Nos últimos dez anos houve, principalmente nas principais equipes do mundo, uma evolução no futebol, dentro e fora de campo.
O jogo ficou mais dinâmico, veloz e com mais pressão para recuperar a bola. Os times estão mais compactos, e as funções exercidas pelos atletas vão muito além do posicionamento tático. Não há mais razão para explicar a maneira de atuar apenas pelo sistema tático. Os jogadores não param de correr.
A ciência esportiva provocou um grande desenvolvimento na preparação de profissionais ligados ao futebol e também na formação dos atletas. Os europeus, por terem melhores condições financeiras, educacionais e sociais, deram um salto à frente, em todas as atividades profissionais, inclusive no futebol.
O passe, símbolo do jogo coletivo, e o drible, o maior representante do talento individual, passaram a conviver melhor, a ser complementares. Um potencializa o outro. O jogo ficou mais técnico, tático, sem perder a fantasia e a inventividade.
Os europeus perceberam também que, para ter mais lucro, necessitavam de estádios mais confortáveis e seguros, com ótimos gramados e um futebol mais prazeroso, ofensivo e eficiente.
Hoje, o Liverpool, dirigido por Klopp, continua a evolução, uma mistura de guardiolismo com o pragmatismo de técnicos, como Mourinho e Ancelotti.
Essa evolução foi muito menor no Brasil. Ficamos estagnados, repetindo práticas viciadas das últimas décadas.
As estatísticas e a tecnologia deram grande contribuição à qualidade e à compreensão do jogo. Porém, não podemos ser fascinados e reféns dos números.
Em vez de priorizar as estatísticas para avaliar as partidas, deveríamos aprender a observar mais os detalhes individuais e coletivos, para, depois, com o auxílio das estatísticas, construir conceitos. As possíveis divergências nos dois olhares melhoram o conhecimento.
No passado, havia mais comentaristas e colunistas literários. Nelson Rodrigues, com seu delicioso exagero e descompromisso com os detalhes técnicos, escrevia magistrais colunas. Armando Nogueira unia a realidade e a poesia. Hoje, predomina um olhar pragmático, estatístico, uma tentativa de explicar tudo, mesmo o que não tem explicação.
Profissionais acadêmicos ficam constrangidos em admitir a força do acaso, como se isso fosse um atestado de falta de conhecimento científico.
Em 2010, na África do Sul, onde eu estava presente, a Espanha, inspirada no Barcelona dirigido por Guardiola, ganhou a Copa, além de ter sido, em 2008 e 2012, bicampeã europeia. Os espanhóis encantaram o mundo.
Naquele Mundial, percebi uma grande mudança na maneira de ver e de falar sobre futebol, o que não significa que a transformação tenha começado naquele momento. Parte da imprensa assistia aos jogos, nos estádios, com o computador à frente. Os jornalistas digitavam milhões de vezes e olhavam muito mais para a tela da máquina do que para o gramado. As informações e opiniões eram transmitidas em tempo real. Não havia espaço para reflexões.
Como tenho dois olhares sobre futebol, um mais literário e reflexivo, e outro mais pragmático, técnico, tático e científico, fico dividido entre o real e o imaginário, entre a ciência e a arte, entre o que é e o que poderia ser.
Tento aproximar os dois olhares, mas, muitas vezes, eles não se entendem. Um quer ser mais importante e melhor que o outro. Tenho que tomar uma atitude.
Eu decido.
Folha de São Paulo