quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

"Outro corte nos juros e o jogo da Bolsa", por Celso Ming e Guilherme Guerra

A nova tesourada nos juros básicos (Selic), para 4,25% ao ano, decidida nesta quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (veja o gráfico), requenta a já acalorada questão sobre a existência ou não de uma bolha especulativa no mercado de ações do Brasil.
Uma vez descontados a inflação esperada, o Imposto de Renda e a taxa de administração do banco, juros ainda mais baixos afundam para o campo negativo o resultado das aplicações em renda fixa. Feitas as contas, para ter as reservas aplicadas em renda fixa, esse investidor terá de pagar mais do que vai receber.

Por aí se vê que a queda dos juros empurra o aplicador ainda mais para o mercado de renda variável, onde corre mais risco, mas, em compensação, poderá ter um retorno bem maior.
O problema está em saber se vale a pena dar ou aprofundar esse passo diante de certos diagnósticos de que há uma bolha na Bolsa. Bolha leva sempre a aposta de que, mais dia, menos dia, haverá o estouro, portanto queda rápida dos preços das ações, que pode ser reforçada pelo efeito manada.

Copom
Primeira reunião do ano do Copom aconteceu em momento de preocupações 
com o crescimento econômico global. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O mergulho das bolsas internacionais que se seguiu às informações do alastramento do coronavírus parecia confirmar que o mercado estava apenas esperando por um pretexto para vir abaixo. Mas bastou a percepção de que a China, país do epicentro do choque, estava lidando com surpreendente rapidez para cercear a propagação da epidemia e que importantes centros de medicina já tinham avançado no processo de obtenção de vacinas para que as bolsas do mundo inteiro, inclusive a do Brasil, voltassem a empinar, em parte escoradas em outras boas notícias.
Convém examinar os sinais. O primeiro a advertir para uma possível formação de bolha foi um dos mais respeitados administradores de fundos de investimento no Brasil, o criador do Fundo Verde, Luis Stuhlberger. Mas ele mesmo reconheceu que, apesar de sua cisma, mantém em renda variável cerca de 20% do patrimônio dos fundos que administra. 
Quem concorda com ele argumenta que a Bolsa subiu muito no ano passado, nada menos que 31%, bem mais do que prometiam os resultados do PIB e os das empresas cujas ações são negociadas nesse mercado. Por isso, um ajuste parece mais provável. Contra essa observação, pode-se dizer que a demanda por ações aumentou. Existe 116% mais dinheiro de 169% mais brasileiros nesse mercado do que há 3 anos. Também é verdade que, descontada a inflação de um bom período, os preços das ações ainda parecem ter campo para aumentar.

O chefe de pesquisa de ações do Banco BTG Pactual, Carlos Sequeira, por exemplo, aponta para o P/L. É a relação entre o preço das ações e o lucro anual por elas proporcionado, que indica em quantos anos uma ação se paga independentemente das oscilações dos preços no mercado. Pois o P/L médio só está um pouco mais alto do que o observado na série histórica de 10 anos: são 14,4 ante 12,6. Para ele, as ações só começariam a ficar caras demais depois que a Bolsa atingisse 134 mil pontos. Nesta quarta-feira, fechou a 116 mil pontos.
O estrategista do Itaú BBA Lucas Tambellini chega a conclusão semelhante depois de juntar vários fatores positivos: “Os juros caíram a níveis históricos, as empresas estão renegociando suas dívidas e gerando mais lucros, há mais pessoas em busca de renda variável, a agenda das reformas vem acontecendo, especialmente na área fiscal”. Para Tambellini, até os 132 mil pontos não há muito a temer por um estouro da Bolsa brasileira.

Nesse campo, não há chão 100% firme. Bolha especulativa é o tipo da coisa que só passa a certeza de que existe quando acontece o estouro. Mas, aí, já não existe mais.

O Estado de S.Paulo