domingo, 1 de outubro de 2017

'O Brasil foi um peso para nossa indústria', diz Dujovne, ministro da Fazenda da Argentina

Luciana Dyniewicz - O Estado de São Paulo



Dujovne
Nicolás Dujovne, ministro da Fazenda da Argentina Foto: Maria Martinez/Ministério da Fazenda da Argentina
Com metade de suas exportações industriais destinadas ao Brasil, a Argentina conta com uma recuperação da economia brasileira em 2018 para acelerar seu crescimento, diz o ministro da Fazenda argentino, Nicolás Dujovne. O economista afirma que o Brasil “foi um peso” para a Argentina nos últimos dois anos e que uma estabilização política fará com que o Brasil volte a avançar. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado
Quão importante é o Brasil para a retomada das exportações e do setor industrial argentino?
O Brasil é muito importante para a indústria argentina: 50% das nossas exportações manufatureiras vão para lá. O Brasil foi um peso para nossa indústria em 2015 e 2016. Em 2017, não vai somar nem subtrair. Acredito que, em 2018, o País vai crescer e ajudar nossas exportações. 
Vocês buscaram outros países para exportar por causa da crise no Brasil?
Isso aconteceu naturalmente. Estamos exportando veículos para a América Central e do Norte. Estão aparecendo outros mercados porque a crise brasileira forçou nossos industriais a buscarem outros mercados e diversificarem nossas exportações. 
A balança comercial com o Brasil está bastante desfavorável para a Argentina, principalmente por causa das exportações brasileiras de carros. Isso preocupa o governo? 
Não. O mercado bilateral automotivo é regulado em um regime flex (para cada US$ 1,5 em mercadoria que o Brasil vende para a Argentina, o Brasil tem de importar US$ 1). Hoje, o acordo está em 2,3. O que ultrapassar tem de ser compensado nos próximos anos, ou a diferença terá de ser reparada. Confiamos que, com a recuperação do Brasil, em 2018 haverá um salto das exportações da nossa indústria automotiva para o País, para compensar em parte o descumprimento do flex deste ano.
Como o senhor vê hoje a situação econômica do Brasil?
Vejo com otimismo, porque o País passou por uma situação muito difícil nos últimos anos e hoje a recuperação atual está baseada na melhora dos fundamentos macroeconômicos. Com a estabilização política, a mudança de expectativa vai permitir liberar todo o potencial da economia brasileira.
A Argentina perde competitividade com a aprovação da reforma trabalhista brasileira?
Se o Brasil crescer, para nós, é bom. Sobre as condições trabalhistas, cada país tem seu esquema. Nós escolhemos um caminho de reforma setor por setor. Fazemos mesas de diálogo entre sindicato, governo e empresas e vamos resolvendo as travas que cada setor tem buscando que todos colaborem com uma parte.
Não há planos de uma reforma?
Não. O que procuramos é seguir com as discussões setoriais. O Ministério do Trabalho está trabalhando para que as empresas coloquem em situação formal os empregados que estejam na informalidade. A reforma tributária tem que dar resposta aos motivos que fazem com que tenhamos trabalhadores informais. Acredito que esse é o caminho e temos tido resultado, porque o emprego está crescendo.
O governo está planejando uma reforma tributária que incluirá a redução dos impostos do setor produtivo. No Brasil, o governo Dilma Rousseff desonerou a indústria, mas os investimentos não aumentaram. Como garantir que o setor produtivo invista?
Há poucas certezas, mas pensamos que, se temos melhores impostos, há maior probabilidade de que a economia cresça e que haja mais investimento, assim funciona no mundo. Os investimentos já estão vindo para a Argentina. Neste ano, vão crescer 10%. Pensamos que teremos ainda mais investimentos se tivermos impostos melhores. Há muitos impostos na Argentina que distorcem a atividade produtiva e fazem que custe muito exportar. Por exemplo, o imposto sobre ingressos mútuos, que são cobrados nas Províncias. É um imposto que se cobra sobre a atividade produtiva. Se uma companhia tem muitas etapas de produção, vai acumulando a cobrança e não se deduz na etapa seguinte; acumula tanto imposto que depois é difícil exportar. Vemos isso na assimetria da nossa indústria automotiva na comparação com a brasileira. No Brasil, existe bastante tributos no setor automotivo, mas incidem nas vendas. São questões que temos que corrigir. Precisamos exportar mais e a estrutura de hoje da Argentina não ajuda nisso.
O mercado se preocupa com o déficit fiscal argentino. O governo vai conseguir cumprir a meta de 4,2% mesmo com os investimentos que têm feito em infraestrutura?
Vamos cumpri-la. Nós temos muitos objetivos: temos que melhorar a infraestrutura e diminuir o déficit. Então grande parte do investimento em infraestrutura no ano que vem será feito pelo setor privado, como parte dos acordos que tivemos para normalizar os preços dos serviços públicos (que estavam congelados). Por outro lado, tem o investimento do programa de PPP (parcerias público-privadas), que é algo incipiente na Argentina e que esperamos que, nos próximos anos, estejamos gerando um ponto de PIB. Assim, o gasto em infraestrutura no ano que vem subirá de 2,5% a 3,5% do PIB, mesmo com os gastos públicos se mantendo constantes, porque o resto virá de PPPs ou investimento privado.
A economia começa a melhorar, mas o desemprego ainda é alto. O que o governo planeja fazer?
O desemprego hoje é 8,7% e aspiramos taxas muito mais baixas. A maneira de conseguir isso é com investimento, para que a produtividade seja mais alta. É um caminho longo, mas estamos certos de que o desemprego vai diminuir nos próximos anos. Nas etapas iniciais de recuperação econômica, é lógico que a economia se recupere criando pouco emprego. Mas, quando se consolida o processo de recuperação, já começa a aparecer muito mais o crescimento do emprego. 
No começo do ano passado, o governo anunciou que terminaria 2016 com uma inflação pouco superior a 20%. Esse será o resultado de 2017, novamente ultrapassando a meta, de 17%. Falta uma política monetária mais forte para segurar o avanço dos preços?
Estamos fazendo as coisas que os países fazem para diminuir a inflação: ter um Banco Central independente e com metas de inflação. Vamos a um ritmo um pouco mais lento do que pensávamos, mas na direção que pensávamos. Vamos chegar a uma inflação de um dígito em 2019, mas não esqueçamos que a Argentina tem taxas de inflação acima dos 10% por ano desde 2007. Nós normalizamos a economia e, nesse processo, tivemos que remover os diferentes tipos de câmbio (o que acelerou a inflação). Mas estamos certos de que estamos fazendo o correto.