Dólar em alta, crise na Rússia, estagnação na Europa, ajuste na China, preços de exportação em queda, tudo isso é fichinha, em comparação com a maior fonte de risco para o Brasil - o governo federal, chefiado formalmente pela presidente reeleita, subordinado à fome de poder do PT e com escalação incompleta a poucos dias da posse. A maior parte dos ministros confirmados até o Natal foi escolhida pelo critério do loteamento, com alguma alteração nas cotas partidárias.
A noção de competência pode ter influído na seleção de alguns nomes para a área econômica, mas só aí. Os demais postos foram distribuídos para atender às ambições de partidos e de líderes aliados. Alguém terá pensado na competência de cada um para o cargo? Mas o serviço ficou incompleto. Devorados os perus natalinos, faltava preencher 22 postos do Ministério, uma tarefa aparentemente perigosa. Sem a cooperação do Ministério Público, seria difícil puxar a capivara - a folha de antecedentes, na velha linguagem policial - dos possíveis indicados.
A preocupação com a folha corrida dos ministeriáveis é explicável, e até justificável, pela multiplicação de denúncias ligadas ao escândalo da Petrobras. Algumas pessoas poderão achar louvável esse cuidado. Mas a cautela seria tão importante, se o risco de escolha de algum implicado fosse muito baixo? Não bastaria a verificação rotineira, realizada pelo serviço de informação do gabinete presidencial? A presidente parece insegura em relação ao campo de escolha de colaboradores. Esse campo, no Brasil, tem sido muito restrito, porque o presidencialismo de coalizão foi convertido, na prática, numa partilha de butim.
A limitação do campo combina com uma peculiaridade notável da política e das finanças brasileiras. A economia nacional é uma das dez maiores do mundo. A soma de exportações e importações, a chamada corrente de comércio, supera US$ 450 bilhões. O Brasil capta cerca de US$ 60 bilhões de investimentos diretos e recebe um enorme fluxo de outros financiamentos. Apesar de tantos dólares movimentados, parece haver uma estranhíssima escassez de operadores de câmbio. Sem essa hipótese, como explicar a numerosa e luzida clientela servida por um único operador, Alberto Youssef?
Nesse estranho mundo, a escolha de ministros deve ser mesmo complicada. Com tantos aliados e companheiros listados entre os clientes de Youssef e mencionados pelos beneficiários da delação premiada, fica difícil dizer quem permanece fora da ilustre confraria.
Em outros tempos, a presidente poderia, sem grande risco aparente, nomear clientes do mesmo doleiro para postos importantes da administração direta e das grandes estatais. Estaria apenas seguindo o padrão nacional, consolidado especialmente nos últimos 12 anos, de partilha do poder. Ou, em linguagem mais precisa, estaria repartindo os benefícios proporcionados por um poder estatal convertido em ativo privado, negociável e transferível em arrendamento a partidos e políticos aliados. Esse estilo de administração continua em vigor, mas agora certos cuidados são necessários.
Para começar, alguns membros do serviço público - na Polícia Federal, na Procuradoria da República e no Judiciário - têm agido como funcionários do Estado, sem levar em conta, aparentemente, as conveniências do grupo governante. Isso pode ser chocante para muitos políticos brasileiros, principalmente para aqueles incapazes de distinguir partido e Estado.
Em segundo lugar, as pressões do mercado sobre o governo e as estatais têm ficado mais intensas. A rolagem de títulos públicos tornou-se mais custosa em 2014. As agências de classificação de risco têm intensificado a vigilância. Pouco antes do Natal a Moody's apontou, pela segunda vez em 20 dias, o risco de um novo rebaixamento da nota da Petrobras. Sem a publicação de um balanço auditado, a empresa poderá ser forçada a antecipar o pagamento de US$ 17,6 bilhões de dívidas. Mas como conseguir o aval de uma auditoria, se o tamanho dos danos causados pelas bandalheiras é ignorado?
Nos Estados Unidos, na véspera do Natal, a cidade de Providence, capital do Estado de Rhode Island, iniciou processo contra a Petrobras, sua administração, duas subsidiárias internacionais e 15 bancos envolvidos na distribuição de papéis da companhia. As acusações atingem a presidente da estatal, Graça Foster, e o diretor financeiro, Almir Barbassa. Em Nova York, três outras ações coletivas já haviam sido abertas em dezembro. Ninguém está reclamando de um fenômeno típico de mercado, a depreciação das ações, mas da corrupção, só denunciada recentemente, e das informações enganosas.
As investigações sobre a Petrobras e sobre as pessoas envolvidas na pilhagem da empresa ainda poderão avançar muito mais do que até agora. A devassa realizada pela Polícia Federal e pela Promotoria manterá o caso em evidência mesmo depois de publicadas - ninguém sabe quando - as contas do terceiro trimestre.
O escândalo internacional evidencia mais uma vez a arrogância de quem se apropriou do Estado e se julgou capaz de mandar e desmandar sem consequências. Os promotores da bandalheira superestimaram sua influência dentro e fora do País. Nem todos os envolvidos, é verdade, foram denunciados. Mas ninguém pode seriamente duvidar da responsabilidade de quem exerceu o poder de aparelhar e lotear a administração e de reunir companheiros e aliados num grande saque. A investigação apenas começou.
Até agora, a presidente deu poucos sinais de haver ponderado esses fatos. Alguns ministros poderão esforçar-se para consertar as bases da economia e repô-la em crescimento. Será um trabalho desperdiçado, se a presidente for incapaz de romper com o estilo de governo consolidado na última década. O mau estado da economia é só mais uma consequência desse estilo autoritário, arrogante e irresponsável.
A preocupação com a folha corrida dos ministeriáveis é explicável, e até justificável, pela multiplicação de denúncias ligadas ao escândalo da Petrobras. Algumas pessoas poderão achar louvável esse cuidado. Mas a cautela seria tão importante, se o risco de escolha de algum implicado fosse muito baixo? Não bastaria a verificação rotineira, realizada pelo serviço de informação do gabinete presidencial? A presidente parece insegura em relação ao campo de escolha de colaboradores. Esse campo, no Brasil, tem sido muito restrito, porque o presidencialismo de coalizão foi convertido, na prática, numa partilha de butim.
A limitação do campo combina com uma peculiaridade notável da política e das finanças brasileiras. A economia nacional é uma das dez maiores do mundo. A soma de exportações e importações, a chamada corrente de comércio, supera US$ 450 bilhões. O Brasil capta cerca de US$ 60 bilhões de investimentos diretos e recebe um enorme fluxo de outros financiamentos. Apesar de tantos dólares movimentados, parece haver uma estranhíssima escassez de operadores de câmbio. Sem essa hipótese, como explicar a numerosa e luzida clientela servida por um único operador, Alberto Youssef?
Nesse estranho mundo, a escolha de ministros deve ser mesmo complicada. Com tantos aliados e companheiros listados entre os clientes de Youssef e mencionados pelos beneficiários da delação premiada, fica difícil dizer quem permanece fora da ilustre confraria.
Em outros tempos, a presidente poderia, sem grande risco aparente, nomear clientes do mesmo doleiro para postos importantes da administração direta e das grandes estatais. Estaria apenas seguindo o padrão nacional, consolidado especialmente nos últimos 12 anos, de partilha do poder. Ou, em linguagem mais precisa, estaria repartindo os benefícios proporcionados por um poder estatal convertido em ativo privado, negociável e transferível em arrendamento a partidos e políticos aliados. Esse estilo de administração continua em vigor, mas agora certos cuidados são necessários.
Para começar, alguns membros do serviço público - na Polícia Federal, na Procuradoria da República e no Judiciário - têm agido como funcionários do Estado, sem levar em conta, aparentemente, as conveniências do grupo governante. Isso pode ser chocante para muitos políticos brasileiros, principalmente para aqueles incapazes de distinguir partido e Estado.
Em segundo lugar, as pressões do mercado sobre o governo e as estatais têm ficado mais intensas. A rolagem de títulos públicos tornou-se mais custosa em 2014. As agências de classificação de risco têm intensificado a vigilância. Pouco antes do Natal a Moody's apontou, pela segunda vez em 20 dias, o risco de um novo rebaixamento da nota da Petrobras. Sem a publicação de um balanço auditado, a empresa poderá ser forçada a antecipar o pagamento de US$ 17,6 bilhões de dívidas. Mas como conseguir o aval de uma auditoria, se o tamanho dos danos causados pelas bandalheiras é ignorado?
Nos Estados Unidos, na véspera do Natal, a cidade de Providence, capital do Estado de Rhode Island, iniciou processo contra a Petrobras, sua administração, duas subsidiárias internacionais e 15 bancos envolvidos na distribuição de papéis da companhia. As acusações atingem a presidente da estatal, Graça Foster, e o diretor financeiro, Almir Barbassa. Em Nova York, três outras ações coletivas já haviam sido abertas em dezembro. Ninguém está reclamando de um fenômeno típico de mercado, a depreciação das ações, mas da corrupção, só denunciada recentemente, e das informações enganosas.
As investigações sobre a Petrobras e sobre as pessoas envolvidas na pilhagem da empresa ainda poderão avançar muito mais do que até agora. A devassa realizada pela Polícia Federal e pela Promotoria manterá o caso em evidência mesmo depois de publicadas - ninguém sabe quando - as contas do terceiro trimestre.
O escândalo internacional evidencia mais uma vez a arrogância de quem se apropriou do Estado e se julgou capaz de mandar e desmandar sem consequências. Os promotores da bandalheira superestimaram sua influência dentro e fora do País. Nem todos os envolvidos, é verdade, foram denunciados. Mas ninguém pode seriamente duvidar da responsabilidade de quem exerceu o poder de aparelhar e lotear a administração e de reunir companheiros e aliados num grande saque. A investigação apenas começou.
Até agora, a presidente deu poucos sinais de haver ponderado esses fatos. Alguns ministros poderão esforçar-se para consertar as bases da economia e repô-la em crescimento. Será um trabalho desperdiçado, se a presidente for incapaz de romper com o estilo de governo consolidado na última década. O mau estado da economia é só mais uma consequência desse estilo autoritário, arrogante e irresponsável.