quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Curitiba espera Lula, corrupto número do Brasil, de 'grades abertas'

Rafael Moro Martins - Piauí

Corneta Anti-Lula


Era início da noite de 13 de setembro. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mal começara um discurso a apoiadores no Centro de Curitiba quando um helicóptero apareceu sobre a praça Generoso Marques exibindo um painel de leds com frases de provocação ao petista. “Vamos acabar com esses corruptos ladrões” e “Tirem as mãos do nosso país” eram duas delas. Lula, se notou, ignorou, e seus fãs fizeram o mesmo. Mas não muito longe dali, num café próximo à Justiça Federal, veio o sinal de que a ação tivera o impacto planejado.

“Estava tomando meu café quando começou a tocar o telefone. Um monte de ligações, de emissoras de rádio, jornais e tevê. Queriam detalhes sobre o protesto”, contou-me a advogada Paula Bettega, líder de um grupo chamado Lava Togas. Formado por “uns cento e poucos” curitibanos, muitos deles “advogados, publicitários, jornalistas, arquitetos, engenheiros”, o Lava Togas planejou e contratou o sobrevoo sobre o comício do petista – que estava na capital paranaense para depor ao juiz Sérgio Moro em processo no qual é acusado de receber propina da Odebrecht nas compras de um terreno para o Instituto Lula, em São Paulo, e de um apartamento vizinho ao seu, em São Bernardo do Campo. O grupo também mandou instalar, em pontos estratégicos de Curitiba, outdoors de “boas-vindas” a Lula. “A ‘República de Curitiba’ te espera de grades abertas”, lia-se.

Aos 37 anos, magra, pele clara e cabelos escuros, voz aguda, fala enfática e um acentuado sotaque curitibano – conhecido pela pronúncia forte dos es –, Paula Bettega, que atua em ações cíveis e de família, me recebeu para uma entrevista num movimentado café no Centro de Curitiba. Não veio só: a acompanhavam o irmão, Luiz Fernando Carneiro Bettega, 40 anos, também advogado, um tanto acima do peso, vestindo um terno cinza, e Ivan Santos Ruppell Júnior, 51 anos, levemente calvo, informal numa camisa polo rosa, também causídico e representante comercial. Completava o grupo o jornalista e empresário Moisés Machinsky, 50 anos, um homem alto, de barba e cabelos grisalhos, que faz o tipo motoqueiro – vestia uma jaqueta jeans com as mangas arrancadas e broches com o escudo do Paraná Clube, a bandeira do Reino Unido e o brasão de armas da Alemanha. Eles são parte do que chamam de diretoria do Lava Togas, que fazia, neste encontro com a piauí, sua primeira aparição pública coletiva.

“Viemos para mostrar que temos cara. Senão, vão achar que somos um movimento de extrema direita. Não somos. Somos de direita, sim, mas da escola austríaca. Defendemos democracia e pluralidade. Ninguém aqui quer exterminar a esquerda”, apressou-se a dizer Machinsky, que também lidera o grupo Brasil Estou Aqui, tratado como “irmãozinho caçula” do Lava Togas e coautor dos outdoors que provocavam o ex-presidente. “Não tem absolutamente nada de provocação”, ele reagiu, quando questionei a respeito. “É colocar o contraponto. Se vem gente aqui apoiar o Lula, queremos mostrar que existe gente contra o Lula.”

Os Lava Togas surgiram em uma noite de junho de 2016 em que a jornalista Joice Hasselmann – autodenominada “maior influenciadora do Brasil nas Redes”, e também conhecida no meio jornalístico curitibano por plagiar textos de colegas – estava na cidade para lançar seu livro sobre Sérgio Moro (com a presença do juiz). Horas antes, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, mandara soltar o ex-ministro petista Paulo Bernardo, alegando que a prisão era um “constrangimento ilegal”. “Na fila para o autógrafo, resolvemos levantar umas faixas com os dizeres ‘Operação Lava Togas já’, pedindo uma postura apartidária do STF”, disse Paula. Dias depois, o grupo recém-nascido mostraria a que viera: organizou um protesto em frente ao prédio em que vive o ministro Edson Fachin, num bairro da região norte de Curitiba.

Como tantas outras trupes que tomaram as ruas do país desde que eclodiu a operação Lava Jato, os Lava Togas dizem que seu alvo é “a corrupção”, mas deixam transparecer uma obsessão particular por Lula. “Por ser ex-presidente, é o maior dos políticos envolvidos na Lava-Jato a responder ações em Curitiba. E foi o único a agredir a cidade, nos deu a alcunha de ‘república’, tentando soar pejorativo, e se deu mal, porque o termo pegou. Nenhum outro fez isso, nem Eduardo Cunha, nem Palocci. Curitiba se sente agredida por isso. Nossas campanhas são uma resposta a esse tipo de conduta. Ou ele pode tudo?”, pergunta. E segue: “No jogo dele, ele mesmo apita, joga e torce?”, justificou-se a advogada, no tom categórico que raramente abandonou em uma hora e meia de conversa, na qual inibiu com frequência manifestações dos colegas, ato que fez lembrar a jurista Janaína Paschoal, coautora do pedido que resultou no impeachment de Dilma Rousseff.

“Nossa indignação é a mesma com todos os corruptos”, disse Ruppell. “Mas, politicamente falando, Aécio Neves está morto, Eduardo Cunha está morto, e esperamos que Temer também. Mas não Lula.” Único do grupo que já votou no ex-presidente – arrependeu-se, garantiu –, ele levou pitos dos colegas quando tentou relativizar os crimes atribuídos ao petista. Ao chamar o atual presidente da República de “príncipe da corrupção”, foi interrompido (uma de tantas vezes) por Paula. “Se Temer é o príncipe, Lula é o quê? O imperador, o rei da corrupção”, ironizou. “Pode ser, mas Temer está em Brasília há mais tempo que Lula”, aquiesceu o ex-petista. “Não. Lula era corrupto desde os tempos de sindicato”, atalhou Machinsky, como se arbitrasse a questão.

“Se o símbolo máximo da corrupção vem a Curitiba, acho que temos que nos manifestar”, prosseguiu a advogada. “Os últimos 14 anos foram de governos lulo-petistas, e os escândalos eclodiram nesse período. Ou é exagero dizer que ele é o símbolo máximo?”, questionou. “Lula é a cereja no bolo”, comparou Machinsky. Ruppell interveio. “A gente até sabe que, em termos pecuniários, com certeza ele não é o que tem mais dinheiro para si próprio…” Não lhe permitiram completar a frase. “A gente não sabe. A Justiça está apurando isso ainda”, cortou Bettega. “O Geddel tem 51 milhões de reais no armário”, devolveu o colega. Bettega rebateu: “E quem garante que Lula não pegou mais que isso?”

s Lava Togas planejam suas ações em grupos de conversa no WhatsApp. “Somos democráticos. Qualquer um pode dar a ideia. Se for boa e todos aprovarem, levamos adiante”, falou Bettega, que a essa altura liderava a conversa. Foi assim que surgiu a ideia dos outdoors, espalhados pela cidade nas duas vezes em que Lula foi depor a Sergio Moro – além daquela de 13 de setembro, também outra, em 10 de maio, dessa vez sobre o tríplex no Guarujá.

Questionado a respeito do custo do protesto, o grupo esquivou-se. “Tenho reticências ao falar em dinheiro. É uma campanha voluntária, uma vaquinha. Sempre se especula isso, mas a especulação deveria ser sobre quanto dinheiro público se roubou”, devolveu de bate pronto a advogada. “Quanto foi gasto com os ônibus que trouxeram os apoiadores do Lula? Por que nunca saiu essa matéria? Quanto dinheiro o MST gastou para vir aqui? E que dinheiro é esse? O protesto deles é infinitamente maior que o nosso”, reclamou Machinsky. Um funcionário de uma das empresas que alugaram os espaços disse à piauí que cobra de 470 a 600 reais pelo ponto, a depender da localização – o que dá mais de 15 mil reais pelos 33 outdoors contratados pelos Lava Togas, com ajuda de outros grupos, em cada uma das vindas de Lula.

Foi da mesma forma que surgiu a ideia do helicóptero. “Uma colega nossa teve o insight na segunda-feira, dois dias antes da chegada do Lula. Ela mesma foi atrás e rachamos o custo com outra vaquinha”, afirmou Bettega. O grupo diz ter pago apenas pelo combustível da aeronave. Convidada a participar da entrevista, a autora da ideia, uma advogada trabalhista na faixa dos 40 anos, loura, que ostenta no perfil no Facebook fotos de apoio a Sérgio Moro, esquivou-se. “Ela falou que sofre pressões de colegas advogados e até de juízes por suas posições políticas”, justificou Paula.

Dono do helicóptero usado na ação, o empresário Eduardo Sikorski bradou por telefone as razões pelas quais diz ter emprestado a aeronave sem cobrar pelas horas de voo. “Fiz isso por mim, por insatisfação com a impunidade de todo mundo, desde Lula a Aécio, a Temer, essa corja toda de políticos sem-vergonha que temos no país.” Sikorski não é integrante dos Lava Togas e relatou em nossa conversa ter sofrido ameaças depois da manifestação. “Descobriram meu telefone, foram no meu Facebook. Teve até gente falando que levaria uma bazuca no próximo comício para derrubar o helicóptero”, disse, sem nomear os autores. “Prefiro não falar mais sobre isso.” Como é certa uma nova vinda de Lula a Curitiba – o petista responde a um terceiro processo sob os cuidados de Moro –, questionei-o se toparia repetir o sobrevoo. “Não sei. Vai depender do meu humor no dia”, rebateu antes de desligar.