quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Míriam Leitão: Dia das vendas

O Globo

Foi um sucesso. Em algumas horas de ontem, o governo arrecadou quase R$ 16 bilhões vendendo usinas hidrelétricas e blocos de exploração de petróleo, atraiu empresas estrangeiras e recuperou um investidor de petróleo que tinha ido embora do Brasil. Mesmo assim, não se pode dizer que o governo tenha uma política energética. Os leilões têm o objetivo de cobrir gastos de custeio.
No petróleo, o governo vendeu pouco do que ofereceu, apenas 13%. Mas isso não é o fracasso que parece. Primeiro, porque com os 37 blocos vendidos o governo arrecadou quase quatro vezes mais do que havia inicialmente calculado. Segundo, porque os 250 que não foram arrematados serão colocados, como explicou o ministro Fernando Coelho Filho, numa espécie de leilão permanente. Muitos deles vêm de outros leilões e são mesmo mais difíceis de conseguirem interessados. Em geral, por serem em terra. Passarão a constar no site da ANP como oferta para quem se interessar. O investidor pode fazer uma oferta e se nenhuma outra empresa fizer uma proposta melhor ele pode levar. Terceiro, porque conseguiu atrair investidores para o setor de petróleo e gás no Brasil, inclusive a Exxon Mobil, que tinha saído.
O leilão de ontem é uma espécie de esquenta para duas rodadas do pré-sal que serão feitas ainda este ano. Desta vez, sem as amarras da obrigatoriedade de a Petrobras estar em todos os campos e com um índice menor de conteúdo nacional. O melhor momento para realizar leilões foi naqueles cinco anos que o governo passado perdeu discutindo a mudança do marco regulatório, mas a visão de especialistas, como Adriano Pires, é que foi um sucesso a 14ª Rodada.
Em outro leilão no mesmo dia, o governo Temer vendeu as quatro hidrelétricas que eram da Cemig. Em uma entrevista que me concedeu e que irá ao ar hoje à noite na Globonews, o ministro Fernando Coelho Filho disse que essas usinas estavam num vazio. Tinham sido da Cemig, mas a concessão fora cassada pela MP 579 ano passado e este ano e, portanto, não eram mais da estatal mineira e isso teria que ser resolvido.
Como se sabe, esse presente com o qual o governo Temer conseguiu arrecadar R$ 12,1 bilhões ontem foi dado pela ex-presidente Dilma, que nesta controversa MP de 2012 interferiu no setor de energia provocando inúmeras sequelas que tiveram que ser corrigidas nos anos seguintes.
A Cemig brigou na Justiça para manter a concessão das usinas de São Simão, que ficou com os chineses da Spic Pacific Energy, Jaguara e Miranda, com os franceses e belgas da Engie, e Volta Grande, que ficou com os italianos da Enel. Estava presente no leilão mas não apresentou proposta.
— A Cemig tem um endividamento muito elevado, de R$ 17 bilhões, o que significa mais de 5 vezes o Ebitda da companhia. E o leilão exigia grandes aportes de capital. Então esse pode ter sido um motivo — disse Claudio Sales, do Instituto Acende Brasil.
O sucesso comemorado ontem não foi por acaso, segundo especialistas do setor.
— Existe uma mudança grande na condução do setor elétrico brasileiro, e isso já está fazendo toda a diferença. Em todos os órgãos reguladores, há pessoas de grande experiência e currículo. O ministro, embora não sendo da área, soube montar uma grande equipe — afirmou.
Contudo, o governo não tem ainda uma política energética para enfrentar os gargalos de forma mais estrutural. Os reservatórios estão em níveis muito baixos e de novo o apagão está sendo evitado com as térmicas de alto preço e alta emissão. No ano passado, em dezembro, o governo cancelou um leilão de reserva com as novas renováveis sob o argumento de que havia energia excedente no sistema. O Brasil está há cinco anos com níveis muito baixos de água nos reservatórios e tem alta dependência da energia hidrelétrica. O que tem protegido o Nordeste de uma crise é a energia eólica. Outra política necessária é a recuperação dos rios brasileiros.
A privatização das usinas hidrelétricas e o leilão de petróleo foram realizados ontem para o governo cobrir gastos de custeio, liberar parte do contingenciamento e cumprir a meta de R$ 159 bilhões de déficit. Está vendendo ativos para pagar a conta diária.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)