Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália (à esq.), e Riikka Purra, parlamentar finlandesa do Partido dos Verdadeiros Finlandeses (à dir.) | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Ao contrário do que foi anunciado, partidos populistas não morreram na pandemia, e estão cada vez mais fortes
Estou sentado em um bar na Place Luxembourg, perto do Parlamento da União Europeia, em Bruxelas. Meus dois companheiros de copo — assessores políticos que trabalham com membros do EPP, o Partido Popular Europeu, conservador e mainstream — realmente não gostam de ouvir o que estou dizendo.
Comento o impressionante sucesso do Movimento Agricultor-Cidadão, o BBB (BoerBurgerBeweging), nas últimas eleições provinciais da Holanda. Esse movimento político agrário surgiu do nada e se tornou tão popular que tem mais que o dobro do apoio em comparação com o partido político mais próximo. De repente, o BBB se tornou maioria no Senado. Estou empolgado quando conto que estou satisfeito com o sucesso do Partido dos Finlandeses nas eleições parlamentares da semana passada.
O partido ficou em segundo lugar na disputa, e sua líder, Riikka Purra, teve uma votação maior que a dos líderes dos demais partidos individualmente. A grande porcentagem de jovens — a chamada geração TikTok — que votou no Partido dos Finlandeses revela que, ao contrário da sabedoria popular, uma legenda populista pode chegar a todos os setores da população.
Posso dizer que meus companheiros de bar estão ficando incomodados com meu monólogo celebratório, então resisto à tentação de lembrá-los que ali perto, em Flandres, a um pulo de onde estamos, o partido que lidera são os separatistas do Vlaams Belang. Não faço menção ao fato de que o Partido da Liberdade da Áustria tem uma clara liderança nas pesquisas. Nem uma palavra vinda de mim sobre as razões pelas quais o Democratas Suecos emergiu como o segundo partido mais popular nas eleições nacionais do ano passado.
Tampouco ouso lembrar que o partido de Giorgia Meloni, o populista Irmãos da Itália, garantiu a parcela mais alta dos votos de um único partido nas últimas eleições italianas. Não tenho motivos para jogar sal nessa ferida existencial aberta.
No entanto, o que quero dizer a eles é que seus amigos que controlam o Partido Popular Europeu passaram a se preocupar tanto com a ascensão de um novo grupo de movimentos populares antiestablishment que correm o risco de se desconectar das realidades políticas. Ainda mais preocupante é a tendência dos políticos do EPP de abraçar o preconceito da mídia mainstream e olhar para partidos populistas, como o Partido dos Finlandeses, como a escória do cenário político. Muitas vezes parece que o que eles realmente querem fazer é colocar esses partidos arrivistas em quarentena e impedi-los de participar de governos de coalisão. O EPP, assim como seus primos verdes e socialistas da União Europeia, gostaria de criar um mundo livre dos populistas.
A polarização política chegou ao ponto em que a democracia e o espírito por meio do qual ela se sustenta estão sob constante a ameaça de uma tecnocracia antissoberania psicologicamente insegura
Durante e imediatamente depois da pandemia da covid-19, os partidos políticos mainstream e seus amigos da mídia torceram para que a magnitude dessa emergência amedrontasse o eleitorado a não votar em partidos populistas. Eles acreditaram que o público tinha ficado tão assustado com a pandemia que rejeitaria movimentos radicais e apoiaria a bolha mainstream tecnocrata sensata. Durante a pandemia, os desafetos do populismo expressaram com frequência a esperança de que a covid-19 acabaria com seus inimigos.
A grande mídia ocidental reagiu com um tom triunfal à suposta ascensão ao poder de tecnocratas tomadores de decisão e ao colapso do populismo. “O populismo foi uma vítima da pandemia”, declarou o jornal britânico The Times. “O grande recomeço: o apoio aos políticos populistas ‘colapsou’ durante a pandemia de covid”, noticiou o SciTechDaily.
Com um suspiro de alívio, a CNBC garantiu: “A política populista perdeu apoio em nível global durante a pandemia”.
Por sorte, os numerosos obituários escritos sobre a derrocada do populismo provaram que isso não passou de um desejo coletivo dos eurocratas. Antes que eu pudesse pegar embalo e explicar por que os movimentos que desafiam o velho establishment político em toda a Europa vieram para ficar, uma das companheiras no bar virou para mim, apontou o dedo para a minha cara e exclamou: “Na verdade, você é um populista, não é?!”. Ela pareceu imaginar que eu teria uma reação defensiva e evitaria me associar com esse xingamento. Quando assenti, ela me perguntou como um autor de boa formação e ex-professor universitário como eu poderia se chamar de populista.
Minha resposta foi simples e direta: “Sou populista porque acredito na democracia e na capacidade das pessoas de tomarem as decisões certas”.
Tentei destacar que sua animosidade em relação aos movimentos descritos como populistas é motivada por um distanciamento psíquico da vida das classes trabalhadoras e que, em alguns casos, o antipopulismo é um sintoma da demofobia — o medo ou a aversão a demos.
Os dois me olham com incredulidade, e intuí que eu não estava me fazendo entender. Acho que chegamos a um impasse, por causa da enorme distância que separa a maneira como as elites voltadas para o globalismo e a vasta maioria das pessoas entendem a própria situação. Eles acreditam que simplesmente não compreendo as complexidades do nosso mundo no século 21. Do ponto de vista deles, meu comprometimento com a soberania popular e nacional revela uma falta de sofisticação e inabilidade de acompanhar o avanço do tempo.
Ainda que não tenham dito, eles provavelmente imaginam que minha opinião é prova de que sou um chauvinista e um xenófobo. Mas são educados demais para me chamar de “extrema direita” na minha frente, então sou poupado da necessidade de encerrar essa conversa de forma desagradável.
Apesar das nossas discordâncias, estou decidido a continuar nossa conversa, para garantir que vamos sair da câmara de eco de Bruxelas.
Desde que comecei a trabalhar na capital belga, sou constantemente lembrado de que a polarização política chegou ao ponto em que a democracia e o espírito por meio do qual ela se sustenta estão sob constante a ameaça de uma tecnocracia antissoberania psicologicamente insegura. Sua imaginação globalista é espontaneamente atraída por uma perspectiva que menospreza a cultura nacional e seus valores tradicionais. Essas pessoas olham com um profundo desdém para valores como patriotismo e lealdade à nação. Se tudo acontecer como elas querem, os valores que constituem a base da civilização europeia correrão risco. O único obstáculo no caminho desse projeto é o surgimento dos novos movimentos populistas.
Muitas das reações e atitudes associadas ao populismo constituem o que a filósofa política Hannah Arendt teria caracterizado como a busca pela autoridade pré-política. É por isso que a família, a casa, a solidariedade entre a comunidade e a nação têm um significado tão importante para o movimento populista. Sua busca pela atribuição de sentido por meio da formação da solidariedade pré-política muitas vezes se manifesta na afirmação da família tradicional, da vida em comunidade, da religião e da solidariedade. A tentativa de reapropriação da moral vai diretamente contra a essência das normas culturais que prevalecem na bolha de Bruxelas.
Se o projeto populista ganhar mais terreno e conseguir influenciar as gerações mais novas, algo novo e emocionante pode surgir. Depois de décadas de confusão e desorientação moral, agora sou capaz de imaginar um mundo em que a ascensão do populismo pode se tornar o prenúncio de um novo Renascimento europeu. Isso não vai acontecer de forma espontânea. Os novos movimentos ainda estão se situando, eles precisam transformar seus ideais em uma visão estratégica que possa conectar o fato de que as pessoas aspiram à solidariedade e comunidade com um futuro voltado para a perspectiva política. Nosso trabalho está feito!
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