Risco país e nível de endividamento bruto superam o de nações
sem grau de investimento na escala da S&P, como Rússia e Turquia
A piora na perspectiva da nota de crédito do país pela Standard and Poor's (S&P) colocou o Brasil mais próximo de perder o grau de investimento. Mas, na prática, o rebaixamento já chegou: o país compartilha das mesmas mazelas macroeconômicas de nações que deixaram de possuir o selo de confiança, como Rússia, Turquia e Portugal. São elas: alto endividamento, incapacidade para gerar superávit primário (a economia para pagar juros da dívida), baixo nível de investimento, gastos públicos excessivos e inflação acima da meta. Outro agravante é a instabilidade política, que adia a implementação do ajuste fiscal e, consequentemente, o processo de retomada econômica. "O que está em jogo é quanto de juros o Brasil precisa pagar a mais para que as pessoas comprem ativos brasileiros. O que se sabe é que esse valor não é diferente do cobrado para países sem grau de investimento", diz Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor do Banco Central (BC).
Como a reação do mercado é captada antes que a das agências, o risco de rebaixamento já vem sendo precificado há meses. Para João Augusto de Castro Neves, diretor para América Latina da consultoria Eurasia, alguns efeitos dessa precificação são a oscilação no câmbio e a queda nos investimentos do país. "No segundo semestre, a volatilidade deve se acentuar. No horizonte, temos a continuidade das investigações da Operação Lava Jato, dúvidas sobre o impeachment, além da aprovação de 'bombas' fiscais por parte do Congresso", diz. O dólar se valorizou 26% de janeiro a julho, enquanto os investimentos medidos pela Formação Bruta de Capital Fixo recuaram 6,9%, segundo os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao primeiro trimestre do ano na comparação com 2014.
Não à toa, um levantamento recente do Bank of America Merrill Lynch mostra que o Brasil é o país emergente com maior risco de perder o grau de investimento. Segundo a pesquisa, realizada antes da decisão da S&P, 65% dos gestores ouvidos apostavam que o rebaixamento pode ocorrer nos próximos dois anos. Em outros emergentes, como África do Sul e Indonésia, os porcentuais são menores, de 55% e 20%, respectivamente. No caso da Turquia, que ainda tem grau de investimento nas escalas da Fitch e da Moody's, a chance de perda do selo de bom pagador é de 50%.
Especialistas ouvidos pelo site de VEJA citam, sobretudo, o CDS (Credit Default Swap, na sigla em inglês), que é uma espécie de seguro do mercado internacional contra a inadimplência, como exemplo de que o rebaixamento já chegou. Com esse tipo de mecanismo financeiro, o comprador paga um "prêmio" ao vendedor para se proteger de um possível risco de calote. Se esse fato se concretiza, o vendedor (no caso o Brasil, por exemplo) é obrigado reembolsar o prêmio ao comprador. Quanto mais próximo de zero, melhor a classificação do país. Nesta quinta-feira, o CDS do Brasil foi de 290 pontos-base, superior ao da Turquia (238) e Portugal (175). Nações com grau de investimento colecionam cifras bem inferiores: Alemanha, Suíça, Noruega, todas com 20 pontos-base. No fim da fila aparecem Grécia (2.305), Ucrânia (2020) e Venezuela (4930). O Brasil, agora, caminha em direção ao patamar de vizinhos pouco afeitos ao dinheiro estrangeiro.
Outro índice que reforça essa avaliação é o Emerging Market Bond Index (EMBI), calculado pelo banco JP Morgan, que também mede a capacidade de um país honrar seus compromissos financeiros. Na quinta-feira, o EMBI do Brasil atingiu 316 pontos-base, acima de Tuquia (274) e próximo de Rússia (341).
Consequências - A perda do grau de investimento pode trazer inúmeras consequências negativas nos próximos meses. Segundo analistas, deve haver impacto na volatilidade dos mercados de câmbio e ações, bem como a dificuldade para empresas públicas e, sobretudo, privadas obterem financiamento. Ou seja, o Brasil tende a estender a pecha de mercado arriscado às empresas mais expostas à dívida do governo - e, em última instância, até mesmo àquelas que não suscitam qualquer suspeita. "O custo de captação de recursos aumenta e, com ele, a possibilidade de um ajuste mais célere, o que alarga o horizonte da retomada. O impacto é significativo, ainda que não seja uma volta aos anos 1980", explica Castro Neves, da Eurasia. Sem o grau de investimento, empresas e pessoas físicas terão de pagar juros maiores, o que também pode levar a cortes de investimento e empregos.
No mercado de capitais, onde as empresas se financiam, o efeito deve ser o adiamento de emissões de títulos de renda fixa e uma maior dificuldade para venda de ações previstas para este ano. No câmbio, o efeito deve ser uma maior desvalorização do real, que pode pressionar a já elevada inflação no país, que atinge o dobro da meta no acumulado em 12 meses. O presidente da Austin Ratings, Erivelto Oliveira, atenta para o risco de uma fuga de recursos estrangeiros do país. "Grandes investidores institucionais estrangeiros - como fundos de pensão e investimento - não podem aplicar dinheiro em países em grau especulativo. Este é um dos principais motivos que levam o Brasil a tentar reverter o atual cenário", diz. Em 2015, o investimento estrangeiro direto, que mede a entrada de recursos no país para ser aplicado ao setor produtivo, recuou 32% no primeiro semestre deste ano, em relação a 2014, a 31 bilhões de dólares.
Apesar de a questão fiscal ser o principal fator de rebaixamento, é o setor privado que deverá ser mais afetado, na avaliação de Thomas Trebat, diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia. Ele aponta que o setor público tem fontes alternativas de financiamento, enquanto o Brasil não possui um mercado de capitais suficientemente desenvolvido para financiar empresas privadas. "O governo ainda capta recursos no mercado doméstico, há muitos investidores dispostos a correr risco, e o país tem quase 400 bilhões de dólares de reservas internacionais", explica. Indiretamente, no entanto, o governo também é afetado, já que, em tempos de ajuste, conta com o setor privado para alavancar a taxa de investimento e a capacidade produtiva do país.
Na visão dos analistas, o viés negativo por parte da S&P pegou o mercado de surpresa. Isso porque eles esperavam um movimento inicial da Moody's, que visitou o Brasil recentemente, e o mantém em um degrau acima da S&P. Na escala da Moody's, o rating do Brasil é Baa2, com perspectiva negativa, dois degraus acima do grau especulativo. Para a Fitch, o rating do Brasil é BBB, com perspectiva negativa, e também dois degraus acima do grau especulativo. Segundo os analistas, a maior probabilidade é de que essas agências sigam a S&P e reduzam a nota para o último degrau antes do ingresso para grau especulativo.
O governo - e apenas ele - se diz confiante que o país não será rebaixado. Apesar de os números dizerem o contrário, integrantes do Palácio do Planalto contam com a revisão da meta fiscal, de 1,1% para 0,15% do PIB, para injetar uma dose de credibilidade no plano de voo para reorganizar as contas. Para os analistas, no entanto, trata-se de missão quase impossível em um cenário político hostil, com tensões entre partidos da base aliada retardando o ajuste fiscal, e os desdobramentos da Lava Jato tragando o governo para o centro do turbilhão de corrupção. Esse fator, aliás, foi citado pela S&P como explicação para o rebaixamento da nota. Prova de que a agência não olha apenas para os números, e sim para todo o contexto, na hora de decidir a nota. Fossem apenas os números, o grau estaria perdido.