terça-feira, 21 de julho de 2015

Telegrama mostra suspeita de favorecimento do Itamaraty a empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez no Haiti

Leandro Prazeres - UOL


  • Reprodução/Itamaraty
    Telegrama mostra que Itamaraty pode ter favorecido empreiteiras da Lava Jato no Haiti
    Telegrama mostra que Itamaraty pode ter favorecido empreiteiras da Lava Jato no Haiti
Telegramas divulgados pelo Itamaraty revelam que diplomatas brasileiros podem ter favorecido as empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez em uma licitação internacional para obras viárias no Haiti em 2006, quando o presidente era Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um telegrama enviado pela Embaixada do Brasil em Porto Príncipe ao Ministério das Relações Exteriores mostra que um diplomata cedeu documentos relativos a um conjunto de obras a representantes das duas empreiteiras antes mesmo de eles serem distribuídos a outras empresas brasileiras do setor. As empreiteiras e o governo brasileiro negam o favorecimento.
A possível atuação do Itamaraty em favor da Odebrecht tem sido investigada como parte de um inquérito que apura o suposto tráfico de influência do ex-presidente Lula junto a líderes internacionais para que a empreiteira conseguisse contratos fora do país. No dia 8 de julho, o MPF-DF (Ministério Público Federal do Distrito Federal) abriu um inquérito para investigar o caso.  Os telegramas divulgados em junho deste ano foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.
Um deles revela que, no dia 22 de agosto de 2006, o então embaixador brasileiro no Haiti Paulo Cordeiro de Andrade Pinto enviou um telegrama ao Itamaraty no qual ele relata ter recebido um "mapa com o planejamento" para obras de construção e recuperação de estradas do Haiti.
O mapa, segundo Cordeiro, teria sido elaborado pelo governo haitiano e as obras, avaliadas em US$ 215 milhões (valores da época), seriam financiadas por organismos estrangeiros como Banco Mundial, BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e União Europeia. Desde 2004, o Brasil liderava o braço militar da Minustah (Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti).
Ainda no telegrama, o ex-embaixador brasileiro no país afirma que, antes mesmo de remeter os mapas com o planejamento das obras ao Brasil para que o governo brasileiro informasse empresas de construção civil interessadas em participar de uma futura concorrência internacional para as obras no Haiti, ele cedeu o original dos documentos para os então representantes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez na República Dominicana, país que faz fronteira com o Haiti.
"Estou enviando por mala diplomática para a DOC [Divisão de Operações de Promoção Comercial do Itamaraty] o mapa com os projetos rodoviários para este país [Haiti], que foi cedido pelo BID. Esclareço ter conversado sobre o tema com os senhores Rommel Curzio e Ernesto Baiardi, respectivamente gerentes das filiais das construtoras Andrade Gutierrez e Odebrecht na República Dominicana a quem emprestei o original do mapa para que fizessem cópias", escreve o embaixador.

Suspeita de favorecimento

Para Vinícius Rodrigues Vieira, doutor e pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), a cessão do mapa com os projetos para as empresas Odebrecht e Andrade Gutierrez antes mesmo de o documento ter chegado ao Brasil é suspeita.
"É normal que o governo brasileiro tente promover empresas brasileiras no exterior. Mas esse tratamento levanta suspeitas em relação a um eventual favorecimento. Se o Brasil tinha outras empresas de construção civil aptas a atuar no exterior, por que o documento foi repassado primeiramente a essas duas empresas? Isso precisa ser investigado", afirma o pesquisador.
O Itamaraty, no entanto, negou que a Embaixada do Brasil no Haiti tenha favorecido as duas empreiteiras. Em nota enviada à reportagem do UOL, classificou como "correta" a conduta do então embaixador brasileiro.
"Como a informação sobre a licitação já estava sendo divulgada pelo próprio BID junto a potenciais investidores de outros países, concomitantemente ao envio para Brasília, o embaixador informou todas as empresas instaladas na ilha [Hispaniola, onde estão Haiti e República Dominicana]. Como os prazos de licitação são longos e o sistema de comunicação do MRE (Ministério das Relações Exteriores) é instantâneo, não houve diferença significativa entre a transmissão da informação no exterior e a chegada do relato a Brasília", afirmou o Itamaraty.
Questionado sobre a razão de o então embaixador ter divulgado as informações sobre o projeto antecipadamente às duas empreiteiras, o Itamaraty disse que o diplomata "repassou a mesma informação enviada a Brasília aos representantes de todas as empresas brasileiras com operação na ilha" e que "na época, somente havia a Odebrecht e a Andrade Gutierrez" operando na República Dominicana.
Por meio de suas assessorias de imprensa, as empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez negaram terem sido favorecidas pelo Itamaraty. A Odebrecht negou qualquer relacionamento indevido de seus executivos com diplomatas. "O teor das mensagens não indica nenhum tipo de ação que fuja à normalidade da prática diplomática internacional, o que inclui, em todo o mundo, o apoio à ação comercial do país e de suas empresas", disse.
A Andrade Gutierrez, por sua vez, disse que "a companhia considera que o relacionamento institucional de empresas brasileiras com atuação no exterior e representantes do governo brasileiro nesses países seja uma prática normal e legal". As duas empreiteiras afirmam que não executaram as obras citadas no telegrama.
Procurado pela reportagem do UOL, o BID, instituição que, segundo o telegrama da embaixada brasileira, teria cedido o mapa com os projetos das obras no Haiti, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a instituição "não comenta sobre comunicações diplomáticas dos governos".
Odebrecht e Andrade Gutierrez são algumas das empreiteiras investigadas pela operação Lava Jato, que investiga irregularidades em contratos firmados junto à Petrobras. Segundo as investigações, um grupo de empreiteiras formou um cartel e superfaturava contratos com a estatal. Parte do dinheiro obtido a partir do superfaturamento era repassada a partidos e políticos. Os presidentes das duas empresas, Marcelo Bahia Odebrecht, e Otávio Marques de Azevedo, estão presos.