O primeiro dia de Barack Obama na Casa Branca em 2009 foi também o último de um icônico busto de Winston Churchill, colocado no Salão Oval durante o mandato de seu antecessor e devolvido, sem nenhuma cerimônia, para a embaixada britânica em Washington.
O prefeito de Londres na época, ninguém menos que Boris Johnson, reagiu furiosamente em desagravo vendo no retorno do busto uma ofensa ao maior dos estadistas ingleses.
A intenção do ato foi negada, mas o busto se foi e a cicatriz ficou.
Hoje, o prefeito de Londres não é mais um conservador, mas um muçulmano de esquerda, enquanto a direita retomou a Casa Branca. As voltas que o mundo dá.
A retirada do busto de sir Winston Leonard Spencer-Churchill — eleito “o maior britânico de todos os tempos” num concurso promovido pela BBC em 2002 — no exato primeiro dia do mandato de Barack Obama é algo repleto de um simbolismo político-ideológico inegável.
Em 30 de outubro de 2008, Obama declarou num comício: “Estamos a cinco dias de transformarmos fundamentalmente os Estados Unidos da América”.
Em maio daquele ano, sua esposa, Michelle, já havia dito que “vamos precisar mudar nossas tradições, nossa história”.
Quando seu marido foi anunciado como vitorioso da eleição, confessou: “É a primeira vez que sinto orgulho deste país”.
Para radicais como o casal Obama, nada menos que refundar o mais importante, livre, poderoso e próspero país da história da humanidade poderia satisfazer sua sanha ideológica.
Mesmo sendo um patrimônio britânico indiscutível, pelo lado materno tinha parentesco com mais de dez ex-presidentes americanos e era praticamente uma síntese viva do que de melhor a civilização anglófona deu ao Ocidente.
A lembrança do líder do mundo livre na Segunda Guerra Mundial é mais importante do que nunca num momento de radicalização ideológica e ascensão populista em diversos países, com desdobramentos ainda que merecem atenção.
A ruptura do consenso “pós-político” depois da queda do Muro de Berlim, quebrado oficialmente em 2016 com o Brexit e a eleição de Donald Trump, foi um evento que merece ser comemorado por todos os que exaltam o legado do liberalismo clássico britânico e norte-americano, mas os desdobramentos no mundo de governos populistas, no sentido técnico do termo, ainda são incertos.
É nesse sentido de indefinições político-ideológicas que revisitar Churchill é tão importante.
Mesmo sendo um anticomunista ferrenho e de primeira hora (nas palavras dele, “antibolchevique”), tendo horror ao que sabia sobre o que ocorria na União Soviética e nada tímido ou dúbio na condenação do regime, quando se tenta rotular o velho inglês nas tradicionais caixinhas ideológicas, o desafio é mais complexo.
Como político, Churchill foi membro do Partido Conservador de 1900 a 1904, migrando para o Partido Liberal de 1904 a 1924 e depois voltando a ser um tory, de 1924 até o fim da vida.
Todas as suas mudanças de partido foram importantes para analisar a trajetória de um gigante da política que se identificava não com ideologias tradicionais, mas com o que entendia ser o “espírito inglês”.
Sempre foi um entusiasta dos programas de proteção social, nunca como uma estratégia de redistribuição de renda, mas como uma obrigação moral e solidária com outros britânicos que genuinamente precisavam de ajuda.
Ele nunca aceitaria a ideia absurda e estapafúrdia de que a assistência social é “de esquerda”.
Cinquenta e cinco anos depois de sua morte, é preciso entender que esse monstro sagrado da história não defendia partidos ou ideologias, mas o que entendia como legado único dos povos de língua inglesa para o Ocidente e que deveria, até pelas armas como último recurso, ser preservado.
Tirar o busto de Churchill do Salão Oval da Casa Branca não era apenas uma mudança decorativa, mas uma mensagem que ainda não foi totalmente entendida por quem pensa que, na discussão político-ideológica, existem apenas leves divergências, quando há profundas diferenças em visões de mundo tão distintas quanto possível entre os que olham o “Oeste” com orgulho, mesmo ciente de suas imperfeições, e os que sonham em “transformar fundamentalmente” e “mudar” sua história e suas tradições.
Esqueça as caixinhas ideológicas, os bordões e os rótulos ginasianos que fariam Churchill revirar no túmulo e pense no que ele defendia, no que acreditava, no que lutou em toda a sua vida e no que fez de sua memória algo tão marcante que até um simples busto com seu rosto pode causar.
Mais que um tory ou um whig, Churchill era um conservador britânico por excelência, uma tradição de liberdade, responsabilidade individual e senso de dever com ecos desde a Magna Carta e moldada pela fidalguia da nobreza da qual descendia e pelos valores vitorianos que marcaram sua educação.
Era também um pragmático que soube ver em Hitler, um anticomunista ferrenho, a antítese de tudo em que acreditava e que a Inglaterra representava.
Não basta ser anticomunista para estar do lado certo da moral, da política e da história.
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Alexandre Borges é podcaster e analista político. Seu canal no YouTube, Imprensa Livre, teve mais de 2 milhões de views no segundo turno da eleição de 2018. É também analista político e colunista de Veja, da Gazeta do Povo e autor contratado da Editora Record. Na Rádio Jovem Pan, foi apresentador do programa 3 em 1, líder de audiência no segmento
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