terça-feira, 2 de março de 2021

2ª Turma do STF arquiva denúncia contra Arthur Lira

 



O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Por 3 a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira (2) arquivar a denúncia de organização criminosa apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o deputado, Arthur Lira (Progressistas-AL) e outros três parlamentares no caso conhecido como “quadrilhão do PP”. O resultado marca mais uma derrota da Operação Lava Jato no Supremo.

A decisão da Segunda Turma também beneficia os deputados Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB) e Eduardo da Fonte (Progressistas-PE) e o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), todos investigados no âmbito de um inquérito que apura desvios na Petrobras. Segundo a PGR, o esquema também teria atingido a Caixa e o antigo Ministério das Cidades, com objetivo de obter propina de forma estável e “profissionalizada”.

Na denúncia, Lira é acusado de receber R$ 1,6 milhão de propina paga pela Queiroz Galvão e de ser beneficiado com R$ 2,6 milhões de vantagens indevidas por meio de doações eleitorais “oficiais” realizadas pela UTC Engenharia. 

A investigação do “quadrilhão do PP” sofreu uma reviravolta no Supremo após a aposentadoria de Celso de Mello e a indicação de Kassio Nunes Marques para a Corte, expondo mais uma vez o cenário desfavorável para o legado da operação no tribunal. Um dos líderes do Centrão, Ciro Nogueira deu a bênção para a indicação de Nunes Marques ao STF.

Nesta terça-feira, Nunes Marques voltou a se alinhar com os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, dois expoentes da ala garantista do tribunal, mais crítica aos métodos de investigação da Lava Jato. O trio impôs um novo revés para o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, e formou a maioria para arquivar o caso.

“A acusação formulada pela PGR concentra-se em fatos investigados em outros inquéritos. Todos os fatos investigados já foram arquivados pela própria PGR ou rejeitados nesta Corte”, disse o ministro Gilmar Mendes, ao alegar que as provas usadas na acusação eram frágeis, baseadas em versões de delatores e “recicladas” de outras investigações já arquivadas.

“No caso em questão, salta aos olhos a engenhosa artificialidade da acusação, já que não há nenhuma razão que sustente a persistência da organização criminosa até a data do protocolo da denúncia.”

Em um voto de 46 páginas, Gilmar destacou ainda mensagens privadas atribuídas a integrantes da hoje extinta força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, obtidas por hackers que invadiram o celular de autoridades. Nas conversas reservadas, os procuradores discutiram a estratégia em torno da construção da denúncia.

“As recentes revelações de diálogos, quer lícitos ou não, sugerem que a apresentação da denúncia nos presentes autos era tão somente um ‘pé de apoio’ para um projeto político próprio do Ministério Público que perpassava justamente essa estratégia de deslegitimação do establishment partidário para, talvez no futuro, apresentar-se como solução: instaurar o caos para afiançar a moralidade”, afirmou Gilmar Mendes.

O ministro Nunes Marques endossou a posição de Gilmar, ao concordar que o inquérito diz respeito a investigações já “arquivadas, rejeitadas ou sequer iniciadas em virtude da fragilidade dos colaboradores e das provas produzidas”. “A denúncia se apoia basicamente nos depoimento dos colaboradores premiados, sem indicar os indispensáveis elementos autônomos de colaboração que seriam necessários para verificação da viabilidade de acusação”, criticou.

Após a leitura de voto de Gilmar Mendes, Fachin fez uma intervenção no julgamento e tentou convencer os colegas a negar os recursos, mas acabou derrotado. Apenas Cármen Lúcia também defendeu o prosseguimento das investigações, com a abertura de uma ação penal.  ““O que mina a credibilidade de instituições em uma democracia é exatamente a corrupção, que precisa ser combatida nos termos da lei, dentro da lei, sem nenhuma exorbitância ou exacerbação de quem quer que seja”, afirmou Cármen.

Linha sucessória. O resultado do julgamento não resolve a controvérsia envolvendo a possibilidade de Lira assumir interinamente a Presidência da República caso Jair Bolsonaro e o vice, Hamilton Mourão, se ausentem do território nacional. Um precedente do STF estabeleceu que réus em ações penais podem até comandar uma das Casas do Congresso, mas não substituir o presidente e o vice, caso os dois se ausentem do território nacional.

Além do “quadrilhão do PP”, que agora será arquivado, a Primeira Turma do STF já aceitou uma denúncia contra Lira em outro inquérito, no qual o parlamentar é acusado de corrupção passiva. O episódio diz respeito ao assessor parlamentar Jaymerson José Gomes de Amorim, servidor público da Câmara dos Deputados, que foi apreendido com R$ 106 mil em espécie quando tentava embarcar no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com destino a Brasília utilizando passagens custeadas pelo deputado federal.

Ao tentar passar pelo aparelho de raio-X, o assessor foi abordado por agentes aeroportuários e detido pela Polícia Federal.

A PGR narra que os valores apreendidos deveriam ser entregues a Lira, em troca de apoio político para manter Francisco Colombo no cargo de presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Segundo a PGR, foi o deputado quem determinou que Jaymerson escondesse as notas de dinheiro na roupa (bolsas do paletó, cintura e dentro das meias).

Em novembro do ano passado, um pedido de vista do ministro Dias Toffoli “travou” o aprofundamento das investigações e a abertura de ação penal contra Lira. Não há previsão de quando a discussão do caso vai ser retomada.

Cronologia. A denúncia do “quadrilhão do PP” foi apresentada em setembro de 2017 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em junho de 2019, a acusação contra Lira e os outros parlamentares por organização criminosa foi recebida pela Segunda Turma do STF por outro placar apertado: 3 a 2. 

Naquela época, Gilmar e  Lewandowski votaram contra o recebimento da denúncia. Por outro lado, Fachin, Cármen Lúcia e o então decano do STF, Celso de Mello, defenderam o recebimento da acusação formal, formando a maioria para a abertura de uma ação penal.

A reviravolta no caso do “quadrilhão do PP” expõe mais uma vez a mudança na correlação de forças na Corte, desde a aposentadoria de Celso de Mello (que costumava se alinhar a Fachin na Segunda Turma) e a chegada de Nunes Marques, em novembro do ano passado.

Desde que Nunes Marques passou a integrar o colegiado, a Segunda Turma já determinou o arquivamento de um inquérito contra o ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE) aberto com base na delação da Odebrecht e garantiu à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a mensagens privadas obtidas por hackers da Operação Spoofing.

Repercussão. Para os advogados de Arthur Lira, Pierpaolo Bottini e Marcio Palma, a decisão reconheceu “que é preciso cuidado com a delação premiada”. “Embora seja um importante instrumento de prova, só deve valer quando coerente e corroborada por provas. É a terceira denúncia com base nas declarações do doleiro rejeitada pela Suprema Corte”, afirmou a defesa do presidente da Câmara.

Na avaliação do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, defensor de Ciro Nogueira, a decisão do STF “resgata a confiança no sistema de Justiça e anuncia novos tempos no cumprimento da Constituição”.

O advogado Marcelo Leal, defensor de Dudu da Fonte, afirmou que o julgamento põe fim à “tentativa de indevida criminalização da atividade política e fortalece a própria democracia”.




Rafael Moraes Moura, O Estado de São Paulo