Ricardo Baitelo e Carlos Tittl - Epoca
Operação da PF expôs o elo entre energia insustentável e corrupção no Brasil; um efeito colateral poderá ser um impulso às renováveis
Quando o governo federal anunciou a decisão de construir duas mega-hidrelétricas no rio Madeira, mesmo após um parecer contrário do Ibama, ambientalistas e técnicos do setor chiaram. As usinas eram obviamente problemáticas do ponto de vista ambiental: previa-se que causariam alagamentos, problemas à pesca e pressão sobre a floresta e os serviços públicos em Porto Velho (tudo isso está acontecendo hoje). O governo foi adiante: atropelou o Ibama, grudou nos ambientalistas o rótulo de inimigos do Brasil e licenciou Santo Antônio e Jirau.
Começava ali um roteiro que seria seguido depois em Belo Monte e agora no complexo de usinas do Tapajós: atropelos a salvaguardas socioambientais e fartos subsídios a empreendimentos caros, de alto risco e baixa viabilidade econômica. São investimentos que aumentam a fragilidade do sistema elétrico brasileiro ao colocar a geração a milhares de quilômetros dos centros de consumo e, como mostraram estudos recentes da Secretaria de Assuntos Estratégicos da própria Presidência, ainda nos deixam em risco de desabastecimento por causa das mudanças do clima. A ministra de Minas e Energia responsável por implementar esse modelo, na administração Lula, atendia pelo nome de Dilma Vana Rousseff.
A opção por hidrelétricas faraônicas fazia ainda menos sentido quando se olhava o que estava acontecendo no panorama energético lá fora. A energia solar entrava numa espiral descendente de preços, com o avanço de uma revolução chamada geração distribuída: cada família poderia produzir parte da eletricidade que consome ao instalar painéis solares em casa – energia segura e sustentável. Durante anos o governo federal torceu o nariz para a energia solar, alegando que essa fonte era cara demais. Só não explicava por que subsidiar solar não podia, mas tudo bem empatar R$ 30 bilhões para barrar o rio Xingu.
Uma das maiores razões para essa fixação em grandes obras começou a ser escancarada pela Polícia Federal e o Ministério Público: corrupção. A Operação Lava Jato, que já havia levantado indícios fortes de pagamento de propinas em Belo Monte, começou nesta semana a vasculhar mais a fundo o setor elétrico. Na última terça-feira, foi preso o diretor licenciado da Eletronuclear. A “holding” Eletrobras está agora na mira dos investigadores.
Há muito tempo se especula sobre o elo entre energia insustentável e corrupção: partidos políticos fatiam entre si os cargos-chave no setor. Os operadores de cada partido elegem as obras prioritárias e distribuem sua execução entre as empreiteiras do “clube”. Estas superfaturam os preços e, em troca, irrigam o caixa dos partidos e o bolso pessoal dos operadores partidários nos órgãos públicos. Como requinte de crueldade, ainda recebem crédito subsidiado do BNDES para isso, numa operação cujas dimensões o governo relutou em revelar. Quanto maior a obra, quanto mais pedra, cimento e terra escavada, mais gorda é a propina. A conta sobra para a população, que paga três vezes: pelo sobrepreço, pelo subsídio e pelo passivo ambiental.
Começava ali um roteiro que seria seguido depois em Belo Monte e agora no complexo de usinas do Tapajós: atropelos a salvaguardas socioambientais e fartos subsídios a empreendimentos caros, de alto risco e baixa viabilidade econômica. São investimentos que aumentam a fragilidade do sistema elétrico brasileiro ao colocar a geração a milhares de quilômetros dos centros de consumo e, como mostraram estudos recentes da Secretaria de Assuntos Estratégicos da própria Presidência, ainda nos deixam em risco de desabastecimento por causa das mudanças do clima. A ministra de Minas e Energia responsável por implementar esse modelo, na administração Lula, atendia pelo nome de Dilma Vana Rousseff.
A opção por hidrelétricas faraônicas fazia ainda menos sentido quando se olhava o que estava acontecendo no panorama energético lá fora. A energia solar entrava numa espiral descendente de preços, com o avanço de uma revolução chamada geração distribuída: cada família poderia produzir parte da eletricidade que consome ao instalar painéis solares em casa – energia segura e sustentável. Durante anos o governo federal torceu o nariz para a energia solar, alegando que essa fonte era cara demais. Só não explicava por que subsidiar solar não podia, mas tudo bem empatar R$ 30 bilhões para barrar o rio Xingu.
Uma das maiores razões para essa fixação em grandes obras começou a ser escancarada pela Polícia Federal e o Ministério Público: corrupção. A Operação Lava Jato, que já havia levantado indícios fortes de pagamento de propinas em Belo Monte, começou nesta semana a vasculhar mais a fundo o setor elétrico. Na última terça-feira, foi preso o diretor licenciado da Eletronuclear. A “holding” Eletrobras está agora na mira dos investigadores.
Há muito tempo se especula sobre o elo entre energia insustentável e corrupção: partidos políticos fatiam entre si os cargos-chave no setor. Os operadores de cada partido elegem as obras prioritárias e distribuem sua execução entre as empreiteiras do “clube”. Estas superfaturam os preços e, em troca, irrigam o caixa dos partidos e o bolso pessoal dos operadores partidários nos órgãos públicos. Como requinte de crueldade, ainda recebem crédito subsidiado do BNDES para isso, numa operação cujas dimensões o governo relutou em revelar. Quanto maior a obra, quanto mais pedra, cimento e terra escavada, mais gorda é a propina. A conta sobra para a população, que paga três vezes: pelo sobrepreço, pelo subsídio e pelo passivo ambiental.
O conluio entre agentes públicos e empreiteiras era algo de que apenas se suspeitava, até a Lava Jato puxar o fio da meada de outra produtora de energia suja e intensiva em capital – a Petrobras – e botar na cadeia os presidentes das maiores construtoras do país. O mergulho ora iniciado no setor elétrico tem tudo para não deixar tijolo sobre tijolo.
Um efeito colateral das investigações poderá ser um impulso às energias renováveis que operem de forma mais descentralizada. Com a ligação entre construtoras e agentes públicos exposta, o governo pode se sentir inibido em seguir tocando a mesma música. É uma oportunidade para uma ação mais séria em geração solar distribuída (contam-se em poucas centenas as residências no Brasil que têm painéis solares e trocam energia com a rede).
O governo dá sinais de que pressentiu o golpe. O próprio discurso de Dilma sobre renováveis mudou: em 2012, ela chamava a energia solar de “fantasia”; no mês passado, adotou uma meta de expansão de eletricidade renovável para 20% da matriz em 2030. Mesmo que a meta não seja nada ambiciosa - poderíamos chegar a pelo menos 40% - o fato de a presidente falar hoje em investir em energia solar é, sim, novidade.
No mês que vem, o Ministério de Minas e Energia realiza um leilão de energia solar fotovoltaica. Um segundo está marcado para novembro, e só o ritmo atual de contratação já superaria a meta pífia de 3,5 gigawatts instalados projetada pelo governo para 2023. Alguns Estados já começam a rever sua política de tributação para energia solar.
Nunca se deve duvidar da capacidade do sistema político brasileiro de mudar para manter o status quo. Bem pode ser que após a Lava Jato a corrupção encontre outros caminhos para continuar poluindo, desmatando e excluindo. Mas nunca o caldo de cultura no país esteve tão favorável a outras fontes de energia, renováveis e limpas, em todos os sentidos – e em novas formas de vendê-las e distribuí-las.
Ricardo Baitelo, 39, é coordenador da campanha de Clima e Energia do Greenpeace, uma organização integrante do Observatório do Clima
Carlos Rittl, 46, é secretário-executivo do Observatório do Clima, uma rede de entidades da sociedade civil
Um efeito colateral das investigações poderá ser um impulso às energias renováveis que operem de forma mais descentralizada. Com a ligação entre construtoras e agentes públicos exposta, o governo pode se sentir inibido em seguir tocando a mesma música. É uma oportunidade para uma ação mais séria em geração solar distribuída (contam-se em poucas centenas as residências no Brasil que têm painéis solares e trocam energia com a rede).
O governo dá sinais de que pressentiu o golpe. O próprio discurso de Dilma sobre renováveis mudou: em 2012, ela chamava a energia solar de “fantasia”; no mês passado, adotou uma meta de expansão de eletricidade renovável para 20% da matriz em 2030. Mesmo que a meta não seja nada ambiciosa - poderíamos chegar a pelo menos 40% - o fato de a presidente falar hoje em investir em energia solar é, sim, novidade.
No mês que vem, o Ministério de Minas e Energia realiza um leilão de energia solar fotovoltaica. Um segundo está marcado para novembro, e só o ritmo atual de contratação já superaria a meta pífia de 3,5 gigawatts instalados projetada pelo governo para 2023. Alguns Estados já começam a rever sua política de tributação para energia solar.
Nunca se deve duvidar da capacidade do sistema político brasileiro de mudar para manter o status quo. Bem pode ser que após a Lava Jato a corrupção encontre outros caminhos para continuar poluindo, desmatando e excluindo. Mas nunca o caldo de cultura no país esteve tão favorável a outras fontes de energia, renováveis e limpas, em todos os sentidos – e em novas formas de vendê-las e distribuí-las.
Ricardo Baitelo, 39, é coordenador da campanha de Clima e Energia do Greenpeace, uma organização integrante do Observatório do Clima
Carlos Rittl, 46, é secretário-executivo do Observatório do Clima, uma rede de entidades da sociedade civil