quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

"Feliz 2016", por Alexandre Schwartsman

Folha de São Paulo


2014, o ano que acabou antes de começar, se encaminha para um fim melancólico, embora previsível. Ainda assim, deixará saudades.

O consenso de mercado, conforme capturado pela pesquisa Focus desta semana, aponta para crescimento de 0,55% no ano que vem, enquanto a inflação chegaria a 6,53%, em larga medida em razão do reajuste dos assim chamados "preços administrados", na prática reprimidos muito além do razoável nos últimos anos.
Já eu considero otimista a projeção de um crescimento em 2015 superior ao de 2014.

Em entrevista recente, o futuro ministro da Fazenda aponta para aperto fiscal de R$ 56 bilhões no ano que vem (desconfio também de que mais será necessário, mas fiquemos com seu número), pouco mais que 1% do PIB. Como se imagina, a maior parte desse ajuste deverá vir sob a forma de impostos mais elevados.

Já o BC, depois de enfiar os pés pelas mãos ao prometer "parcimônia" nas próximas reuniões do Copom, esqueceu o que havia escrito 12 dias antes e agora jura que irá "fazer o que for necessário para que no próximo ano a inflação entre em longo período de declínio que a levará à meta de 4,5% em 2016".

Obviamente, depois de tantas idas e vindas, não há quem ponha a mão no fogo pela palavra do BC (eu certamente não), mas, se o compromisso for à vera, implica taxas de juros ainda mais altas em 2015, adicionando pressões para baixo sobre a demanda doméstica e, portanto, o nível de atividade.

Por fim, sem querer transformar a coluna numa longa lista de fatores negativos, os aumentos de preços administrados acima mencionados, principalmente energia e transportes, devem reduzir a renda das famílias, eliminando um dos poucos elementos que têm sustentando o consumo nos últimos trimestres.

Em resumo, não há o que indique crescimento mais forte no ano que se inicia. O país conseguirá, portanto, a proeza de exibir, simultaneamente, inflação elevada e crescimento (ainda mais) ridículo, um acontecimento raro.

Isto dito, por mais que se atribua o provável desempenho sofrível da economia em 2015 às políticas acima descritas, a verdade é que não foram estas (nem sequer adotadas, aliás) que nos colocaram na atual situação.

Crescimento baixo, inflação elevada e deficit externos crescentes são o legado de mais um experimento heterodoxo no país, muito embora uns e outros ainda se recusem a admitir o óbvio fracasso. Como sempre ocorre nesses casos, cabe às políticas tradicionais o papel de nos tirar da encrenca e não será dessa vez que quebraremos esse triste padrão.

A desaceleração do ano que vem faz parte do custo da farra dos últimos cinco anos. Diante de uma trajetória crescente da dívida do governo, que saltou de 53% para 63% do PIB de 2010 para cá, inflação na casa de 6,5%, um setor elétrico em total desarranjo (apesar do suposto profundo conhecimento da presidente sobre o setor), entre outras distorções, não há alternativa séria que não requeira uma inversão radical da política econômica.

Assim, é bastante provável que em 2015 testemunhemos uma piora considerável do emprego. O desemprego, que até agora se manteve baixo graças à saída em massa dos jovens do mercado de trabalho, deve, portanto, subir de forma mais marcante do que vem ocorrendo no período mais recente, erodindo a única conquista do governo no campo econômico.

Nesse contexto, com a inflação ainda alta, graças à escolha do BC pela convergência lenta (se convergência houver), não é necessário ser um gênio da política para concluir que o apoio ao governo, já decrescente, deverá minguar ainda mais. Isso lança dúvidas consideráveis acerca da firmeza da administração quanto a seguir o rumo agora sugerido.

Não sabemos, portanto, se 2015 representará o primeiro passo para nossa redenção ou mera interrupção na estrada da decadência que nos assola. De uma forma ou de outra, 2015 já era. Feliz 2016...