sábado, 1 de abril de 2023

Usina solar em aterro desativado de Curitiba evidencia potencial da geração de energia limpa

Parte dos 8,6 mil painéis solares da usina fotovoltaica instalada sobre o aterro da Caximba, em Curitiba.| Foto: José Fernando Ogura/SMCS


Há pouco mais de dez anos, o aterro sanitário da Caximba, na região sul da capital paranaense, recebia a última carga de resíduos. Desde 1989, a área era responsável por aterrar o lixo de 14 municípios da Região Metropolitana de Curitiba. Projetado inicialmente para receber pouco mais de 3,2 mil toneladas de resíduos, o aterro da Caximba completou, ao fim da vida útil, em 2010, mais de quatro vezes essa quantidade. Área tida como um verdadeiro passivo ambiental, o aterro ganhou nesta semana uma nova utilidade durante as comemorações dos 330 anos de Curitiba com a inauguração da Pirâmide Solar, um projeto pioneiro de geração de energia solar na América Latina.


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A novidade gira em torno do local escolhido para a instalação dos cerca de 8,6 mil painéis solares. O topo do maciço mais alto do aterro, em um desnível de mais de 60 metros em relação ao solo, é onde foram instaladas as estruturas de geração solar. Em entrevista à Gazeta do Povo, a secretária de Meio Ambiente de Curitiba, Marilza do Carmo Oliveira Dias, explicou os motivos que levaram à instalação da usina solar sobre o aterro.

“Nós temos um foco no enfrentamento às mudanças climáticas. E o aterro da Caximba é emblemático porque é o palco de uma transformação, justamente por substituir algo que é poluente e responsável por uma carga enorme de emissões por uma outra estrutura que funciona justamente no sentido de evitar essas emissões”, disse ela.

Apesar de o aterro ter deixado de receber novos resíduos em 2010, explicou a secretária, o local continua “vivo”. As milhares de toneladas de lixo depositadas camada abaixo de camada seguem em decomposição, e devem permanecer assim por pelo menos mais algumas décadas. Entre as etapas de manutenção e monitoramento da estrutura desativada está o sistema de tratamento do efluente – os resíduos que se formam dentro da montanha de lixo, gases e líquidos. É um trabalho que, segundo a própria secretaria, custa cerca de R$ 100 mil mensais à prefeitura.


Pirâmide Solar deve suprir 30% do consumo dos prédios públicos

Com a entrada em funcionamento, a usina solar deve compensar parte desses custos. A expectativa é que os painéis consigam gerar mais de 500 megawatts/hora todos os meses. Essa energia, suficiente para abastecer mais de 2 mil residências, será integrada à rede de distribuição da Companhia Paranaense de Energia (Copel), responsável pela rede elétrica de Curitiba. Por sua vez, a Copel fará a compensação da energia gerada pela Pirâmide Solar da Caximba na forma de desconto na conta de luz dos prédios públicos da prefeitura de Curitiba.

“Essa geração será suficiente para suprir cerca de 30% da energia consumida nessas edificações. No final do ano, esperamos que isso gere uma economia entre R$ 2,6 milhões e R$ 3 milhões para os cofres municipais. Pelos nossos cálculos, levando-se em conta os investimentos públicos e privados e o tempo de vida útil dos painéis, a Pirâmide Solar se pagará após 10 anos. Isso significa que teremos pelo menos mais 20 anos de economia na conta de luz da Prefeitura”, comemorou Marilza.


Obra contou com investimento internacional

No cálculo da secretária entram os cerca de R$ 28 milhões investidos pela própria prefeitura, além dos aportes feitos por entidades privadas internacionais, como a Sociedade Alemã de Cooperação Internacional (GIZ), o Ministério Federal Alemão para o Desenvolvimento Econômico e Cooperação (BMZ), o Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial do Reino Unido (BEIS) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).

Para conseguir o financiamento, de cerca de um milhão de dólares, o projeto foi selecionado pelo grupo de cidades C40, formado por 96 municípios ao redor do mundo, responsáveis por mais de 20% do PIB mundial. Além de Curitiba, foram contempladas cidades da Colômbia, África do Sul, Equador, Filipinas e Tanzânia – os projetos ambientais desses municípios foram premiados pelo Cities Finance Facility (CFF).


Projeto da usina solar sobre o aterro foi desafiador

Marcelo Abuhamad é diretor comercial da Bono Fotovoltaico, e em entrevista à Gazeta do Povo detalhou os desafios na execução da Pirâmide Solar da Caximba, do projeto à ligação da usina. Segundo ele, a instalação dos painéis solares no topo do local só foi possível por causa do rigoroso controle que vem sendo feito junto ao aterro.

Em outras usinas, como as instaladas em terrenos, a sustentação dos painéis é feita com perfurações e instalação de pilares. No caso da Caximba, explicou Abuhamad, isso seria impossível por conta das movimentações no terreno, conhecidas pelo termo técnico “recalque”. A saída foi encontrar um meio de garantir que os painéis se movam de forma segura conforme o aterro for sofrendo movimentações, naturais nesse tipo de estrutura.

“Em instalações convencionais, tudo o que a gente não quer é que haja esse recalque, uma vez que isso pode danificar a sustentação e até mesmo os painéis. No caso da Caximba, graças ao controle que a prefeitura faz no aterro, foi possível calcular o tamanho dessa movimentação ao longo dos anos. Dessa forma, nós projetamos a sustentação de forma a quando ocorrer alguma deformação no solo, que toda a estrutura de painéis se movimente junto com o talude”, explicou.


A Pirâmide Solar da Caximba tem potencial para gerar mais de 500 megawatts/hora por mês, o suficiente para abastecer 2 mil residências.| José Fernando Ogura/SMCS


Outra característica inovadora do projeto, apontou o diretor comercial, foi o fato de ajudar a desmistificar a imagem de Curitiba como uma “cidade nublada”. As características topográficas da capital do Paraná, a mais alta do Brasil – com cerca de mil metros de desnível em relação ao Oceano Atlântico – não representam empecilhos para a geração de energia fotovoltaica.

“Curitiba tem seus dias cinza, e a gente sabe que pela altitude e proximidade com a serra fica mais fácil a formação de nuvens. Mas mesmo nesses dias sem céu limpo ela tem tanto ou mais potencial de geração do que as cidades mais ensolaradas da Europa. Estamos acostumados a pensar em geração de energia solar no Nordeste, no Rio de Janeiro, no Mato Grosso, por exemplo, por serem regiões onde o sol brilha mais forte. Mas o ponto interessante é que não é preciso ter a luz do sol incidindo diretamente sobre os painéis. No caso da Caximba, os sensores captam também o rebote da luz que chega ao solo e acaba, mesmo que parcialmente, refletindo na parte de baixo dos painéis. E se é possível gerar energia limpa com uma usina instalada sobre um aterro sanitário em Curitiba, é possível fazer o mesmo em qualquer cidade do Brasil”, detalhou.


Curitiba quer chegar a 2024 com 60% de energia solar nos prédios públicos

Além da Pirâmide Solar da Caximba, a prefeitura de Curitiba conta com outros projetos dentro do programa Mais Energia. De acordo com a secretária municipal de Meio Ambiente, estão previstas a utilização da energia elétrica gerada em uma pequena usina hidrelétrica instalada no Parque Barigui, somada à instalação de novos painéis solares nos telhados de terminais de transporte coletivo e da Rodoferroviária da capital.

“Temos um sistema fotovoltaico instalado no Palácio 29 de Março, que é a sede do governo municipal. O nosso Jardim Botânico tem também um sistema próprio fotovoltaico na Galeria das Quatro Estações. Estamos com obras de implantação dessas usinas nos terminais (de ônibus) e na Rodoferroviária. Quando todos esses projetos estiverem concluídos, esperamos que isso seja em 2024, vamos conseguir suprir mais de 60% do consumo de todos os prédios públicos do município”, afirmou.



Fabio Calsavara, Gazeta do Povo