quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Militares aprovam pronunciamento de Bolsonaro

Presidente afirmou que continuará a respeitar a Constituição e condenou o bloqueio de rodovias por caminhoneiros

Ciro Nogueira, à esquerda, e Bolsonaro, à direita da tela, discursaram no Palácio da Alvorada
Ciro Nogueira, à esquerda, e Bolsonaro, à direita da tela, discursaram no Palácio da Alvorada | Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

O breve pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro (PL) depois do resultado das eleições foi bem recebido por militares. Na terça-feira 1º, o chefe do Executivo rompeu o silêncio para afirmar que continuará a respeitar a Constituição Federal de 1988. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, informou que dará início à transição de governo.

“Quando o presidente agradeceu aos 58 milhões de brasileiros que lhe escolheram, automaticamente reconheceu a legitimidade do pleito”, observou o general da reserva Paulo Chagas. Bolsonaro não mencionou, em nenhum momento do discurso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PL), vencedor na disputa pelo Palácio do Planalto.

O general acredita que Bolsonaro agiu corretamente ao condenar a interdição de rodovias por caminhoneiros. “O presidente foi superficial, mas disse o que tinha de dizer”, observou. “Ele qualificou a manifestação como uma manifestação semelhante às convocadas pela esquerda. O recado está dado.”

Ao mesmo tempo, Chagas avalia que o discurso do presidente abre margem para interpretações distintas. “Ele está se colocando sutilmente contra os protestos”, afirmou. “Mas também se posicionou de uma forma política, porque gerou dúvidas nos manifestantes. Esse pessoal está com sangue nos olhos.”

O general alerta para a escalada autoritária dos protestos, visto que eles estão impedindo o fluxo de veículos e provocando desabastecimento nos supermercados. “A manifestação é um direito”, salientou. “Mas você não pode tolher o direito de ir e vir dos brasileiros.”

Segundo Chagas, Bolsonaro não recorrerá aos militares para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Essa história circulou nas redes sociais depois de o presidente ter ficado em silêncio por 30 horas. A tese dizia que, após 72 horas sem pronunciamento, o chefe do Executivo recorreria à GLO. “Ele autorizará a GLO para acabar com a grave?”, perguntou o general. “O pessoal está querendo intervenção militar em cima de quem está pedindo intervenção?”

O militar da reserva considera “improvável” a possibilidade de o relatório das Forças Armadas apresentar deficiências nas urnas eletrônicas. “A minha avaliação, diante desse silêncio, é que não houve nada”, observou. “Se tivesse alguma coisa, todos estariam botando a boca no trombone. Ainda teríamos dois meses para demonstrar que houve fraude e para solicitar novas eleições.”

Para Chagas, o Partido dos Trabalhadores (PT) teria dificuldades em aparelhar o Exército. “Vi um vídeo do ex-deputado José Genoino dizendo que, no governo do PT, haverá intervenção na promoção de generais e modificação nos currículos dos militares”, revelou. “No momento em que o governo petista tocar nesse assunto, encontrará uma reação significativa. Sem consultar ninguém, digo que essa pauta não irá passar.”

Caminhoneiros vão às ruas

Até as 12 horas de terça-feira, eram 267 pontos de interdição ativos em 22 Estados e no Distrito Federal. As maiores concentrações foram verificadas em Santa Catarina, Pará e Mato Grosso.

O ápice dos bloqueios nas rodovias federais aconteceu durante a tarde de segunda-feira 31, com o registro de 421 interdições. De lá para cá, aproximadamente 300 pontos foram desobstruídos.

Segundo Marco Territo, diretor-executivo da Polícia Rodoviária Federal (PRF), a corporação recorreu à Polícia Federal e à Força Nacional de Segurança para “restabelecer a ordem quanto antes e para liberar o trânsito nas rodovias, a fim de garantir o direito de ir e vir”. “Essa manifestação é complexa, visto que não conseguimos identificar as lideranças do movimento”, ponderou. “Desse modo, temos dificuldades em verificar qual seria a pauta de reivindicações.”

Em diversos pontos dos protestos, os policiais identificaram a presença de famílias, crianças e idosos. O protocolo de atuação da PRF envolve a aplicação de multa aos manifestantes, que variam de R$ 5,8 mil a R$ 17,6 mil.

As manifestações escalaram rapidamente, segundo a PRF. Às 23h30 de domingo, por exemplo, haviam 27 pontos de bloqueio. Apenas meia hora depois, foram registradas 37 interdições. A PRF identificou 111 bloqueios durante a madrugada. Esse número triplicou em 24 horas. “Não tínhamos nenhum elemento para afirmar que a crise teria essa envergadura”, admitiu Luís Carlos Reischak, diretor de Inteligência da corporação.

Moraes entra em cena

Na segunda-feira, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo adote “todas as medidas necessárias e suficientes” para liberar as rodovias ocupadas por caminhoneiros. O magistrado afirma que há “omissão e inércia” da PRF na desobstrução das vias.

Moraes determinou que a corporação e as Polícias Militares (PM) dos Estados identifiquem os caminhões utilizados nos bloqueios e informem à Justiça seus dados, para que os proprietários sejam multados. Em caso de descumprimento, o magistrado estabeleceu uma multa de R$ 100 mil por dia e o possível afastamento e prisão em flagrante do diretor-geral da PFR, Silvinei Vasques, por crime de desobediência.

Horas depois, em sessão extraordinária, o STF formou maioria para confirmar a decisão de Moraes sobre a liberação das rodovias. Seis ministros votaram para referendar a liminar: Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber.

Ato contínuo, a PRF anunciou o início da operação para desobstruir as vias públicas. “Acabo de determinar um reforço de efetivo, e de meios de apoio, a todas as ações possíveis para a normalização do fluxo nas rodovias, com a brevidade que a situação requer”, disse o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres. Aproximadamente 200 pontos de bloqueio deixaram de existir entre as 18 horas de domingo e as 5h30 de terça-feira.

Em algumas cidades, como Novo Hamburgo (RS), a PM usou bomba de gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes. Até o momento, dez Estados seguiram a ordem de Moraes: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Maranhão, Bahia, Mato Grosso, Pernambuco e Goiás.

Os principais bloqueios

Em São Paulo, os manifestantes fecharam a Marginal Tietê no sentido Ayrton Senna. Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), a ação teve início às 15h30 de segunda-feira.

Na BR-116, nos trechos próximos a Pindamonhangaba e Embu das Artes, o tráfego foi bloqueado nos dois sentidos. No trecho próximo ao município de Jacareí, 28 manifestantes interromperam a pista no sentido norte. Já na BR-153, na região de São José do Rio Preto, 30 manifestantes se concentraram à margem da rodovia.

Apoiadores de Bolsonaro também interditaram o Aeroporto de Guarulhos. Em razão dos protestos, 25 voos foram cancelados. Os manifestantes bloquearam os dois sentidos da Rodovia Hélio Smidt, que dão acesso ao aeródromo. A GRU Airport, concessionária do aeroporto, relatou dificuldades de acessar o local e orientou os passageiros a verificarem a situação de seus voos com as companhias aéreas. Na manhã de terça-feira, a PRF liberou as pistas.

Santa Catarina é um dos Estados que registraram o maior número de protestos. A concessionária Arteris informou que pelo menos 24 pontos seguiam interrompidos na noite de segunda-feira, provocando filas e lentidão em diversos locais. No Paraná, uma das principais vias de acesso ao Porto de Paranaguá, a BR 277, foi totalmente bloqueada em ao menos sete pontos.

Risco de desabastecimento

O presidente da Associação Brasileira de Supermercados, João Galassi, revelou que estabelecimentos de diversas cidades estão enfrentando dificuldades de abastecimento. A obstrução das rodovias impede o fluxo de veículos e não permite que as mercadorias cheguem aos centros de distribuição.

O GPA, proprietário da bandeira Pão de Açúcar, informou que a rede de supermercados “registra atraso pontual no recebimento e na expedição de algumas mercadorias, ainda sem impacto significativo”. A empresa comunicou que trabalha em alternativas para minimizar o problema.

Mas não é apenas isso. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) está mantendo contato permanente com as distribuidoras de combustível para monitorar a movimentação das cargas. O objetivo é evitar o desabastecimento.

O monitoramento da ANP informa que, na distribuidora Vibra Energia, existem mais de 600 caminhões-tanques retidos em cem pontos do Brasil. A empresa é responsável pelo fornecimento de combustível para uma frota municipal de ônibus da cidade de São Paulo. Segundo a companhia, existia o risco de abastecimento ainda na terça-feira.

A escalada da manifestação incomodou a Confederação Nacional da Indústria (CNI). “O setor industrial se posiciona contrariamente a qualquer movimento que comprometa a livre circulação de trabalhadores e o transporte de cargas”, comunicou a CNI. “O direito constitucional de ir e vir dos brasileiros precisa ser respeitado. A CNI é veementemente contrária a qualquer manifestação antidemocrática que prejudique o país e sua população.”

A CNI informou que os protestos estão atingindo os transportes de cargas essenciais, como equipamentos, insumos hospitalares e matérias-primas básicas para as atividades industriais.

Edilson Salgueiro, Revista Oeste