sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

'Se repetir cenário da China, coronavírus é administrável no Brasil', diz ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta

A chegada do novo coronavírus tende a ser administrável pela rede de saúde caso o Brasil repita o cenário registrado em parte da China, em que houve aumento seguido de estabilização dos casos, afirma o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em entrevista à Folha.

"Se se comportar dessa maneira, vamos supor, 50 mil casos em uma cidade como São Paulo, do tamanho de Wuhan, é perfeitamente administrável. A Coreia do Sul, que está do lado, tem mil casos. Se ficarmos em um cenário como esse, vamos ter pontos de concentração de casos, mas, a meu ver, perfeitamente atendíveis e controláveis", disse ele, que cita a baixa letalidade. 
O ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta durante entrevista à Folha em seu gabinete
Pedro Ladeira/Folhapress
Para o ministro, no entanto, é preciso ver como o vírus irá se comportar no verão e em um país tropical.

"No nosso país, meu maior receio é o Rio Grande do Sul, porque quando teve o H1N1 foi o lugar com maior número de casos e mortes. Mas será que esse coronavírus vai repetir a performance do H1N1 no Brasil?
Se gostar mais de aglomeração do que de frio, o Rio de Janeiro passa a ser a minha maior preocupação."

Mandetta disse avaliar que é apenas questão de tempo para que a OMS (Organização Mundial da Saúde) reconheça a situação atual como uma pandemia. Para ele, porém, não há motivo para pânico. "A humanidade convive com vírus desde sempre."
O ministro é graduado em medicina pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, em 1989, e tem pós-graduação em ortopedia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Como avalia o cenário do Brasil para o novo coronavírus, diante da confirmação do primeiro caso? Vamos ver como o vírus vai se comportar no verão, em um país tropical, com diferenças culturais e comportamentais.
Devemos ter a cautela necessária para não deixar de considerar a possibilidade de uso em massa do nosso sistema de saúde, por causa de uma epidemia de grandes proporções, embora não acho que isso vá ocorrer.
O fato de termos o primeiro caso no verão pode ser um fator positivo? Depende muito de como vai se dar a transmissão. Hoje temos um caso. Só entra em epidemia quando tem milhares. 
Se entrar agora e gradativamente chegarmos a uma espiral epidêmica no inverno, aí vai ter sido ruim ter chegado agora. Mas, se chegar e não se multiplicar, a vantagem é que podemos nos preparar melhor para o inverno à frente.
Que medidas devem ser adotadas? Até o momento nosso foco é vigilância. Fazemos vigilância pensando em saúde. Alguns países pensam como defesa. Na China demoraram porque ficaram praticamente dois meses tratando como assunto reservado às autoridades, e isso expôs uma cidade de 11 milhões de habitantes a permanecer muito tempo sem alerta sanitário. 
Mas ainda assim vemos que o primeiro caso veio de um hospital de ponta da rede privada e apenas um dia depois de o ministério ter incluído a Itália. Isso não pode ser um indicativo de que o vírus já chegou ao Brasil? Não. Já trabalhávamos com o conceito de que os pacientes viriam de áreas de transmissão. 
Sabemos que, pelo poder aquisitivo necessário para ir a essas áreas, seriam pacientes típicos da rede privada. Só que o nosso sistema tem protocolo também aplicado à rede privada. Temos mais de 90 mil brasileiros na Itália e sabemos que muita gente está antecipando a volta ao Brasil. 
Vamos ver os países recebendo pessoas oriundas dessas áreas de transmissão e levando o vírus em um quadro que chamamos de pandemia, que é quando não se tem mais um país fonte e passa a ser problema global.
Estamos então diante de uma pandemia? Sim. É só questão de tempo para a Organização Mundial de Saúde reconhecer a pandemia, porque já há casos nos cinco continentes.
O Ministério da Saúde vinha trabalhando com a ideia de um "impacto intermediário" do novo coronavírus no Brasil. Diante de uma pandemia, deve rever essa avaliação? Não, porque falamos de vírus respiratórios. O fato de estar distribuído não muda a história natural da doença. É a história de uma gripe que se comporta como resfriado nas pessoas mais jovens e que nas pessoas de 60 anos tem letalidade próxima de 3%, de 70 a 80 de 8%, e, acima de 80 anos, de 14%.
Esperamos que haja em breve uma vacina. Os vírus respiratórios têm essa característica de se dispersarem por saliva, contato de mãos, superfícies. É praticamente impossível você chegar e falar: vamos esterilizar o mundo.
A humanidade convive com vírus desde sempre. Mas é a primeira vez que se passa por surto epidêmico em tempos de informação em tempo real, o que faz uma sensação coletiva de ser um inimigo monstruoso, fim da humanidade. 
Há pânico desnecessário? É um pânico natural. Você amplifica demais por causa da rede de computadores. Se formos contar quantas pessoas morrem de tuberculose, passa de 1 milhão de casos [por ano]. 
O Brasil, no ano passado, teve epidemia de dengue com 700 mortos. Tivemos mortes por sarampo. Só que isso não causa mais a reação de pânico.
O novo coronavírus pode sobrecarregar a rede de saúde? Uma pessoa que está com dengue, o sistema imunológico dela cai. Se na sequência pega coronavírus, será que mesmo sendo jovem, não vai ter taxa de letalidade maior? 
São situações que vamos ter. Sabemos que haverá dias ruins. Mas temos tentado nos organizar para fazer centros de operações de emergência e planos de contingência.
Como fica se a OMS declara pandemia? Aí acaba a lista [de países em alerta].
E como diferenciar os casos de coronavírus e gripe, por exemplo? Fazemos igual para os casos de gripe comum, que é rodar o painel viral [em exames] e nos casos de negatividade fazer o teste específico.
Lembrando que, embora a transmissibilidade seja mais alta que a Sars, ainda é muito mais baixa do que a influenza. 
Você pega Wuhan, cidade de 11 milhões de habitantes, uma São Paulo industrial. Provavelmente o vírus estava circulando lá desde outubro ou novembro. Terminamos fevereiro e tem 70 mil casos. 
Se testar e ver quantos casos de influenza A e B deve ter em Wuhan, garanto que deve ter uma escala muitas vezes maior. Mas vai chegar a hora em que a ciência vai ter de chegar e falar: é uma síndrome gripal, vamos ter de conviver com ela. 
Então não devemos ter uma epidemia de grande proporção no Brasil? Se a gente repetir o cenário que ocorreu na China e ocorre em outros países, vemos que houve um aumento e agora a China estabilizou, e parece demonstrar redução de casos, com letalidade baixa. Se se comportar dessa maneira, vamos supor, 50 mil casos em uma cidade como São Paulo, que é do tamanho de Wuhan, é perfeitamente administrável. 
A Coreia do Sul, que está do lado, tem mil casos. Se ficarmos em um cenário como esse, vamos ter pontos de concentração de casos, mas, a meu ver, perfeitamente atendíveis e controláveis.
Agora, como o inimigo é novo, se tem surto, uma espiral epidêmica, e tem 100 mil, 200 mil, 500 mil casos, 1 milhão, aí você tem uma epidemia franca. No nosso país, meu maior receio é o Rio Grande do Sul, porque quando teve o H1N1 foi o lugar com maior número de casos e mortes. Mas será que esse coronavírus vai repetir a performance do H1N1 no Brasil? Ou será que ele gosta mais de aglomeração? Se gostar mais de aglomeração do que de frio, o Rio de Janeiro passa a ser a minha maior preocupação, porque é uma cidade muito adensada.
Não há uma recomendação expressa de quarentena, ou para que algumas pessoas fiquem em casa. Avalia alguma medida nesse sentido? Não temos histórico de uso de quarentena no Brasil. Fiz uma negociação com a Câmara e o Senado para aprovar lei sobre isso. 
Existem duas coisas a fazer agora, que são portarias disciplinando essa lei, uma para isolamento domiciliar e outra para quarentena, e como ela se aplica em espaços coletivos. Não temos essa expertise. No momento trabalhamos com o protocolo da OMS. 
No caso do paciente que vem de um país que tem transmissão, caso tenha febre e dor de cabeça, procura unidade de saúde. Uma minoria vai testar positivo. Se está em quadro geral bom, pode ficar em isolamento domiciliar.
Se colocar em hospital pessoas que estão hígidas [saudáveis], ou elas vão ter uma infecção paralela de ambiente hospitalar ou vão acabar transmitindo para pacientes. 
Há necessidade de medida extra em aeroportos e portos? Devemos ampliar a informação. Temos um aplicativo que vai ser usado para informar as pessoas e para a equipe de vigilância. Muita gente pergunta: "Por que não fecha [a fronteira]?" Não podemos transformar o país em uma ilha, em uma bolha.
Luiz Henrique Mandetta, 55
É ministro da Saúde da gestão de Jair Bolsonaro. Foi deputado federal por dois mandatos (pelo DEM-MS) e secretário municipal de saúde de Campo Grande (MS). Graduado em medicina pela  Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, em 1989, com pós-graduação em ortopedia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Natália Cancian, Folha de São Paulo