domingo, 16 de abril de 2023

Como um padre resgatou 14 mil crianças do terror de Fidel Castro

 

Um dos voos da Operação Pedro Pan, pela qual crianças cubanas foram enviadas por seus pais para viver nos Estados Unidos e fugir do regime comunista de Fidel Castro.| Foto: Reprodução


Gus Fraga tem 70 anos e toca uma empresa do setor financeiro na região metropolitana de Orlando. Ele é um homem de sucesso, em todos os sentidos. Casado com o amor de sua vida, e que também é sua sócia na empresa, ele tem o prazer de ter seus filhos trabalhando consigo, todos já muito bem casados e com seus respectivos filhos.

Conheci Gus pouco tempo atrás, quando entrei em sua empresa para pedir algumas informações. Não precisei de mais de cinco minutos de conversa para perceber que ele era uma pessoa extremamente incomodada com os caminhos que a nação norte-americana tem tomado nas décadas recentes. Gus é cubano, e sua vida muito bem vivida nos Estados Unidos da América se deve a um programa fantástico desenvolvido pela Igreja Católica durante a década de 1960, a Operação Pedro Pan.

Cerca de 14 mil crianças cubanas foram transportadas de avião para Miami por ação do Catholic Welfare Bureau durante a Operação Pedro Pan (referência à versão espanhola do nome do famoso personagem de J.M. Barrie). Essas crianças aprenderam inglês, tornaram-se cidadãs americanas e realizaram grandes feitos nos Estados Unidos. Gus tinha apenas 7 anos quando foi trazido para os Estados Unidos. De Miami, foi levado a uma família católica em New Jersey. Meses depois, sua irmã também foi resgatada e enviada para a mesma família, para que pudessem ficar juntos à espera de seus pais. Levaria quatro anos até que o senhor e a senhora Fraga conseguissem fugir de Cuba e finalmente reencontrar seus filhinhos amados. Com quase 100 anos, a mãe de Gus ainda vive, cercada de bisnetos.


Cerca de 14 mil crianças cubanas foram transportadas de avião para Miami durante a Operação Pedro Pan. Essas crianças aprenderam inglês, tornaram-se cidadãs americanas e realizaram grandes feitos nos Estados Unidos


\Ao me contar sua história, Gus deixou transparecer toda a emoção de décadas atrás. Ele me disse: “Pesquise sobre a Operação Pedro Pan e você verá o quão maravilhoso foi esse trabalho. Milhares de crianças foram salvas”. E foi exatamente o que eu fiz. Dentre as 14 mil crianças, algumas histórias são públicas e estão disponíveis em blogs e reportagens na internet.

Mel Martinez tinha apenas 16 anos e falava pouco inglês quando embarcou em um avião e deixou para trás seus pais e sua terra natal, Cuba, rumo aos Estados Unidos. Jose Azel, 11 anos, também fugiu da nação insular como menor desacompanhado, com destino à América. Seu pai lhe disse que o estava mandando embora para sua segurança. Seria a última vez que os dois se veriam; alguns anos depois, o pai de Azel, incapaz de migrar para a América, morreu em Cuba.

As vidas de Gus, Martinez, Azel e milhares de crianças cubanas mudaram para sempre porque um padre, Brian Walsh, resolveu agir em vista dos rumores de que o regime totalitário de Fidel Castro estava planejando tirar menores de suas casas e enviá-los para campos de trabalho da União Soviética. Ao ver que as escolas cubanas estavam sendo fechadas pelo governo comunista de Castro, e temendo que as famílias fossem separadas, o padre Walsh, então diretor do Catholic Welfare Bureau, organizou uma grande operação aérea que foi posteriormente chamada de Operação Pedro Pan. Entre 1960 e 1962, a operação transportou mais de 14 mil crianças de Havana para os Estados Unidos, todas em aviões.

Ainda que o Catholic Welfare Bureau fosse o principal organizador da Operação Pedro Pan, o Padre Walsh obteve apoio tanto do governo federal quanto de empresas privadas. Tracy Voorhees, que era representante pessoal do presidente Eisenhower para os refugiados cubanos, sugeriu que o governo fornecesse fundos para apoiar as crianças imigrantes uma vez que chegassem a Miami. E o Departamento de Estado afrouxou os requisitos para os menores cubanos, anunciando em janeiro de 1962 que as crianças não precisariam mais de vistos para emigrar para os Estados Unidos.

Antes da revolução, várias empresas americanas faziam negócios em Cuba, formando a Câmara Americana de Comércio em Havana. Depois que o regime de Castro expropriou as empresas, a Esso, a Freeport e outras corporações forneceram financiamento para a Operação Pedro Pan. Como Castro vigiava de perto todas as principais transações monetárias, os empresários desenvolveram um método cauteloso de transferir fundos por meio de doações ao Catholic Welfare Bureau e de envios de cheques de pequeno valor para cubano-americanos em Miami, que por sua vez enviavam cheques para uma agência de viagens de Havana. Castro se recusou a permitir que pesos cubanos fossem usados para comprar passagens aéreas, e assim todas as despesas de viagem tiveram de ser pagas em dólares americanos.

Mais da metade dos refugiados que chegaram não foram reunidos com familiares, tendo de ser colocados em abrigos administrados pelo Catholic Welfare Bureau. As crianças refugiadas chegavam em Camp Matecumbe, o quartel convertido da Marinha no Aeroporto Executivo Opa-locka de Miami. Quando Camp Matecumbe lotou, centenas de casas especiais foram abertas em cidades de todo o país. Cidadãos cubano-americanos ajudaram a administrá-las.


Tivessem permanecido em Cuba, essas crianças teriam provavelmente passado por uma infância de miséria e morte. Felizmente, foram resgatadas


A Operação Pedro Pan terminou após a Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962, quando as viagens aéreas entre os dois países foram suspensas. Nos três anos seguintes, os pais cubanos tiveram de viajar para os Estados Unidos via Espanha ou México a fim de se reunirem com seus filhos. Em dezembro de 1965, os Estados Unidos adotaram um programa chamado “Voos da Liberdade” para permitir que os pais cubanos viajassem diretamente para os EUA.

E o que aconteceu com essas crianças todas?

Mel Martinez foi alojado em duas instalações juvenis, depois em dois lares adotivos. Depois de se tornar cidadão americano, Martinez entrou na política e foi eleito prefeito do Condado de Orange, na Flórida Central. Posteriormente, atuou como secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano (HUD) e depois foi eleito senador dos EUA pela Flórida. Ele foi o primeiro latino a se tornar chefe do Comitê Nacional Republicano. Como secretário do HUD, ele atuou como membro da Comissão Consultiva do Presidente Bush sobre Excelência Educacional para Hispano-Americanos. Católico romano devoto, Martinez se opôs ao aborto e foi um dos autores do Compromisso do Domingo de Ramos, que permitiu ao governo federal intervir no caso Terry Schiavo na tentativa de evitar sua morte por desidratação. Depois, Martinez voltou à iniciativa privada, atuando como presidente do Chase Bank Florida e suas operações no México, América Central e Caribe.

Jose Azel é pesquisador sênior do Instituto para Estudos Cubanos e Cobano-Americanos (CCAS) da Universidade de Miami. Ele é autor do aclamado livro Mañana in Cuba: The Legacy of Castroism and Transitional Challenges for Cuba (“Amanhã em Cuba: O Legado do Castrismo e dos Desafios Transicionais para Cuba”, em tradução livre).

Outros notáveis que entraram nos Estados Unidos durante a Operação Pedro Pan incluem: Felipe de Jesus Estevez, que foi bispo católico de St. Augustine, foi diretor espiritual do Seminário St. Vincent de Paul em Boynton Beach, e serviu como ministro do câmpus da Universidade Estadual da Florida; Carlos Eire, professor de História e Estudos Religiosos na Universidade de Yale e autor de muitos livros, incluindo Uma Breve História da Eternidade; Eduardo Aguirre, nomeado pelo presidente George W. Bush embaixador dos Estados Unidos na Espanha e Andorra; Guillermo “Bill” Vidal, prefeito de Denver em 2011; Miguel Bezos, padrasto do fundador da Amazon, Jeff Bezos; e Agustin de Rojas de la Portilla, inventor da lente de contato de uso prolongado.

O legado do padre Walsh está em cada uma dessas histórias, e também nas de gente comum como Gus, um “ilustre desconhecido”, como diria meu falecido pai. Tivessem permanecido em Cuba, essas crianças teriam provavelmente passado por uma infância de miséria e morte. Felizmente, foram resgatadas. Uma tremenda história, uma inspiração.

Brian Walsh faleceu em 2001, depois de uma vida de luta contra a opressão e a injustiça. Morreu aos 71 anos, como monsenhor Brian O. Walsh.


Flávio Quintela, Gazeta do Povo