sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Líderes democratas estão dispostos a arriscar danos ao partido para impedir Bernie Sanders

WASHINGTON — A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e o senador Chuck Schumer, líder da minoria democrata, recebem constantes alertas de seus aliados a respeito das possíveis derrotas no Congresso em novembro, se o partido indicar Bernie Sanders como candidato à presidência. Congressistas democratas compartilham seus temores em relação a Sanders em grupos de mensagens. Telefonando a velhos amigos, Bill Clinton desabafa falando em uma derrota esmagadora para o partido na próxima eleição.
E funcionários do partido nas esferas nacional e estadual se mostram cada vez mais ansiosos diante da possibilidade de fragmentação na Superterça e além, com o liberal Sanders roubando o espaço de candidatos moderados que, juntos, recebem mais votos.
Dezenas de entrevistas com lideranças do establishment democrata essa semana mostram que elas não estão apenas preocupadas com a candidatura de Sanders, mas também com o risco de causar um estrago dentro do próprio partido na tentativa de deter a nomeação dele na convenção nacional de julho, um risco que estão dispostas a correr se tiverem a oportunidade. 
Desde a vitória de Sanders nas prévias de Nevada no sábado, a reportagem entrevistou 93 funcionários do partido — todos eles superdelegados, que podem opinar quanto ao indicado na convenção — e identificou uma oposição maciça à indicação do senador de Vermont para a candidatura se ele tiver o maior número de delegados, mas não a maioria deles.
Tal situação pode resultar em uma convenção arranjada, uma batalha política desgastante do tipo que os democratas não vivem desde 1952, quando o candidato foi Adlai Stevenson.
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Bernie Sanders marcha com apoiadores em Winston-Salem, na Carolina do Norte
Foto: Brian Blanco/Getty Images/AFP
“Já passamos muito da época em que lideranças do partido poderiam determinar o resultado da corrida, mas me parece haver um vibrante debate a respeito do que pode ser feito", disse Jim Himes, congressista de Connecticut e superdelegado, para quem o candidato escolhido deve ter a maioria dos delegados.
Da Califórnia até as Carolinas, chegando a Dakota do Norte e Ohio, lideranças do partido se dizem preocupados com uma derrota de Sanders - socialista democrático que recebe um apoio apaixonado e, por enquanto, limitado - diante do presidente Donald Trump, arrastando consigo candidatos moderados ao Congresso e ao Senado com sua pauta esquerdista de “acesso universal ao Medicare” e ensino superior público gratuito de quatro anos.
Sanders e seus assessores insistem que o oposto é verdadeiro: as ideias dele vão gerar muito apoio entre o eleitorado jovem e trabalhador, levando a um comparecimento recorde às urnas. Mas essas esperanças ainda não foram confirmadas nas disputas preliminares até o momento.
Jay Jacobs, presidente do Partido Democrata do Estado de Nova York e superdelegado, ecoou as palavras de muitos outros entrevistados ao dizer que os superdelegados indicariam o candidato que tivesse mais chance de derrotar Trump caso nenhum dos postulantes conseguisse uma maioria dos delegados durante as primárias. Sanders argumenta que deve ser o candidato indicado na convenção se tiver o maior número de delegados, para refletir o desejo de um eleitorado que, se privado dessa candidatura, poderia fragmentar o partido de vez.
“Bernie quer redefinir as regras e simplesmente dizer que basta o maior número de delegados", disse Jacobs. “Acho que não vamos engolir isso. Acho que o público principal e os políticos do Partido Democrata não vão engolir isso. Se ele não tiver a maioria, parece sensato pensar que ele não será necessariamente o candidato.”
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Da esquerda para a direita, os pré-candidatos democratas Mike Bloomberg, 
Pete Buttigieg, Elizabeth Warren, Bernie Sanders, Joe Biden, Amy Klobuchar
e Tom Steyer participam de debate televisivo Foto: Logan Cyrus/AFP
Ainda que não esteja em curso um esforço generalizado para enfraquecer Sanders, deter a ascensão dele se tornou o assunto dominante em muitos círculos democratas. Alguns tentam agir muito antes da convenção: depois que Sanders venceu as prévias de Nevada no sábado, quatro doadores procuraram o ex-congressista Steve Israel, de Nova York, para perguntar se ele pode sugerir a alguém que use um super PAC (comissão de ação pública) para deter Sanders. Ele recusou a sugestão.
“As pessoas estão preocupadas", disse o ex-senador Chris Dodd, de Connecticut, ex-presidente do Comitê Nacional Democrata que, em outubro, anunciou seu apoio ao ex-vice-presidente Joe Biden. “Muitos temem passar quatro ou cinco meses na esperança de não ter que colocar um adesivo dele no carro.”
Essa ansiedade levou até os superdelegados a sugerirem ideias que parecem tiradas das páginas de um drama político.
Nas semanas mais recentes, os democratas fizeram constantes telefonemas ao senador Sherrod Brown, de Ohio, que decidiu não disputar a presidência há quase um ano, indicando que ele pode surgir como salvador para a candidatura definida em uma convenção arranjada — em parte com base na teoria segundo a qual ele pode vencer no próprio estado em uma eleição geral.
“Seria maravilhoso se pudéssemos chegar à convenção com a possibilidade de indicar Sherrod Brown, mas isso parece coisa de romance", disse o congressista Steve Cohen, do Tennessee. “A presidência de Donald Trump é como uma história de horror, então, se isso é possível, podemos também apostar em um romance.”
Outros insistem para que o ex-presidente Barack Obama se envolva para negociar uma trégua — seja entre os quatro candidatos moderados, seja entre Sanders e os figurões do partido, de acordo com três fontes informadas a respeito de tais conversas.
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Bernie Sanders participa de comício na Carolina do Norte 
Foto: Brian Blanco/Getty Images/AFP
Pessoas próximas a Obama dizem que ele não tem intenção de se envolver na disputa das primárias, enxergando para si não o papel decisivo, e sim o de uma figura apaziguadora para tentar sanar as divisões dentro do partido quando os democratas escolherem seu candidato. Ele também acredita que os democratas não devem se envolver em decisões tomadas nos bastidores, argumentando que acordos desse tipo o teriam impedido de receber a nomeação para a candidatura quando disputou contra Hillary Clinton em 2008.
Funcionários do Comitê Nacional Democrata sustentam que é muito improvável chegar à convenção sem um candidato escolhido. Historicamente, os superdelegados sempre apoiaram o candidato que conseguiu reunir mais delegados, contados a partir das vitórias nas primárias. Ainda que o número desses delegados seja proporcional ao resultado das eleições preliminares, eles não são obrigados a manter a posição — o que significa que, tecnicamente, têm a liberdade de mudar seu voto conforme a disputa avança.
Para os defensores de Sanders, impedi-lo de receber a indicação se ele tiver o maior número de delegados resultaria em um afastamento do eleitorado progressista, entregando a Trump o segundo mandato.
“Se Bernie tiver o maior número de delegados sem que nenhum outro candidato chegue perto do resultado dele, e mesmo assim os superdelegados intercederem dizendo, ‘Nossa opinião vale mais que a do eleitorado’, acredito que teremos um problema", disse a congressista Pramila Jayapal, de Washington, defensora de Sanders e co-presidente da Banca Progressista do Congresso.
Outros no partido enxergam Sanders como uma ameaça existencial de tal grau que parecem achar que o risco de impedi-lo de receber a nomeação é menor do que o de um conflito aberto na convenção. Muitos temem que colocar Sanders como cabeça de chapa pode custar aos democratas os ganhos políticos da era Trump, período em que o partido obteve o controle do congresso, conquistou o governo estadual de estados historicamente republicanos e formou maiorias em senados estaduais do país inteiro.
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Voluntários da campanha de Bernie Sanders conversam em escritório em Columbia, 
Carolina do Sul Foto: Sean Rayford/Getty Images/AFP
“Bernie parece ter declarado guerra contra o Partido Democrata — e isso deixou em pânico seus congressistas", disse o congressista Josh Gottheimer, de Nova Jersey, que apoia o ex-prefeito de Nova York, Mike Bloomberg. Pesquisas de opinião particulares no distrito de Gottheimer no norte de Nova Jersey, por exemplo, mostram uma diferença de dois dígitos no percentual de aprovação de Trump e Sanders.
A congressista Veronica Escobar, do Texas, disse que se Sanders chegar à convenção com 40% dos delegados, isso não seria o bastante para que ela declarasse seu apoio a ele.
“Se Bernie Sanders não tiver 60% do nosso eleitorado, acho isso bastante significativo", disse ela.
Os resultados da disputa da Superterça devem conferir aos democratas uma forte indicação do rumo que as primárias devem seguir.
Se Sanders obtiver vitórias expressivas nos 16 estados e territórios que realizarão suas prévias na Superterça, semana que vem, ele pode ter ao alcance a maioria de 1.991 delegados necessária para receber a candidatura. Mas, se a votação na Superterça foi muito dividida entre Sanders e dois ou mais de seus rivais, o senador de Vermont pode se ver com mais delegados do que a concorrência, mas não o suficiente para garantir a candidatura.
De acordo com as regras atuais, a convenção teria então que realizar uma votação, na qual todos os 3.979 delgados e os 771 superdelegados teriam liberdade para escolher o candidato que quisessem.
Isso daria aos delegados democratas um poder imenso para determinar o candidato, dando início a uma acirrada disputa entre os postulantes para ficar com o apoio de 2.375,5 delegados e superdelegados (os superdelegados da Democrats Abroad contam como meio voto cada).

“Trata-se de uma miniatura do processo das primárias", disse Leah Daughtry, que comandou as convenções do partido em 2008 e 2016. Faz quase um ano que ela alerta os doadores democratas para a perspectiva de uma convenção disputada. “Se os candidatos não tiverem uma operação política capaz de vencer uma votação entre os delegados, que chance terão nas eleições gerais?” / Tradução de Augusto Calil

Lisa Lerer and Reid J. Epstein, The New York Times