terça-feira, 31 de março de 2015

"Por dentro da caixa-preta da Receita Federal", editorial de O Globo

Depois do petrolão, surge o golpe da ‘venda’ do perdão de multas junto ao Fisco, outro caso típico de país em que o Estado é obeso e tem grande ingerência na sociedade


Países com Estados obesos, muito presentes na economia, de estratosféricos custos de manutenção, e, portanto, insaciáveis coletores de impostos, tendem a apresentar elevados índices de corrupção. Pois, quanto maior a ingerência da burocracia estatal na vida da sociedade, seja de forma direta, pela administração central, ou indireta, por meio de companhias públicas, mais amplas são as possibilidades de o dinheiro do contribuinte ser surrupiado. Afinal, enorme poder fica concentrado em um pequeno grupo de servidores, de carreira ou não, sempre a salvo de controles independentes.

Por uma coincidência pedagógica, o Brasil dos dias que correm apresenta exemplos bem-acabados de assaltos ao Erário. No petrolão, desviam-se recursos do Tesouro por um esquema montado na Petrobras, com fins pecuniários privados e para lubrificar finanças partidárias (PT,PP, PMDB) e de políticos. E acaba de surgir, também de uma operação da Polícia Federal — Zelotes, uma espécie de Lava-Jato —, um outro esquema, este construído nada menos do que no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), instância em que são julgados pedidos de suspensão de multas e outras penalidades lavradas por fiscais da Receita Federal junto a contribuintes.

Segundo investigações da PF, a anulação em todo ou em parte de débitos para com a Receita de grandes grupos empresariais seria conseguida em troca de propinas que variariam entre 1% e 10% do valor das dívidas, geralmente muito elevadas. Num país de carga tributária pesada, como o Brasil, o Erário é um espaço aberto a corruptos e corruptores.

Da lista de prováveis beneficiários do esquema constam os bancos Bradesco, Safra, Pactual e Boston; no setor de alimentação, a BR Foods; no automobilístico, Ford e Mitsubishi; no de comunicações, o grupo RBS; a Light, na distribuição de energia, a empreiteira Camargo Corrêa, e até a estatal Petrobras, além de, no siderúrgico, o Gerdau. Encontram-se sob escrutínio R$ 19 bilhões, correspondentes a penalidades existentes em 70 processos que podem ter sido “negociados” pelo esquema.

A Petrobras, devido às suas raízes de empresa monopolista, sempre teve a tendência de se fechar em si mesma, mesmo sendo uma companhia de capital em bolsa. Já a caixa-preta da Receita, esta é fechada de forma ainda mais hermética.

O importante direito do cidadão ao sigilo tributária costuma ser usado como escudo quando se cobra transparência à Receita. Mas a Operação Zelotes mostra que há mesmo déficit de luz do sol nas entranhas da principal repartição de coleta de impostos no Brasil.

Pouco ou nada se sabe sobre os conselheiros do Carf e o próprio órgão: como são escolhidos os conselheiros, quantos processos tramitam no órgão, quanto em multas é perdoado ou não etc. São informações que não implicam a quebra de sigilos. Sonegá-las facilita golpes como o que se encontra sob investigação.