segunda-feira, 30 de março de 2015

"Tome jeito, Joaquim Levy!"

Com Blog do Noblat - O Globo


Não sei se Joaquim Levy gosta de filmes policiais americanos. E se lembra da advertência feita pelos policiais na hora em que prendem alguém: “Você tem o direito de permanecer calado. Tudo o que disser poderá ser usado contra você no tribunal”.
Caso a advertência não seja feita e o preso diga algo que o incrimine, o que disse não será levado em conta. É o que manda a Constituição dos Estados Unidos.
A presidente Dilma Rousseff, ou algum preposto dela, deveria ter dito a Levy antes que ele assumisse o Ministério da Fazenda: “Você tem o direito de permanecer calado. Tudo o que disser poderá ser usado contra você”.
Quem sabe assim ele não teria escapado das trapalhadas que o obrigam a se desmentir seguidamente? Foram quatro até aqui. Cada uma pior do que a outra.
Em 21 de janeiro último, na Suíça, Levy disparou: “A gente pode ter um trimestre de recessão, e isso não quer dizer nada em relação ao crescimento”.
Dilma fez cara feia. Levy deu marcha ré. Admitiu que o termo correto não era “recessão”, mas “contração”.
Para o leigo, não fez diferença. Fez para os ouvidos de Dilma. E animou os que querem ver o ministro pelas costas.
Dois dias depois, em entrevista ao jornal inglês “Financial Times”, Levy derrapou outra vez: “O programa de seguro-desemprego é completamente ultrapassado”.
Dilma rosnou de novo. Cobrou do ministro um desmentido. Por meio de sua assessoria, Levy mandou dizer aos jornalistas que o que havia dito tivera como objetivo “ampliar o debate para aperfeiçoar o programa”. Gracinha, não?
Em 28 de fevereiro, a propósito do programa de desoneração da folha de pagamento adotado por Guido Mantega, o ministro que o antecedeu, Levy comentou: “Você aplicou um negócio que era muito grosseiro. Essa brincadeira nos custa R$ 25 bilhões por ano”.
Brincadeira? Por pouco, Dilma não mordeu Levy. Que, humilde, afirmou que fora “infeliz” e “coloquial demais”. Sentiu pena dele?
A mais recente trapalhada aconteceu na semana passada. E atingiu Dilma diretamente.
Em palestra para ex-alunos da Universidade de Chicago, onde se graduou, Levi disse em inglês o que pode ser traduzido assim: “Acho que há um desejo genuíno da presidente de acertar as coisas, às vezes não da maneira mais fácil, mas... Não da mais efetiva, mas há um desejo genuíno”.
Levy desculpou-se rapidinho:
- Aqueles que têm a honra de encontrarem-se ministros sabem que a orientação da política do governo é genuína, reconhecem que o cumprimento de seus deveres exige ações difíceis, inclusive da Exma Sra. Presidente, Dilma Rousseff, e eles têm a humildade de reconhecer que nem todas as medidas tomadas têm a efetividade esperada.
Entendeu? Eu não.
O que Dilma e Levy têm em comum? Falta-lhes jeito para manipular cristais sem destruir nenhum.
Com uma diferença: a presidente da República é Dilma, eleita e reeleita pelo voto popular. Levy nunca foi votado. É ministro porque Dilma quer. Deixará de ser quando quiser ou quando ela quiser.
A conjuntura obriga Levy a fazer política. E essa está longe de ser a praia dele. Daí as mancadas. Daí o risco de cair por ter falado demais.
No presidencialismo brasileiro, por mais fraco que esteja o presidente, ninguém manda mais do que ele. A não ser que ele abdique de mandar.
Getúlio Vargas matou-se. Mas com seu gesto, permaneceu influente por mais de uma década.
João Goulart fugiu para o exterior com medo de provocar derramamento de sangue.
À Dilma não falta a coragem dos temerários. Ela já deu provas disso.