quarta-feira, 6 de julho de 2022

'R$ 7 bilhões de socorro aos artistas brasileiros', escreve J.R. Guzzo

 Estouro em favor da 'cultura' é permitido? Estouro em favor do transporte de mercadorias é proibido?



Jefferson Rudy/Agência Senado
Jefferson Rudy/Agência Senado


É uma reação mais do que esperada, porque é a mesma de sempre, a cada medida ou intenção que o governo anuncia ao público — irada, indignada e automática. 

Mas, ainda assim, pareceu particularmente enfurecido o grito de “escândalo” que acompanhou o recente projeto de ajuda financeira aos caminhoneiros, proposto pelo governo para amenizar a pancada que a alta nos preços dos combustíveis tem sido para o setor. 

Como fazer uma coisa dessas num ano eleitoral? Isso é compra de votos. 

É antidemocrático. Pode influir no resultado da eleição. 

A chapa do presidente da República na eleição de outubro tem de ser cassada — e por aí vamos. 

Pior ainda: numa súbita e inesperada empolgação com a austeridade nos gastos públicos, acusou-se o governo de aumentar a despesa do Erário e arruinar com isso as contas nacionais.

Ficou engraçado, porque no mesmo momento em que desabava essa tormenta de inconformismo e de ressentimento quanto aos caminhoneiros, o Congresso aprovava, em festas, uma doação de R$ 7 bilhões aos artistas — e não houve a mais remota tentativa, por parte de ninguém, de sugerir que haja alguma coisa errada nisso. 

Bolsonaro tinha vetado as leis que faziam esse presente; os parlamentares derrubaram o veto presidencial, e daí o presente ficou valendo.

 Como assim? 

Não é, nos dois casos, dinheiro igual, tirado do pagador de impostos? Não afeta, do mesmo jeito, as contas do governo? 

Sim e sim. Então por que a indignação num caso e o aplauso no outro? 

Fica a impressão de que caminhoneiro é uma coisa, ruim, e que artista é outra, boa. 

Para o primeiro não pode haver ajuda do Tesouro Nacional. Para o segundo pode. 

Não faz nexo nenhum.

É complicado dizer que o ajutório aos artistas sai “mais barato”, por que 7 bilhões é dinheiro — e se estão todos tão preocupados assim com os princípios gerais de rigor na gestão do gasto público, não dá para dizer em que número, exatamente, começa a irresponsabilidade. 

Seria certo, então, estourar as contas até uma certa cifra? 

Qual?

 Estouro em favor da “cultura” é permitido? 

Estouro em favor do transporte de mercadorias é proibido? 

É essa a qualidade do debate econômico e político no Brasil de hoje. 

O ex-presidente Lula, candidato que já está nomeando seus ministros, diz que vai acabar com o teto dos gastos públicos — é, aliás, uma das suas promessas de campanha mais furiosas. 

É algo considerado perfeitamente normal.

Artigo publicado originalmente no O Estado de S. Paulo 

Revista Oeste