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Pensei no Estado que passa a mão na cabeça de traficantes, que advoga a favor da liberação das drogas e do desencarceramento de bandidos, no Estado que ataca religiões
Desde outubro do ano passado eu tenho um programa no YouTube, o Meia Hora com Motta. É quase um programa de rádio, só que pela internet. É uma conversa despretensiosa com amigos que não conheço, espalhados por todo Brasil e até pelo exterior.
É algo que nunca havia pensado em fazer. Não sou youtuber. Não tenho cabelo colorido (na verdade, quase não tenho cabelo), não sei contar piadas, não conheço fofocas de celebridades e nem tenho a habilidade de criar manchetes histéricas — as chamadas clickbaits —, que fazem com que as pessoas cliquem no vídeo e o coloquem no topo da audiência.
Não faço nada disso.
Apenas me sento no meu escritório, ligo a câmera e converso com meus amigos distantes, como se estivessem sentados ao meu lado, sobre temas que considero importantes. Alguns desses temas são difíceis; o passado recente vem tentando nos empurrar para o desânimo, para o medo e, muitas vezes, quase para o pânico.
“O garoto não devia ter mais do que 15 anos de idade. Estava completamente drogado. Em pé, cambaleando, ao lado do portão, aguardava a saída da mãe”
Tento falar sobre tudo com seriedade, sobriedade, leveza, e com a serenidade possível. Aprendi que o tom da conversa é, frequentemente, mais importante que seu conteúdo.
A experiência tem superado minhas expectativas.
A maior surpresa foi a quantidade de pessoas dispostas a compartilhar histórias de vida. No final do programa, sempre leio a carta de algum espectador. Às vezes, levo bronca de pessoas que me corrigem: “Não são cartas Roberto, são mensagens de e-mail”.
Eu prefiro chamá-las de cartas mesmo.
Algumas delas, quando as leio em voz alta, me emocionam e embargam minha voz. Outros relatos são tão fortes que é impossível lê-los no ar.
Há algumas semanas, andando na rua, encontrei meu filho. Sobre esse evento tão trivial e precioso, publiquei esse texto no Twitter:
“Alegria em estado puro: a alegria de encontrar seu filho, por acaso, andando na rua. Ele já tinha me visto antes que eu o visse. Quando percebi que era ele, ele já estava sorrindo. E aí você percebe como ele está grande, maior que você; você percebe o andar firme e seguro; você fica olhando ele se afastar e não consegue entender o milagre de ter visto um bebê se transformar naquele homem alto, bonito e seguro de si. E o que eu faço agora com esse sorriso que não quer ser apagar do meu rosto?”
Para minha surpresa, o texto — o registro rápido de uma emoção inesperada — teve grande repercussão.
Alguns dias depois recebi uma carta — uma mensagem por e-mail. Vou reproduzir o texto aqui apenas com as alterações necessárias para proteger a identidade do remetente.
Olá, Roberto.
Hoje presenciei uma situação que me lembrou seu texto sobre o encontro com seu filho, por acaso, na rua. Seu texto foi tão precioso que provocou, de imediato, um sentimento bom demais, uma batida forte que só cabe no coração de quem é pai ou mãe.
Por isso queria compartilhar com você o que testemunhei. Por sua grande sensibilidade pela fragilidade humana.
Moro perto de um hospital em Jacarepaguá. Hoje de manhã, ao sair de casa, presenciei uma cena muito triste.
Um filho aguardava no portão do hospital pela saída da mãe, uma enfermeira, que trabalha lá como plantonista. O que vi é difícil de descrever e mais ainda de esquecer.
O garoto não devia ter mais do que 15 anos de idade. Estava completamente drogado. Em pé, cambaleando, ao lado do portão, aguardava a saída da mãe. Quando ela saiu, viu o filho naquele estado. Foi justamente naquele instante que eu passava por ali. Meus olhos se cruzaram com os olhos dela.
Na mesma hora, lembrei do seu texto, que eu tinha acabado de ler. Ao contrário da sua experiência, os olhos daquela mãe não brilhavam.
Naquele olhar eu vi que não era a primeira vez que aquilo acontecia.
O filho começou a gritar com ela na frente dos colegas de trabalho. Ele berrava dizendo que ela não fazia nada por ele e não lhe dava dinheiro.
Ela se manteve calma e tentou acalmar o garoto. Depois colocou as mãos no ombro dele e o levou embora, descendo a rua.
Eu não consegui olhar para trás.
Comecei a chorar.
Pensei na tristeza dessa mãe, na destruição da família, na falta de esperança.
Pensei em como a sociedade permite que isso aconteça; pensei no Estado que passa a mão na cabeça de traficantes, que advoga a favor da liberação das drogas e do desencarceramento de bandidos, no Estado que ataca religiões.
O que vi ali era o resultado dessas políticas.
O que vi ali era um enredo de sofrimento e perda.
Voltei para casa rezando por aquela mãe e seu menino.
Eu já estava sensibilizada por seu texto. Ele expressou a coisa preciosa que é o amor de um pai por seu filho. Quando me deparei com aquela cena, logo em seguida, alguma coisa desabou dentro de mim.
Imagino que esse deva ser o cotidiano de muita gente em nossa cidade. Vivendo a rotina agitada de nossas vidas, não percebamos o flagelo das drogas tomando conta da sociedade, silenciosamente.
Até que, um dia, ele nos espera na saída do trabalho.
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