O auxílio emergencial de R$ 600 reviveu a proposta do ex-senador Eduardo Suplicy da renda básica de cidadania.
Sempre achei um programa muito caro. Apesar de gostar da renda básica, nunca a tinha levado a sério.
A partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2017, a PnadC, conduzida trimestralmente pelo IBGE, os professores do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco Rozane Siqueira e José Ricardo Nogueira simularam os impactos sobre o Orçamento, a pobreza e a desigualdade de um programa de renda básica de cidadania.
Os autores supõem que todas as rendas do trabalho reportadas na PnadC sejam tributadas pela regra do IRPF. Após considerarem as rendas do trabalho, as transferências do setor público, as previdenciárias e outras, além do Imposto de Renda e as contribuições para a Previdência, observam que a renda disponível das famílias foi de R$ 3 trilhões.
Documentam que uma alíquota de Imposto de Renda de 35,7% sob todas as rendas declaradas na PnadC, inclusive informal, garante renda básica de cidadania de R$ 406 a todos os cidadãos brasileiros. Todos os benefícios permanentes, previdenciários e assistenciais pagos pelo setor público são mantidos, mas reduzidos do valor da renda básica. Sobre a renda básica não incide IR.
O imposto linear de 35,7% sobre todas as rendas do trabalho e a subtração do valor da renda básica das transferências de caráter permanente do setor público às famílias gerariam o R$ 1 trilhão necessário para financiar o programa.
O imposto linear substituiria o atual IR e as contribuições previdenciárias do trabalhador (mas não a patronal). Não haveria as deduções por saúde e educação privada.
O mais impressionante é o resultado sobre a pobreza e a desigualdade. A renda de R$ 406 por pessoa foi calibrada para ser igual à linha de pobreza para países de renda média alta do Banco Mundial, de US$ 5,5 por dia por pessoa. Vale lembrar que os R$ 406 em 2017 representavam 43% do salário mínimo e 51% da renda mediana per capita do país, segundo a mesma PnadC de 2017.
Por construção, elimina-se a pobreza. Em 2017, 23% das pessoas e 40% das crianças (menores de 18 anos) viviam com menos do que a renda básica.
O impacto sobre a desigualdade seria muito forte: o coeficiente de Gini cairia do atual 0,506 para 0,377. Nossa desigualdade passaria a ser a mesma da Austrália em 2014 (dados da OCDE). A queda da desigualdade de 0,129 (subtração de 0,377 de 0,506) seria quase o dobro da queda da desigualdade observada entre 2002 e 2014.
O leitor pode se perguntar: não seria possível reduzir a alíquota de imposto se incluíssemos impostos sobre lucro? O Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, bem como os impostos indiretos, compõe a receita do Estado brasileiro e é empregado para financiar outros gastos públicos, entre eles a Previdência e as pensões dos servidores públicos e dos trabalhadores do setor privado, no que essas excederem a renda básica.
Há alguma possibilidade de elevar a base de financiamento da renda básica de cidadania tributando melhor rendas do trabalho escondidas na forma de lucros e que não são bem captadas pela PnadC, como os regimes tributários especiais, lucro presumido e Simples.
E há algum espaço para elevar a tributação sobre as empresas do regime de lucro real, dado que a alíquota de 34% é um pouco menor que os 35,7%, e a figura do juro sobre o capital próprio permite alguma redução no IRPJ.
Mesmo para os mais céticos, como é meu caso, devemos olhar com cuidado a proposta de Suplicy.
Folha de São Paulo