segunda-feira, 25 de maio de 2020

"A César o que é de César", por Saulo Passos

O Código da Vida, livro escrito pelo Dr. Saulo Ramos, tem sido um sucesso nacional.

Primeiro, por ser ele um profissional conhecido, chegou a ministro da Justiça, e, segundo, pela abordagem cultural e histórica, especialmente, dos bastidores da política brasileira, passando pela elaboração da Carta Magna de 1988, pelo STF, até o cantador de viola nordestino. 

O eminente advogado nos narra uma causa de direito de família – que dela foi patrono -, rejeitada por outros causídicos, em razão de ser, tão incisiva, a evidência da prova contra o cliente que deixaria a defesa em posição desconfortável perante a acusação. 

Ele, no entanto, acreditou no seu constituinte e abraçou a causa. 

Essa narrativa é a espinha dorsal do livro. 

Curiosamente, os casos que a interrompem não são tão secundários assim. 

Estratégia muito inteligente para prender a atenção do leitor e contar, sem ser maçante, aquilo que se pretende expor: os fatos que ocorreram em sua vida política, profissional, pessoal e de lazer.  

O epílogo é surpreendente, emociona. 

É, acima de tudo, uma aula de direito, de amor, de ética e de justiça.

Mas voltando às narrativas que circundam a principal, particularmente, àquelas que discorrem sobre a poesia do repente, quero dizer da minha admiração, e que já era do meu conhecimento, o interesse e o gosto que o Dr. Saulo, paulista de Brodowsky, tinha pela cantoria de viola dos nossos repentistas, não obstante ter nascido tão longe do Nordeste. 

O paraibano Severino Lourenço da Silva Pinto, “Pinto do Monteiro”, realmente, o maior repentista de todos os tempos - e isso é consenso entre os apologistas e cantadores -, foi insuperável no estilo, todavia, poderia ter recebido maior deferência e cuidados por parte do revisor, em especial, no tocante aos versos quebrados (pág. 322), uma vez que, o próprio Dr. Saulo já desclassificou um cantador por faltar com a métrica (pág. 319) e ele, mais do que ninguém, sabe o valor da métrica no verso do repentista. 

Mesmo assim, Pinto foi contemplado com uma página. 

Antonio Pereira, este sim, foi mais uma vez injustiçado. 

Este pernambucano, já falecido, homem das mãos grossas, analfabeto, lá do sítio Juá, em Itapetim, escolhido pela natureza para decantar a saudade, era conhecido como o “Poeta da Saudade”. 

Respeitado, neste tema, por todos os poetas nordestinos, mas ignorado por aqueles que não se dão ao trabalho de fazer uma pesquisa mais apurada. 

Esta mesma barbaridade já foi cometida por um matutino, que dizia ser a poesia de um nativo do Acre (prejudicada pela lógica!). 

Refiro-me, pois, à sextilha de autoria do Poeta Antonio Pereira, publicada, neste livro (pág.102), como sendo de Euríclides Formiga: 

Saudade é um parafuso/Que quando na rosca cai/Só entra se for “trocendo”/Porque batendo não vai/Depois de enferrujar dentro/Nem “distrocendo” não sai. 

Era assim que o autor declamava. 

Dele, incluindo esta, são 30 sextilhas sobre saudade que constam do meu acervo. 

É justo que se corrija o engano. 

Se o parafuso é ínfimo, caro Poeta Saulo, para nós, defensores da poesia popular, a exteriorização da saudade, fruto da dor desse poeta, tem um valor incomensurável. 

A César o que é de César. 

* Saulo Passos é advogado, engenheiro, matemático e poeta.

Artigo publicado originalmente em 2007. Como o livro do jurista Saulo Ramos, "Código da Vida", voltou às paradas após os imbróglios envolvendo Celso de Mello, identificado pelo ex-ministro da Justiça como 'um juiz de merda', vale a pena ler/reler o texto de Saulo Passos