sábado, 19 de novembro de 2022

Cristiana Arcangeli: ‘O Brasil enfrenta hoje um momento realmente instável’

Empresária comentou as dificuldades de empreender no país e incentivou a participação feminina no mercado de negócios

Cristiana Arcangeli | Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Cristiana Arcangeli | Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Empreender não é tarefa fácil no Brasil. E essa realidade se comprova nos dados. Segundo o ranking Doing Business de 2020, pesquisa feita pelo Banco Mundial para analisar os países com mais dificuldade para fazer negócios, o Brasil ocupa a 124ª posição entre 190 nações.

Apesar de todas as dificuldades, o sonho de ter um negócio próprio é compartilhado por mais brasileiros do que o sonho de fazer carreira em uma empresa. A pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) revelou que cerca de 32% das pessoas desejam buscar independência financeira através do empreendedorismo, contra 19,5% que planejam continuar trabalhando em uma corporação.

Ajudar a realizar esse sonho entre os brasileiros, sobretudo entre as mulheres, faz parte do trabalho de Cristiana Arcangeli, uma dentista que se jogou no mundo do empreendedorismo há 37 anos e se tornou uma das maiores empresárias do país. Fundadora da Phytoervas e da Éh Cosméticos, duas marcas de sucesso no ramo de cosméticos, a empresária recebeu diversos prêmios durante a carreira, como o de “Personalidade do Ano” e “Mulher mais influente do país”.

Atualmente com participação em cinco empresas, Cristiana Arcangeli ganhou ainda mais notoriedade na mídia quando assumiu papel de conselheira de João Doria no reality show Aprendiz Universitário (2010), exibido na Rede Record. Em setembro de 2016, integrou a equipe de “tubarões” do game show Shark Tank Brasil (2016 — ) do Canal Sony, onde ajudou empresas a crescerem em troca de uma participação nas ações do negócio.

Em entrevista a Oeste, Cristiana Arcangeli falou sobre o propósito de incentivar empresas lideradas por mulheres para ajudar a promover uma educação empreendedora e, consequentemente, criar uma liberdade financeira feminina. Além disso, a empresária comentou os desafios para aqueles que desejam abrir um negócio próprio no Brasil, onde o cenário político incerto é dominante.

1 — Quais os critérios que você utiliza para investir seu dinheiro em uma startup? 

Em primeiro lugar dou preferência para startups de mulheres. Em segundo lugar, é preciso que o negócio ofereça inovação, porque tem mais possibilidade de crescer e se tornar um negócio bem-sucedido. O terceiro ponto que avalio é, obviamente, o empreendedor com sangue nos olhos, que conhece o negócio a fundo, se aquilo é o sonho da vida dele e se tem foco no trabalho que está desenvolvendo. Por fim, analiso se a equipe é boa e organizada. Porque ninguém faz nada sozinho. É importante também verificar os planos da empresa e o plano de ação para fazer o negócio dar certo.

2 — O Brasil apresenta uma diversidade de produtos naturais que podem ser manufaturados e transformados em roupas e cosméticos. Mas por que o país ainda não desenvolveu uma marca com representatividade internacional? 

Desde quando criei a Phytoervas [primeira empresa de cosmético que não utilizava sal em seus produtos voltados para o cabelo] o meu maior propósito era criar uma marca de representatividade internacional. Realmente não consigo entender porque o Brasil ainda não desenvolveu uma marca global. Os gestores brasileiros são muito criativos. Por aqui existe muita competência e uma capacidade de inovação incríveis. Os países estrangeiros são prova disso, porque acabam contratando brasileiros. Temos marcas incríveis, muita criatividade e desenvolvimento industrial. Empreender é um desafio em todo lugar do mundo, porque o empreendedor está começando um negócio novo que conta com muita concorrência. Existem muitas dificuldades. Mas o Brasil é um país desafiador por si só por conta da economia e da instabilidade política.

3 — O Brasil enfrenta hoje um cenário político incerto. Como a atual situação do país afeta os empreendedores? 

O Brasil enfrenta hoje um momento realmente instável e bastante ambíguo, porque existem duas vertentes que são muito diferentes. Antes havia uma possibilidade do país se desenvolver, crescer e de manter a economia crescendo. A nossa inflação estava controlada, o nível de emprego continuava crescendo e o dólar era mantido sob controle. Tudo isso se viu contra uma proposta mais socialista que é bastante desafiadora. As pessoas que estão sendo cotadas para serem líderes das pastas do Ministério são mais políticos do que técnicos. Precisamos de pessoas técnicas, principalmente neste mundo confuso. É preciso esperar para determinar o caminho que o país vai seguir. Com inflação e economia desequilibrada, quem sofre é o povo mais pobre. E isso acaba refletindo não só neles como também na classe média, na oportunidade de consumo, na criação de empregos e na acumulação de impostos. É um efeito dominó negativo.

4 — Como está a participação feminina no empreendedorismo hoje? 

As mulheres estão empreendendo mais do que os homens. Cerca de 57% dos novos negócios criados nos últimos três anos foram fundados por mulheres. Mas é sempre um desafio. Apesar de a mulher ser mais controlada, mais administrada e pagar melhor os seus empréstimos e dívidas, é mais difícil conseguir capital para empresas femininas do que para as masculinas. Ainda temos algumas dificuldades por sermos mulheres, mas isso está mudando. A mulher está aprendendo bastante e já comanda empresas muito bem sucedidas, que estão crescendo e dando certo. Acho que esse é o caminho natural das coisas. A mulher e homem se complementam e o mercado precisa dessa complementariedade.

5 — Em entrevista recente, você afirmou que sua missão de vida é fazer as mulheres empreenderem mais. O que é preciso fazer para aumentar a participação feminina neste mercado? 

É importante a mulher empreender para que ela tenha a sua independência financeira, faça suas próprias escolhas, tome suas próprias decisões e seja a protagonista da sua vida. Falo bastante sobre esse assunto há muito tempo nas comunidades do Brasil para acelerar os negócios femininos. Existem mercados em que as mulheres têm mais facilidade de compreensão. É importante que elas aprendam isso porque as mulheres têm uma sensibilidade, uma forma de fazer as coisas de forma mais detalhista, o que para alguns nichos é muito importante. Infelizmente a mortalidade dos negócios no Brasil ainda é alta. Se conseguirmos ensinar um pouco mais sobre educação empreendedora, veremos empresas mais sólidas e crescendo.

Letícia Iervolino, Revista Oeste