Ainda sem conseguir compor seu novo conselho de administração apenas com pessoas de renome no mercado, a Petrobras sofreu um revés com o anúncio do conselheiro Mauro Cunha, que decidiu não concorrer a mais um mandato e saiu atirando.
Em carta, o executivo disse que tomou a decisão diante da "incapacidade do acionista controlador [a União] em agir com o devido grau de urgência para reverter os inúmeros problemas que trouxeram a Petrobras à situação atual" e frente aos "abusos cometidos contra a companhia".
O executivo faz uma referência indireta à incapacidade da estatal em apresentar um balanço auditado, o aumento do endividamento (em boa medida para atender ao desejo do governo de manter investimentos em projetos não rentáveis, como as refinarias do Maranhão e Ceará) e os atos de corrupção, vindos à tona com a operação Lava Jato.
Segundo ele, essas incapacidade ficou mais "evidente com as propostas levadas à Assembleia Geral de Acionistas de 2015" –que não prevê a aprovação do balanço auditado (problema mais urgente da estatal porque pode antecipar o pagamento da maior parte das dívidas da companhia), mas inclui um aumento de remuneração de 13% à diretoria da estatal, que vive a maior crise de sua história.
Ao final da carta, Cunha agradece a "honra e confiança" depositada a ele, mas segue atirando: "Faço votos de que a comunidade de acionistas e trabalhadores defendam a Petrobras dos abusos cometidos contra a companhia". Cunha estava há dois anos no conselho da Petrobras.
Cunha estava há dois anos no conselho da Petrobras.
CONFLITO DE INTERESSES
Procurado, Cunha disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que não irá se pronunciar até a assembleia de acionistas, em respeito à lei das S/As, que determina sigilo dos membros do conselho.
A Folha apurou, porém, que na ocasião ele fará um balanço sobre sua gestão e deve intensificar as críticas à ação do governo na companhia e a gestão atual da estatal.
Além da incapacidade em de chegar a um cálculo das perdas com corrupção que impede o aval da auditora independente PwC ao balanço, o conselheiro se irritou com o fato de nomes de membros do conselho serem divulgados antes serem discutidos em reunião formal do colegiado e do conflito de interesses entre a Vale e a Petrobras, conforme a Folha revelou em 23 deste mês.
Indicado pelo governo, a Petrobras divulgou que Murilo Ferreira, presidente da Vale, assumirá a presidência do conselho na próxima assembleia de acionistas. No entendimento dos acionistas minoritários, o nome deveria ser apreciado antes pelo colegiado, que elegeu na semana passada para o cargo interinamente Luciano Coutinho, presidente do BNDES e conselheiro da estatal.
HISTÓRICO
Formado em economia na PUC-Rio e com especialização em finanças pela Universidade de Chicago, Cunha é presidente da Amec (associação que representa investidores profissionais, como fundos, bancos e gestoras de recursos) há seis anos.
Antes, havia trabalhado em gestoras de recursos como Mauá Investimentos e Opus. Foi eleito para o conselho da Petrobras em 2013 como representante dos acionistas minoritários detentores de ações ordinárias (com direito a voto).
Sob sua gestão, obteve na Justiça uma vitória contra a Petrobras, que passou a ser obrigada a apresentar aos investidores estrangeiros a composição das chapas do conselho de administração antecipadamente. Antes, ela só era apresentada na data da assembleia de acionistas e só restava os estrangeiros acompanhar o voto do controlador ou se abster.
Com a mudança, foi possível, em 2014, a eleição do economista e consultor José Monforte como representante dos donos de ações preferenciais, no lugar do empresário Jorge Gerdau.