Madri, pediram diálogo de todos os formatos para celebrar um referendo como oque se celebrou na Escócia, onde ambas as partes se comprometeram a respeitar o resultado. Por que não se pode fazer também na Espanha? A resposta foi uma negação absoluta e uma perseguição policial e judicial absoluta — afirmou, criticando as prisões de autoridades catalãs nas semanas anteriores ao referendo.
Ele denunciou a violência usada pelas forças de segurança espanholas no dia do referendo, quando mais de 800 pessoas ficaram feridas em confrontos com a Polícia e Guarda Nacional. Puigdemont disse que mais de duas milhões de pessoas venceram o medo.
— O objetivo não era apenas confiscar urnas e cédulas, mas sim provocar o pânico para que as pessoas renunciassem a seus direitos de votos.
O presidente catalão defendeu que a única forma de avançar é através da democracia e da paz, e disse que é importante "desescalar a tensão e não contribuir para aumentá-la com palavras ou ações.
— Compareço a essa sessão própria para analisar a situação política para lhes explicar as consequências políticas que se derivam do 1º de outubro. Estou consciente que também compareço diante do povo da Catalunha e muitas outras pessoas. Vivemos um momento excepcional, seus efeitos vão muito além de nosso país. Longe de ser um assunto interno, a Catalunha é um assunto europeu — destacou o líder. — Nosso governo não se afastará da democracia, da tolerância e do respeito.
REAÇÕES DA OPOSIÇÃO
Ao assumir o púlpito após o término do discurso de Puigdemont, a líder da oposição Inés Arrimadas, do Partido Ciudadanos, afirmou que a decisão do governo catalão é uma crônica de um golpe anunciado. Ele denunciou que, internacionalmente, nenhum líder europeu apoia a independência.
— Vocês quebraram a convivência na Catalunha. Vocês pulverizaram este Parlamento, aos letrados do Parlamento. Vocês pulverizaram a autonomia da Catalunha com sua irresponsabilidade — sustentou. — Há que se buscar o diálogo, o consenso, mas antes há que se recuperar o senso comum.
Miguel Iceta, do Partido Socialista da Catalunha (PSC), criticou a decisão de Puigdemont, que chamou de complexa:
— Deixe-me ver se entendi bem. Você assume um mandato, que eu discuto. E ao mesmo tempo diz que propõe suspender uma declaração não feita. É complexo isso — condenou.
— Não se pode suspender uma declaração que não foi tomada. Quero dizer que estes dias me encontro com as pessoas angustiadas que fala. Gente que ama seu país, mas quer a prosperidade de sua família. Temos que servir bem a todos e temos que acertar.
ESPANHA DIZ QUE VAI RESPONDER
Ainda que o governo espanhol não tenha indicado como reagirá à decisão, o presidente do governo, Mariano Rajoy, já afirmou que todas as medidas possíveis serão usadas para impedir a separação da Catalunha, prezando pela unidade nacional. Madri já sinalizou que não pretende ficar de braços cruzados, ameaçando aplicar contra medidas para desmantelar o governo catalão e boicotar sua tentativa de independência.
A vice-presidente Soraya Sáenz de Santamaría declarou que um pedido de independência unilateral não causará efeito, e que o governo responderá caso tal passo seja tomado.
Enquanto isso, o ministro espanhol da Economia, Luis de Guindos, afirmou que o governo do país conta com o apoio da União Europeia em sua resposta ao desafio da Catalunha.
— Isto não é um tema de "independência sim, independência não". Isto é um tema de rebelião contra o Estado de direito e o Estado de direito é a base não apenas da convivência na Espanha, mas também da convivência na Europa — declarou De Guindos.
Os apelos por diálogo proliferam por Catalunha, Espanha e Europa, frente à crise institucional que aprofunda ainda mais a divisão entre os catalães. Segundo as pesquisas de opinião, a região autônoma está partida quase ao meio sobre a separação. Marcado pela violência policial espanhola para impedir a votação em determinados locais, o referendo de 1º de outubro teve participação de apenas 43% dos 5,3 milhões de eleitores potenciais, dos quais 90% votaram a favor da secessão. Muitos catalães contrários à independência, que protestaram no domingo pelas ruas de Barcelona, optaram pela abstenção na consulta que consideravam ilegítima e sem garantias de neutralidade.
O que está em jogo é o futuro de um território estratégico para a Espanha, que abriga 16% da população e arrecada 19% do Produto Interno Bruto. Sobre a mesa está a aplicação do artigo 155 da Constituição — que prevê a suspensão do governo autônomo da Catalunha, restaurado após a ditadura de Francisco Franco (1939-1975) — ou inclusive a implementação de um estado de emergência na região pela Espanha.