domingo, 28 de dezembro de 2014

Após dez anos de avanços no mercado de trabalho, informalidade para de cair

Clarice Spitz - O Globo

Estado do Rio tem quatro cidades entre as 24 com maior número de trabalhadores informais

Com uma economia que cresce pouco mais de zero, a taxa de desemprego se mantém ainda nas mínimas históricas, mas a qualidade do mercado de trabalho já não é mais a mesma. Depois de uma queda sistemática desde 2004, a informalidade parou de cair no segundo semestre de 2014. Em novembro, os trabalhadores sem proteção (sem carteira, conta própria e sem rendimento) representavam 32,45% do total dos brasileiros ocupados nas seis maiores regiões metropolitanas do país. A taxa é praticamente a mesma de agosto.

Em 2013, mesmo com um mercado de trabalho com resultados menos favoráveis em relação à renda e à geração de vagas, a informalidade manteve queda sistemática e encerrou o ano, em média, em 32,84%, um ponto percentual abaixo de 2012.

Este ano, a queda na informalidade deve ser bem menor. Segundo o economista Carlos Henrique Corseuil, diretor-adjunto de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o indicador deve encerrar o ano, em média, meio ponto percentual abaixo de 2013. Isso porque até maio a taxa ainda caía na comparação com o mesmo mês do ano passado. No segundo semestre, porém, a informalidade estagnou num cenário de aumento do número de trabalhadores por conta própria, apesar da manutenção dos empregos com carteira e da redução dos sem carteira. O percentual de trabalhadores por conta própria passou de 17,96% entre julho e novembro de 2013 para 18,93% no mesmo período de 2014.

‘ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA’

A estagnação da informalidade é semelhante ao que ocorreu no segundo semestre de 2009, quando o mercado de trabalho sentiu os efeitos da crise financeira internacional, diz Corseuil. Para ele, agora o fenômeno seria uma primeira amostra da volta ao mercado de trabalhadores que tinham deixado de procurar emprego, o que explica a baixa taxa de desemprego, apesar da pequena criação de vagas.

Corseuil estima, no entanto, que uma recuperação é possível no segundo semestre de 2015:
— Depois de um período em que a pessoa vê que as perspectivas não estão melhorando, volta ao mercado de trabalho como conta própria numa estratégia de sobrevivência — afirma.

— Em 2009, o período de alta da informalidade durou nove, dez meses e depois recuperou.

Números mais abrangentes do Censo 2010 mostram um quadro de informalidade ainda disseminado no país. Existem 33,2 milhões de trabalhadores sem proteção, dos quais 20,5% estão baseados em apenas 24 municípios, que incluem capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Salvador e cidades da região metropolitana, como Guarulhos. Isso levou a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a recomendar, após a criação de uma ampla base de dados sobre sistemas de trabalho decente no país, uma combinação de políticas focadas nessas regiões para reduzir a informalidade no Brasil.

— Existe uma concentração espacial. Isso nos preocupa, porque mostra que existem bolsões mais resistentes de informalidade e pessoas com dificuldade de se inserir em estruturas formais de emprego — afirma José Ribeiro, coordenador nacional de Indicadores de Trabalho Decente da OIT.

Altas taxas de informalidade são uma realidade em municípios das regiões Nordeste e Norte. No Piauí, só uma cidade (Teresina) das 223 têm mais de 50% de trabalhadores formais. No Maranhão, somente três cidades (São Luís, Paço do Lumiar e Campestre do Maranhão) têm ao menos metade dos trabalhadores em empregos formais. Mas a estratégia de concentrar esforços em algumas cidades não é uma unanimidade. O economista Gabriel Ulyssea, da PUC-Rio e do Ipea, avalia que políticas definidas geograficamente podem gerar distorções:

— Pode haver uma alta dos custos para as empresas nesses municípios, e a informalidade pode migrar para outras cidades. É preciso reduzir os custos e aumentar os benefícios de ser formal. Diminuir a carga tributária das empresas, não apenas as do Simples e dos Microempreendedores Individuais.

RIO TEM QUATRO CIDADES COM MAIS INFORMAIS

O Estado do Rio tem quatro cidades entre as 24 com maior número de trabalhadores informais, segundo a OIT. Além da capital, estão cidades como Duque de Caxias, São Gonçalo e Nova Iguaçu. Segundo o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, a informalidade na Região Metropolitana do Rio guarda particularidades, com uma força de trabalho formada por trabalhadores mais velhos e por empreendedores:

— É basicamente a informalidade do idoso, que faz bico para complementar a renda. É mais voltada para o empreendedorismo. No Nordeste, a informalidade é principalmente de jovens.

O economista e ex-presidente do IBGE Sergio Besserman Vianna avalia que vale a pena concentrar os esforços de políticas públicas para a formalização do mercado de trabalho nesses municípios, desde que sejam investigadas as causas deste fenômeno. No caso do Rio, lembra da importância do setor de serviços:

— Há muito a melhorar no mercado de trabalho do Rio, especialmente em qualificação de mão de obra e redução da informalidade. E em uma cultura na qual as normas da economia de mercado se confrontam com a prioridade a relações pessoais.

Depois de trabalhar com carteira, Marta Borges da Silva, de 39 anos, hoje é autônoma. Mãe de dois filhos, de 7 e 17 anos, e sem a ajuda dos pais das crianças, apenas com o auxílio do Bolsa Família, Marta vende bebidas, balas e biscoitos numa banca no Centro. 

Ela era auxiliar administrativa em uma empresa até 2006, quando o empregador fechou as portas. Estava grávida e, desde que o filho mais novo nasceu, faz bicos para sobreviver. A solução para ter uma fonte de renda e não deixar o caçula sozinho foi trabalhar por conta própria.

— Por incrível que pareça, é bom trabalhar por conta própria, fazer meu horário. Dá para ganhar mais de um salário — diz Marta. — É claro que é sempre melhor trabalhar com carteira assinada. Mas hoje ficou muito difícil para mim. O que cobram para tomar conta de uma criança é mais do que um salário.

(Colaborou Renan Almeida)