O mais comum, e quase acaciano, seria imaginar que um presidente reeleito tenha a intenção de dar continuidade, no seu segundo mandato, às linhas e orientações adotadas durante seus primeiros quatro anos no poder.
O caso de Dilma Rousseff (PT) se furta, em alguns aspectos, à trivialidade desse raciocínio. De uma perspectiva talvez exagerada, é como se só agora a presidente inaugurasse de fato o seu governo, o qual teria pouco em comum com o emperrado esforço administrativo dos últimos tempos.
Será justificada a interpretação? A Dilma 2.0 viria, para alguns, desfazer os males legados pela sua antecessora –que, no entanto, foi ela mesma. O cenário é improvável, mas vale analisar os componentes que lhe dão verossimilhança.
O primeiro foi a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda.
Sinalizou-se uma preocupação de controle fiscal e de realismo tarifário em tudo alheia aos arranjos e remendos que caracterizaram os derradeiros anos da gestão de Guido Mantega.
Ao que tudo indica, a distância do segundo para o primeiro mandato de Dilma será tão nítida, nesse aspecto, quanto a que se verificaria caso Aécio Neves (PSDB) tivesse vencido a batalha pela sucessão.
Outro ponto em que o novo governo pode marcar seu diferencial em relação ao passado diz respeito ao caso Petrobras. Até por um reflexo de autodefesa, a tendência do grupo dilmista não pode deixar de ser a de recuar, para os tempos do governo Lula, a responsabilidade pelos desmandos da estatal.
Embora Dilma tenha participado, durante mais de uma década, dos processos de tomada de decisão da empresa, pode ainda argumentar que, em última análise, foi iniciativa sua a de chamar a atenção para o desastroso negócio da refinaria de Pasadena (EUA).
São conhecidas, ademais, as divergências de Dilma com o antigo presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, e os mais notórios membros de sua equipe.
Das notícias específicas sobre o escândalo passa-se facilmente a um terceiro fator capaz de pressionar pela renovação do poder presidencial neste segundo mandato. É o mais arriscado e incerto; concerne às relações de Dilma com o ex-presidente Lula.
Na medida em que tenta livrar-se de responsabilidade direta pela derrocada da Petrobras, a atual governante do país não tem como deixar de colocar o problema nas costas de seu antecessor.
Por sua vez –numa conjuntura econômica desfavorável, com um ministro da Fazenda ortodoxo e com os desgastes políticos das investigações na Petrobras–, Lula dificilmente fugiria à tentação de acentuar discordâncias com o governo Dilma, visando a seu próprio retorno daqui a quatro anos.
Alguns sinais de afastamento se registram de ambos os lados. O nome mais próximo de Lula na equipe ministerial, Gilberto Carvalho, cede a Miguel Rossetto a Secretaria-Geral da Presidência.
Das nomeações anunciadas, poucos são os nomes do petismo que obtiveram, por assim dizer, o aval de uma inconteste proximidade com Lula. Aloizio Mercadante, na Casa Civil, e José Eduardo Cardozo, na Justiça, estiveram em situação algo marginal nos círculos do poder lulista.
Se o PT já tinha razões de reclamar da nomeação de um economista como Joaquim Levy, é inegável que o novo ministério traz outras tentativas de aceno à direita e ao establishment empresarial.
Não apenas Kátia Abreu, na Agricultura, é nome de difícil absorção para o que resta de ideológico no PT; também Gilberto Kassab, no Ministério das Cidades, e o espantoso teólogo e apresentador George Hilton, do PRB, no lugar de Aldo Rebelo, no Ministério dos Esportes, seriam sinais –ao lado da coorte fisiológica e do peemedebismo de sempre– de uma inflexão conservadora por parte de Dilma Rousseff.
O que, sendo a política brasileira o que se conhece, não livra a presidente dos problemas que o aparelhamento de Estado e o jogo intimidatório do PT criaram até aqui. Desvincular-se do lulismo exige uma dependência maior das grandes e pequenas legendas de aluguel.
O risco de passar de uma dependência a outra poderia valer a pena caso a presidente se imbuísse de mensagens e projetos capazes de fortalecer-lhe a imagem pessoal. Foi assim, temporariamente, na época em que se apresentou como "faxineira" do Planalto.
Mas o que se viu, ao longo dos últimos quatro anos, foi uma presidente da República com reduzidas capacidades de reconfigurar a conjuntura a seu favor.
Sem saber a diferença entre liderança e truculência, entre firmeza e teimosia, Dilma tem parecido sempre menor do que os desafios do cargo –os quais, faça-lhe justiça, avalia sem medo nem frivolidade.
Na campanha eleitoral, Dilma Rousseff avançou na bandeira de uma reforma política; tem noção, sem dúvida, dos inúmeros problemas que a corrupção provoca no país; está diante de imposições prementes nas áreas previdenciária, tributária e de infraestrutura.
Levando em conta seu estilo, que não é o do traquejo e da simpatia, talvez não tenha outra saída a não ser enfrentar tais dificuldades com um senso resignado dos limites da própria missão.
Dado seu reduzido potencial de "virtù" política, todavia, não há como não considerar exageradas as expectativas de que o faça, durante seu segundo mandato, com o grau de sucesso de que o país precisa.